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Estudo de caso: a grama sintética influencia no desempenho do Athletico Paranaense?

Estudamos como a grama sintética influencia no desempenho do Athletico Paranaense, que tem o piso no seu estádio desde 2015

Este texto faz parte da coluna Critério de Desempate, uma visão diferente sobre a aplicação dos dados do futebol. Leia outras edições.

A grama sintética ajuda sim o Athletico Paranaense e provavelmente vai ajudar o Palmeiras também. Achei uma boa ideia começar pela conclusão porque colabora com o torcedor que vê toda a imprensa contra o time dele: não precisa ler o resto do texto não, pode ir reclamar que a mídia tá sempre menosprezando seu time. Talvez isso soe como uma ofensa gratuita, mas foi exatamente essa a reação que eu notei no Twitter logo após o Esporte Espetacular soltar uma matéria, no início do ano, sobre a estreia do gramado artificial na Allianz Arena.

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Agora, confesso ao leitor que estranhei demais essa reação. A matéria não falava sobre o Athletico Paranaense especificamente, mas sobre estudos feitos na Inglaterra e na Holanda que apontavam vantagens para o time com campo artificial. Sendo tudo absolutamente dentro das regras, sem ferir qualquer ética do esporte, não seria ideal que o seu time tivesse um elemento que o diferenciasse? Além disso, que oferecesse alguma vantagem?

O torcedor deveria sim se orgulhar de que seu clube conseguiu construir esse fator de vantagem. É claro que há a opinião, baseada na subjetividade – eu, particularmente, sou muito a favor do gramado natural. Mas objetivamente os números dão mérito à diferença.

A primeira coisa a se entender é que a grama sintética não é responsável por transformar um time ruim em um time bom. A segunda a se entender é que a grama sintética, aos olhos dos dados, é uma variável de estudo. É exatamente a mesma ideia da altitude: com base em simulações, é possível criar métricas que nos digam o quanto um resultado real está distante de um resultado esperado.

Os dados

Dito isso, enfim consigo entregar algo que quero construir desde a pré-mencionada matéria do Esporte Espetacular: uma análise sobre a influência da grama sintética no desempenho do único time do país que a utiliza, o Athletico Paranaense. Aqui, estou considerando apenas dados do Campeonato Brasileiro, desde 2000. Importante dizer também que um jogo foi removido: Athletico Paranaense 2×0 Coritiba, pela 31ª rodada do Brasileiro de 2016. Explico por que a seguir.

Foram dois motivos. O primeiro é que, nos quatro anos em que o CAP mandou jogos com grama sintética, essa é a única exceção (poderia ser tratado no conjunto de jogos em grama natural, mas precisaria ter um peso menor, o que daria todo um trabalho adicional culminando em praticamente zero diferença ao fim do estudo). O segundo motivo é que eu detesto perder Atletiba.

Também quero deixar algo muito claro antes dos resultados, e vou reforçar ao fim do texto: a amostra é muito pequena. São apenas 151 jogos do Furacão desde 2016, sendo 75 na Arena da Baixada. Com isso, as margens de erro tendem a ser grandes, porque não há um longo histórico como métrica. É possível (não provável, mas possível) que os próximos campeonatos mostrem outra tendência, justamente por conta dos ajustes de todas as variáveis à esta em estudo.

A hipótese

A análise desse texto é inteiramente baseada no artigo publicado por Barnett e Hilditch (1993) na revista Journal of the Royal Statistical Society com o título The Effect of an Artificial Pitch Surface on Home Team Performance in Football (Soccer). O artigo analisa o campeonato inglês de três divisões, num período em que 4 times jogavam em campos artificiais (notem: o artigo original já tinha poucos dados, e nós temos ainda menos, pois só um time jogou o Brasileiro nessas condições).

Há publicações mais recentes sobre o mesmo tema, mas duas razões me motivaram a seguir esta em específico: a disponibilidade dos dados necessários e o tempo transcorrido do estudo. De 1993 pra cá tudo evoluiu, inclusive a grama sintética. A FIFA tem um protocolo bem detalhado sobre que critérios um gramado artificial deve atender pra poder sediar jogos. Um viés para esta análise, portanto, seria dizer que a vantagem não se aplica como há 30 anos. Mas eu já dei o spoiler e sabem que essa hipótese caiu.

