La Liga

A hecatombe do Espanyol em La Liga é feita mais por escolhas péssimas do que por uma situação alarmante

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Não falta camisa pesada ao Espanyol, o quarto clube com mais participações na história de La Liga e com quatro títulos da Copa do Rei. Não falta elenco aos Pericos, com bons jogadores à disposição. Não falta dinheiro à agremiação, com uma folha de pagamentos elevada e investimentos altos no mercado de transferências. Mas faltou futebol, e muito, para salvar os catalães do rebaixamento nesta edição do Campeonato Espanhol. Com problemas sérios de organização e um time que não se encontrou ao longo da campanha, os blanquiazules tiveram o descenso confirmado na última semana. Pela quinta vez em sua história, precisarão encarar a segunda divisão, como não acontecia desde 1993/94.

O rebaixamento do Espanyol não poderia ser mais melancólico. Diante da distância para sair do Z-3 e da falta de reação nesta retomada de La Liga, estava claro que a queda dos Pericos seria uma mera questão de tempo. Viria por antecipação, sem dúvidas. E quis o destino que acontecesse justo no dérbi contra o Barcelona, o gigante que deixa os blanquiazules à sua sombra. Se o Espanyol possui uma representatividade considerável ao futebol nacional e se insere entre os clubes mais tradicionais do país, acaba sufocado pela fama dos blaugranas na cidade, com cada vez mais dificuldades para criar torcida – segundo o Guardian, apenas 4% da população local torce pelos Pericos. Seria o Barça, então, o responsável por decretar a amargura dos vizinhos rumo à segundona.

A vitória por 1 a 0 no Camp Nou, com gol de Luis Suárez, também não representa um orgulho tão grande ao Barcelona. Os culés, afinal, têm seus muitos problemas e o vice-campeonato que se desenha nunca é suficiente para satisfazer a grandiosidade proclamada pelo clube. Ainda assim, durante o dérbi, pipocaram alguns fogos de artifício ao redor do estádio para fazer troça do descenso do Espanyol. Existe uma rivalidade considerável entre os times, impulsionada por esta diferença de realidades e de sentimentos. Algo que motivou as gozações dos blaugranas, mesmo que a frustração dos blanquiazules se arrastasse durante toda a temporada do Campeonato Espanhol.

Não se imaginava um desastre nessas proporções durante o início da Liga. Na edição anterior do campeonato, o Espanyol havia protagonizado uma campanha que, se ainda aquém dos anseios da torcida, serviu para recolocar o clube nas competições europeias depois de 12 anos. A sétima colocação em 2018/19 era um sinal de que o trabalho estava sendo bem feito no Cornellà-El Prat e de que existiam boas perspectivas de seguir crescendo no Campeonato Espanhol, depois de algumas campanhas de meio de tabela. Não foi o que aconteceu. Os Pericos até se saíram bem na Liga Europa a partir das preliminares, mas estiveram distantes de realizar um bom trabalho em La Liga. Não havia qualquer ambição ou objetivo traçado.

A queda do Espanyol vai além da maratona desgastante de jogos, imposta por uma campanha na Liga Europa que começou ainda em julho de 2019. O mau desempenho do time também passa por mudanças internas significativas. Rubi, o treinador responsável por classificar os blanquiazules ao torneio continental, arrumou as malas e aceitou uma proposta do Betis. Levou consigo Borja Iglesias, grande figura na campanha anterior e autor de 17 tentos. Da mesma forma, o time também perdeu sua principal referência defensiva, ao negociar Mario Hermoso com o Atlético de Madrid.

A reconstrução do Espanyol não seria tão bem feita, considerando o maior número de jogos que o clube enfrentaria ao longo da temporada. Trouxe apenas Matías Vargas, Fernando Calero e Jonathan Calleri no verão, além de outros negócios sem custos e empréstimos. Faltava mais profundidade ao plantel e a lacuna deixada pelos protagonistas negociados não seria preenchida. Da mesma forma, a solução caseira para o comando técnico não deu certo. David Gallego subiu ao time principal depois de anos trabalhando no Espanyol B e não conseguiu domar os jogadores.

