Se João Félix e Atlético de Madrid não se querem mais, por que ele ainda não saiu?
Dinheiro, claro: Félix quer jogar no Barcelona (que não pode contratá-lo), e o Atlético ainda sonha em recuperar parte do alto investimento que fez quatro anos atrás
A janela de transferências do futebol europeu será fechada em uma semana. Foram dois meses de muitas novelas: o trator da Arábia Saudita, o futuro de Kylian Mbappé, a saída de Neymar, a disputa por Moisés Caicedo, entre outras. Como a de João Félix, paulatinamente transformado de grande revelação que todos queriam a um problema para o Atlético de Madrid, que talvez tenha que encarar a temporada, pelo menos a primeira metade dela, com um elefante de quase € 130 milhões na sala.
O elefante em questão é que tudo indica que Félix não faz parte dos planos do técnico Diego Simeone, pelo menos não para o nível de jogador que é e do investimento que exigiu, e Félix com certeza não quer continuar no Atlético de Madrid.
Deveria ser a união da fome com a vontade de comer, se não fosse aquele habitual inconveniente: dinheiro. Pode ser que não haja tempo de superá-lo em apenas uma semana – quer dizer, depois ainda tem a Arábia Saudita, cuja janela fica aberta por mais 20 dias aproximadamente.
Félix não jogou nos amistosos de pré-temporada e foi para o banco em apenas um deles – contra o time das estrelas do Campeonato Sul-Coreano. Foi relacionado para uma das duas primeiras rodadas do Atlético de Madrid em La Liga, sem entrar em campo – e, ainda assim, foi vaiado.
Em janeiro, os colchoneros emprestaram-no para o Chelsea, com a esperança de que, em um novo ambiente, conseguisse recuperar parte do seu valor. Teve momentos interessantes, e a bagunça generalizada de Stamford Bridge atrapalha as avaliações, mas isso não aconteceu.
Agora está de volta ao Civitas Metropolitano, com o desejo declarado de ir embora. Disse em entrevista ao jornalista Fabrizio Romano que seu sonho é jogar pelo Barcelona. Isso não é uma coisa que jogadores que planejam ter vida longa no Atlético de Madrid costumam dizer. O presidente do clube da capital, Enrique Cerezo, confirmou que ele não quer continuar, mas fez uma ponderação bem relevante.
– Está claro que João Félix não quer jogar pelo Atlético de Madrid. Que outros times o queiram, isso é outra coisa, mas, embora (ele) não queira, continua sendo jogador do Atlético de Madrid – disse o dirigente, em entrevista ao programa Jugones da emissora espanhola La Sexta.
Por que ele só não vai para o Barcelona?
De novo, aquele pequeno inconveniente: o Barcelona não tem dinheiro para contratar João Félix. O Atlético de Madrid adoraria vendê-lo para recuperar pelo menos parte dos € 127 milhões que pagou ao Benfica em 2019. Essa não é uma possibilidade realista no momento. Sobra o empréstimo. Os colchoneros querem uma taxa de € 15 milhões para cobrir a amortização anual da transferência de Félix, com contrato até 2027, além de que o seu salário seja pago integralmente. Segundo o The Athletic, a operação inteira sairia na casa dos € 25 milhões.
Não é tanto para a qualidade que Félix já exibiu. Mas o Barcelona ainda está restrito dentro das regras do Fair Play Financeiro de La Liga. Iñigo Martínez, contratado após o fim do seu contrato com o Athletic Bilbao, e Marcos Alonso e Iñaki Peña, com vínculos renovados, não estão disponíveis porque ainda não foram registrados. Os catalães ainda tentam trazer João Cancelo do Manchester City. E de acordo com a reportagem do The Athletic, Xavi Hernández nem tem certeza que Félix se encaixaria em seus planos.
Porque se em um primeiro momento o desenvolvimento de Félix brecou por problemas físicos, agora há preocupações sobre sua atitude e índice de trabalho sem a bola – o que simplesmente não se encaixa no estilo de jogo de Diego Simeone.
Por que João Félix perdeu espaço no Atlético de Madrid?
Félix foi contratado como substituto de Antoine Griezmann. O preço foi muito acima do que deveria ter sido porque o Atlético de Madrid estava com o caixa cheio após a venda do francês para o Barcelona e o Benfica não precisava vendê-lo. Era uma aposta arriscada também porque, apesar de ter demonstrado muito potencial, alguns meses depois eleito o melhor jogador sub-21 do mundo pelo tradicional prêmio Golden Boy do jornal italiano Tuttosport, Félix tinha pouca experiência entre os adultos. E havia dúvidas sobre o encaixe ao estilo de jogo de Simeone.
A lógica é que, como Griezmann, ele poderia ser um centro de criatividade e técnica em um time que se notabilizou pela intensidade e organização defensiva. A lógica não era absurda, mas seria demais colocar um fardo tão grande nas costas de um garoto de 19 anos. Era um projeto para o futuro, e Félix deu lapsos de que conseguiria concretizá-lo. No entanto, os problemas físicos foram um obstáculo sério e interromperam suas melhores sequências.