A análise

Vou seguir aqui a mesma estrutura do artigo original, com algumas observações/alterações que eu julgar pertinentes. Primeiro, a definição das variáveis do estudo: gols, pontos e resultados. Pontos e resultados são duas variáveis que tem similaridades grandes (ou correlação alta), o que eu acho um pouco redundante, mas vou apresentar da mesma forma que os autores.

Seguem três tabelas, uma para cada variável. A linha “Sintético” se refere ao período em que o Athletico Paranaense jogou com grama sintética, isto é, todos os jogos do time desde 2016. Os jogos anteriores estão incluídos na linha “Natural” junto com os demais times.

Campo Pontos Mandante Pontos Visitante Total
Natural 13961 7601 21562
Sintético 157 69 226
Total 14118 7670 21788

Tabela 1- Somatório de pontos como mandante e visitante em cada campo

Campo Gols Mandante a favor Gols Mandante contra Gols Visitante a favor Gols Visitante contra
Natural 12551 8305 8294 12582
Sintético 124 51 62 93
Total 12675 8356 8356 12675

Tabela 2 – Somatório de gols a favor e contra como mandante e visitante em cada campo

Campo Vitórias Mandante Empates Mandante Derrotas Mandante Vitórias Visitante Empates Visitante Derrotas Visitante
Natural 3978 2027 1858 1856 2019 3987
Sintético 48 13 14 16 21 39
Total 4026 2040 1872 1872 2040 4026

Tabela 3 – Distribuição dos resultados como mandante e visitante em cada campo

No artigo original, os autores evidenciam aquilo de que “grama sintética não faz time ruim ficar bom” com o argumento de que o resultado independe da qualidade do time. Eles mostram que os resultados dos times com grama sintética variam. Para o nosso caso, o que dá pra mostrar em um único caso é que não há um padrão de bons resultados vinculados à grama sintética.

Pra isso, foram calculadas as proporções entre gols em casa e gols fora pra cada ano. O resultado é comparado à posição final do Furacão a cada ano e apresentado no Gráfico 1. Os pontos em vermelho são os anos de grama sintética. Quanto mais à esquerda o ponto, melhor a campanha; quanto mais alto, maior a diferença de desempenho entre os jogos em casa e fora. Não dá pra perceber nenhuma tendência clara aí, ou seja, a análise independe da qualidade do time. Em termos objetivos, há uma correlação de 0.239, que diz haver uma relação direta entre as variáveis, mas que ela é fraca.

Gráfico 1 – Proporção de pontos versus posição no campeonato

Agora que é que o bicho começa a pegar. Vamos ver em termos proporcionais o quanto pesam os gols e as vitórias do Athletico Paranaense na grama sintética. A estrutura das próximas duas tabelas é similar às anteriores, mas agora com os percentuais. A última linha é um acréscimo meu, pra ajudar a visualizar a diferença (absoluta) entre cada variável. Acompanhem:

Campo Gol Mandante a favor Gols Mandante contra Gols Visitante a favor Gols Visitante contra
Natural 60.15 39.80 39.75 60.30
Sintético 75.15 30.91 37.58 56.36
Diferença 15.00 8.89 2.17 3.94

Tabela 4 – Proporção de gols a favor e contra como mandante e visitante em cada campo

Campo Vitórias Mandante Empates Mandante Derrotas Mandante Vitórias Visitante Empates Visitante Derrotas Visitante
Natural 50.59 25.78 23.63 23.61 25.68 50.71
Sintético 64.00 17.33 18.67 21.05 27.63 51.31
Diferença 13.41 8.45 4.96 2.56 1.95 0.60

Tabela 5 – Proporção de resultados como mandante e visitante em cada campo

Nas duas métricas, o resultado mostra que o Athletico Paranaense desempenha muito próximo à média histórica de todos os outros times em campo natural quando joga como visitante. Mas quando manda os jogos no gramado sintético, o desempenho tem um salto considerável, tanto em relação aos gols quanto em relação aos resultados.

A mesma análise foi feita para os pontos marcados, que eu considero que merece um destaque maior. Vejam na tabela a seguir como o Furacão pontua em relação aos demais times. Como visitante, fica levemente abaixo dos 0.97 pontos de média. Como mandante, o time faz PORNOGRÁFICOS mais de dois pontos por jogo, 0.31 a mais que a média. Faça as contas aí. Não, pera, eu que faço as contas. Isso aí significa 5.89 pontos a mais em média em um campeonato – curiosamente, o resultado é muito próximo do artigo original e de outros que já li, mesmo que sejam campeonatos diferentes.