A Liga Europa, além do mais, criou uma falsa sensação de euforia ao Espanyol. Contra adversários fracos, os Pericos sobraram na caminhada para chegar à fase de grupos. Ainda somando os números de sua campanha finalista em 2006/07, a equipe quebrou o recorde de invencibilidade nas competições europeias. E até cumpriria bom papel no Grupo H, alcançando a classificação na chave que também contava com CSKA Moscou, Ferencváros e Ludogorets. Mas, a esta altura, o desempenho no Campeonato Espanhol já tinha começado a desandar.

Durante as seis primeiras rodadas de La Liga, o Espanyol já deveria ter ligado o sinal de alerta, com apenas quatro pontos conquistados. Não engrenou e, no início de outubro, apareceu na zona de rebaixamento pela primeira vez. David Gallego não gozava de muito respaldo e seria demitido logo após a oitava rodada, com uma derrota para o Mallorca. Chegou ao seu lugar Pablo Machín, responsável pela ascensão do Girona e que havia dirigido anteriormente o Sevilla. Também não emplacou. Ao contrário de seu antecessor, era acusado de ser muito rígido e, apesar da vitória sobre o Levante no seu segundo compromisso pela Liga, emendou oito rodadas sem ganhar, com seis derrotas no período.

A gota d'água para Machín aconteceu na última partida em dezembro. O Espanyol havia assumido a lanterna pouco antes, com míseros 10 pontos em 18 compromissos, e perdeu fora de casa para o Leganés – com o qual disputava palmo a palmo o posto de pior time do campeonato. Ao menos, com o Campeonato Espanhol nivelado por baixo na parte inferior da tabela, o clube não estava muito distante de sair do Z-3. Cinco pontos bastavam para respirar e haveria todo o segundo turno pela frente. Por isso, os Pericos buscaram Abelardo, treinador que vinha de um trabalho estupendo ao assegurar o Alavés na elite. Parecia condizente ao momento dos blanquiazules.

A estreia do novo técnico seria animadora, com o empate por 2 a 2 contra o Barcelona – arrancado no final graças a um gol de Wu Lei. Aquele resultado, porém, falava mais sobre os blaugranas do que sobre os blanquiazules. Os Pericos se animaram por um momento, batendo Villarreal e Mallorca até o início de fevereiro, além de empatarem com Athletic Bilbao e Sevilla. Embora ainda na lanterna, chegaram a ficar a dois pontos de sair da zona de rebaixamento e o mercado de inverno fazia seu efeito. Para corrigir as lacunas, foram gastos quase €40 milhões com as chegadas de Raúl de Tomás, Adrián Embarba, Leandro Cabrera e Oier Olazábal.

Só que a empolgação não duraria tanto assim e, combinada com a ascensão dos concorrentes, uma série de quatro jogos sem vencer antes da paralisação deixou o Espanyol a seis pontos de escapar do Z-3. Neste ínterim, a equipe também se despediria na Liga Europa durante os 16-avos de final, superada pelo favorito Wolverhampton. O time até voltou com resultados positivos em junho, derrotando o Alavés e empatando fora com o Getafe. Mas, a quem registrou dez casos de COVID-19 no elenco durante a pausa, o preço seria pago pouco depois. Os Pericos não venceram mais a partir de então, quando a maratona passou a exigir mais do elenco. Foram sete derrotas consecutivas. Na sexta delas, diante do Barcelona, o aguardado descenso foi consumado.

O Espanyol trocou de técnico pela quarta vez nesta reta final. Abelardo saiu e Francisco Rufete, homem de confiança da presidência que trabalhava como diretor esportivo, assumiu as rédeas. Não conseguiu causar grande impacto nos jogadores, mesmo com seu passado de ídolo no clube. Os Pericos têm a nona maior folha salarial do Campeonato Espanhol e vários atletas com passagens por grandes clubes – a exemplo de Diego López, Didac Vilà, Facundo Ferreyra, Víctor Sánchez ou Sergi Darder. A acusação mais comum era de uma equipe sem liderança entre tantas mudanças e sem muito empenho, apesar da calamidade na tabela cobrar urgência.

Vale ressaltar ainda o péssimo rendimento como mandante. O Espanyol conquistou menos pontos em casa do que fora. Acumulou míseras duas vitórias em 18 compromissos no Cornellà El-Prat, além de 11 derrotas. E se a defesa, com 57 gols tomados em 36 partidas, tem grande parte no desastre, as críticas talvez sejam ainda maiores a um ataque que só assinalou 27 tentos. Nenhum jogador balançou as redes mais do que quatro vezes e os números só não são piores porque Embarba e De Tomás provocaram algum impacto a partir de janeiro.