Os atritos entre as características de Félix e o que Simeone exige de seus jogadores foram crescendo. Ele conseguia apresentações melhores atuando com mais liberdade na seleção portuguesa, por exemplo. Depois da Copa do Mundo, a paciência aparentemente se esgotou. Ficou claro que Félix queria respirar novos ares. O CEO do Atlético, Miguel Ángel Gil Marín, chegou a dizer que “por causa da relação com o técnico, seu tempo de jogo, sua motivação, seria razoável analisar uma opção para ele sair”.
Félix foi emprestado ao Chelsea e, em fevereiro, abriu um pouco o jogo sobre seus problemas no Civitas Metropolitano. Disse que as lesões lhe tiraram confiança, ritmo e nível de jogo, especificamente um problema no pé em dezembro de 2020, em partida contra o Bayern de Munique. Seguiu atuando no sacrifício porque não queria atrapalhar a campanha que terminou com o Atlético de Madri campeão espanhol. Fez questão de dizer que Simeone o transformou em um jogador melhor, mas também acrescentou que “é normal que o treinador tenha mais confiança em uns que em outros” e citou a questão do estilo de jogo como um dos motivos para sair.
– Eu queria mudar de ares faz tempo porque foi difícil me acostumar à forma de jogar. Saí porque estava com a cabeça inchada de tanto tentar e não conseguir. Todos conhecem Simeone, sabem o que ele conquistou. É um treinador muito bom. Tem sua forma de entender e ver o futebol que outros não têm. Isso é bom para uns e mal para outros. Depende de cada um. Mas tem sua virtude e isso o faz um bom treinador – afirmou.
Marcou quatro gols em 20 partidas pelo Chelsea. Novamente, teve lapsos, mas não passou deles. A expectativa de que usasse a vitrine da Premier League para se reerguer não foi cumprida, novamente com a ponderação de que ninguém conseguiu terminar a temporada dos Blues muito valorizado. Retornou ao Atlético de Madrid e deu a entrevista dizendo que sempre sonhou em jogar pelo Barcelona. E aí perdeu até as arquibancadas, que no geral o apoiavam, vaiado na estreia de La Liga no Civitas Metropolitano contra o Granada.
E o que mais pode acontecer?
Griezmann esteve em uma situação parecida quando retornou ao Atlético de Madrid em 2021. A saída para o Barcelona o havia transformado em persona non grata para as arquibancadas. Estava em baixa, precisando recuperar o seu melhor futebol, então simplesmente baixou a cabeça, trabalhou e tentou recuperar o carinho da torcida. Ele aconselha que Félix faça o mesmo.
– Eu passei pela situação dele porque fiz algo que causou danos ao clube. A melhor coisa que eu pude fazer foi ficar quieto, trabalhar duro, o mesmo que qualquer outro jogador, para voltar aos planos do técnico. Não pode ser fácil para ele, espero que se resolva. Isso seria o melhor para o clube, para João, para todos – afirmou.
Realmente seria. Resta saber se é viável. A possibilidade de voltar às graças de Simeone parece cada vez menor. Em entrevista recente, explicou em detalhes – detalhes até demais – porque Félix ainda não jogou pelo Atlético de Madrid nesta temporada. A declaração foi dada antes da segunda rodada, contra o Betis.
– Ele está no elenco. Não participou dos amistosos porque, no começo, estava com uma lesão que o tirou dos primeiros dois. Nos outros entendemos que não estava preparado para jogar, por isso, não esteve entre os relacionados. Para o primeiro jogo de La Liga, teve uma semana de treinamento boa e esteve com a equipe. Sofreu dores e não vai participar com o grupo (do segundo jogo) – afirmou o técnico.
Simeone deixou bem claro que ele terá que remar para ganhar um lugar no time.
– Ele sabe do que precisamos e o que vamos exigir. Tem que competir com (Álvaro) Morata, Memphis, Griezmann e (Ángel) Correa e, se estiver melhor que eles, jogará – completou.
A posição que Félix tem na hierarquia do Atlético de Madrid também ficou clara em reorganizações numéricas. Griezmann reassumiu a camisa 7 que o jovem português usava desde que foi contratado. Ele ficou com a 17, que depois foi transferida para o lateral esquerdo Javi Galán. Duas vezes passado para trás na ordem de escolha, Félix agora usa a 18.
O Al Hilal chegou a explorar uma transferência, mas o Atleti teria recusado a primeira proposta, de empréstimo, porque ainda tentava uma venda em definitivo. Félix também não estava muito interessado. As duas posições podem mudar se uma solução não for encontrada até o fim da janela europeia. Outro interessado pode pintar também ou o próprio Barcelona se conseguir condições melhores ou se o Atleti diminuir a pedida.
Não deveria ser difícil encontrar alguém disposto a bancar os € 25 milhões necessários para arriscar com um enorme talento que talvez tenha apenas caído no lugar errado. A questão é se ainda há tempo (com certeza) e disposição (menos certeza) de recuperá-lo.