Campo Média pontos Mandante Média pontos Visitante
Natural 1.78 0.97
Sintético 2.09 0.92

Tabela 6 – Média de pontos como mandante e visitante em cada campo

O próximo resultado é muito interessante, mas eu precisei adaptar um pouco a proposta original. A ideia é tecnicamente difícil de explicar: é a proporção entre as proporções de gols pró e contra em casa e fora. É mais fácil explicar assim: o quão melhor um time é em casa. Vamos comparar os gols em casa e fora de cada time como mandante e visitante, de 2016 a 2019. O resultado é o Gráfico 2.

Gráfico 2 – Quão melhor cada time é em casa (clique na imagem para ampliar)

O time que tem o desempenho mais desparelho é o Figueirense, que é quase cinco vezes melhor em casa do que fora. Mas eu notei uma coisa e evidenciei no gráfico: Os pontos em azul são times que jogaram pelo menos três vezes a Série A nesse período. Os times em verde, portanto, são times que sofrem um pouco mais na Série A, e acabam concentrando seus bons resultados em casa. São eles que aparecem na região do y igual a 3.5 pra cima. Eles e o Athletico Paranaense, em vermelho. Dos participantes frequentes da Série A, ninguém está no mesmo universo do Furacão nesse quesito.

A última coisa que o artigo propõe é eliminar um fator intrínseco: a qualidade do time. Pra isso, considera-se não apenas a comparação do Athletico Paranaense com os outros times, mas também do Athletico Paranaense com ele mesmo, antes da instalação no novo gramado. Com isso tem-se uma métrica de evolução do desempenho do time. Considere “Pré-sintético” como os jogos do Athletico Paranaense entre 2006 e 2015. A análise está na tabela a seguir:

Pontos Gols Pro Gols Contra Vitórias
Natural 1.75 1.52 1.00 7.47
Pré-sintético 1.89 1.53 0.95 9.1
Sintético 2.09 1.65 0.68 12.0

Tabela 7 – Média de pontos, gols e vitórias em cada campo e período

Aqui eu tomei a liberdade de mudar um pouco a abordagem do artigo e acabei encontrando um detalhe que até então não tinha surgido nem como hipótese. Primeiro, não considerei médias de proporções, mas médias de valores absolutos (acho que até facilita a leitura). Segundo, considerei só o desempenho como mandante.

A turbinada no desempenho se confirma. Em termos de pontos, essa vantagem é um pouco atenuada, mas ainda considerável: são 0,2 pontos a mais por jogo, ou 3,8 a mais em uma temporada. Os outros indicadores também melhoram. São mais gols marcados e menos gols sofridos, que conferem uma média de 7,41 gols a mais de saldo em um campeonato. O salto nas vitórias também é expressivo.

Conclusão

São poucos dados, são poucos dados, são poucos dados. É impossível afirmar categoricamente que há uma vantagem, mesmo com todos os indícios apresentados, porque estatisticamente existe a possibilidade de que os incrementos dos últimos 4 anos sejam exceções. É importante que se analise outras variáveis de desempenho: chutes a gol, passes trocados, posse de bola, tempo entre cada chute.

E ainda é preciso fazer a mesma análise dos adversários. Porque o que a gente lê como uma vantagem do Athletico Paranaense pode ser na verdade uma desvantagem do visitante. Pode parecer questão de terminologia, mas pode alterar todo um plano de jogo contra o Furacão na Baixada.

Mas ao menos agora a gente tem uma resposta mais objetiva pra essa questão. A grama sintética é sim uma variável que joga a favor do Athletico Paranaense e que vai jogar a favor do Palmeiras. Mas o que acontece se, por exemplo, outros times aderirem? Se sobrar só um gramado natural na Série A, ele vai ser vantagem ou desvantagem? Pois é, a ciência e o futebol têm uma coisa em comum: conclusão é aquele momento em que a gente começa a mudar de pergunta.

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Foto de Rodrigo Salvador

Rodrigo Salvador

Rodrigo Salvador é matemático industrial e mestre em Engenharia de Produção. Nas horas vagas e algumas outras, entusiasta da análise de dados no futebol
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