E não foram apenas os técnicos que mudaram aos montes nesta temporada. Nos últimos anos, o Espanyol também teve mudanças constantes entre diretores gerais, diretores esportivos e diretores de comunicação. O planejamento se tornou caótico e o resultado se notou em campo. Segundo o jornal El País, uma das queixas dentro dos vestiários era de que “nunca foi claro qual o objetivo da temporada e, quando se soube, já era tarde demais”. Paralelamente, o futebol feminino só não caiu no Campeonato Espanhol por causa do cancelamento do torneio.

O grande responsável pelo Espanyol é Chen Yansheng, empresário chinês que comprou o clube em 2016, através do Rastar Group. O magnata até possui os seus méritos na gestão: conforme os números do El País, a dívida se reduziu de €172 milhões para €40 milhões, enquanto os investimentos no clube mais que dobraram e ainda assim resultaram em superávit. Os Pericos também deixaram de apenas vender seus principais talentos e gastaram cerca de €120 milhões em contratações no período. Wu Lei foi um grande negócio não apenas pela mídia ao seu redor, tornando os catalães recordistas de audiência na China, mas também porque teve bola para fazer boas partidas no Cornellà-El Prat. Todavia, os erros de Chen acabaram se tornando bem mais penosos.

O presidente do Espanyol é conhecido por seu estilo centralizador, que muitas vezes não permite decisões tão ágeis na alta cúpula do clube. Também se cercou de seus homens de confiança e nem todos possuem a experiência necessária para gerir uma equipe de futebol. Da mesma maneira, muitas escolhas de dirigentes não foram acertadas e isso se transformou em uma cadeia de erros que também impactou nas camadas mais baixas da hierarquia. Some-se a isso algumas certezas que saíram do controle, como a própria queda vertiginosa de produção do time em relação à última temporada, e a lanterna de La Liga possui sua explicação. Desembolsar €200 milhões em quatro anos e deixar as contas no azul não gerou um sucesso automático, quando os equívocos se sucediam.

“A maior responsabilidade é minha. Fracassamos e é muito doloroso. Promoveremos de forma contundente o desenvolvimento do clube. O time voltará à primeira divisão, onde merece estar por sua história”, declarou Chen, após o descenso. Retornar à elite realmente não parece tão difícil assim ao Espanyol, por mais que exista a necessidade de uma reformulação na gestão e que muitos do elenco devam sair. Com a boa situação financeira e a manutenção de algumas peças que podem contribuir mais, dá para voltar de imediato – como, aliás, aconteceu nas outras quatro oportunidades em que os Pericos caíram. Mas a equipe está bem distante da Champions, o objetivo declarado pelos investidores chineses quando desembarcaram na Catalunha, em 2016.

A maior questão ao Espanyol neste recomeço está na própria maneira como Chen e a alta cúpula lidarão com o rebaixamento. A um clube que sofreu com os problemas financeiros nas últimas décadas, ver a situação atual nas contas é um alento. Mesmo assim, nada garante que os investidores continuarão gastando alto quando os resultados não se veem em campo – mesmo que por culpa deles. O descenso cria atritos com a torcida, que chegou a pedir a saída da diretoria com a péssima situação na tabela. A relação corre o risco de se tornar tóxica, tendo em vista os exemplos de Valencia e Málaga – que até colheram seus louros, mas atualmente sofrem muito mais com os desmandos de seus magnatas.

Neste momento, o Espanyol está nas mãos de Chen. E precisa torcer para que o empresário tenha aprendido com os erros, partilhando mais o poder e escolhendo um pessoal mais capacitado à retomada. O acesso instantâneo é fundamental para que os Pericos não fiquem à mercê de qualquer desencanto na segunda divisão. Por mais que a situação geral não seja das piores, o desempenho na tabela de La Liga indicou como isso não evita necessariamente um desastre em campo. O futebol é um esporte que precisa de algo além do dinheiro, do peso da camisa ou dos jogadores renomados. É preciso se empenhar para fazer acontecer, com os objetivos claros em mente. Sem isso, os blanquiazules viram o tamanho da hecatombe.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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