Copa do Mundo

Weghorst meteu o louco e tacou fogo numa noite que, se termina com derrota, vira um épico das Copas

É disso que são feitos os grandes personagens de Copas: não precisam ser os melhores, mas sim aqueles que desafiam o impossível

Wout Weghorst passa longe do que se idealiza sobre o futebol da Holanda. O centroavante grandalhão não é o que se imagina sobre o virtuosismo laranja, especialmente em Copas do Mundo, embora não seja apenas um “poste”. Sequer a fase recente o respaldava muito, depois de naufragar num Burnley que acabou rebaixado e se transferir no início da temporada para o Besiktas. Porém, quando menos se imaginava, o atacante ficará marcado por uma das noites mais enlouquecedoras dos holandeses em Mundiais. Terminou em lágrimas, é verdade, mas só foi um jogo tão memorável por causa do substituto. Ele foi tão incendiário quanto genial. Duas finalizações renderam dois gols, renderam uma jogada ensaiada decisiva no último minuto, renderam a sobrevida do time de Louis van Gaal até o último pênalti. Não rendeu a classificação, mas valeu ainda um lugar a Weghorst como um personagem especial numa partida inesquecível de Copa – o que sempre é muita coisa.

A história de Weghorst é a típica do centroavante de sucesso da Eredivisie: a de um jogador que, mesmo em clubes modestos e sem ser um primor, sabe fazer gols. E foi assim desde os seus primórdios. Formado pelas categorias de base do Willem II, o centroavante começou a deslanchar com a camisa do Emmen, na segunda divisão. Não demorou a ganhar uma oportunidade na elite com o Heracles, onde duas temporadas bastaram para um salto, rumo ao AZ. Foi quando realmente se consolidou entre os principais goleadores do país. Seriam 17 tentos pela Eredivisie em 2016/17, antes de guardar mais 18 em 2017/18. Atrairia atenções fora do país, mais especificamente do Wolfsburg.

Os €17,5 milhões pagos pelos Lobos eram justificados. Weghorst tinha ótima estatura, para prevalecer no jogo aéreo e também na proteção das bolas longas, um trabalho que sempre fez muito bem. Mas não que fosse apenas isso. O centroavante se consolidou como um dos melhores finalizadores da Bundesliga, com precisão e força para manter um ótimo aproveitamento. Além disso, sempre deixou transparecer sua inteligência nas movimentações e na maneira como dá opções aos companheiros. Tinha a infiltração como qualidade, assim como a capacidade de criar chances aos demais atacantes. Sempre entregou demais em campo.

Weghorst fez três temporadas em altíssimo nível com o Wolfsburg. Anotou 17 gols em sua primeira participação na Bundesliga, em 2018/19. Na campanha seguinte, guardou mais 16 bolas nas redes. Já o ápice aconteceu em 2020/21, com 20 gols e ainda nove assistências de lambuja. Tantas vezes o desempenho dos Lobos dependeu do trabalho do centroavante, não apenas por se tornar a principal fonte de gols, como também por moldar a maneira da equipe jogar. Merecia uma chance na seleção, mas só consolidou mesmo em 2021, depois de aparições esparsas pela Oranje em 2018 e 2019.

Weghorst emplacou na hora certa para ser chamado para a Eurocopa. Até chorou diante das câmeras ao falar sobre a convocação. Ainda existiria certa polêmica ao redor do centroavante, com razão, porque ele era um dos jogadores que não tinham se vacinado no elenco. Apesar disso, ele teria um papel razoável na competição. Titular na estreia contra a Ucrânia, anotou um dos gols na vitória por 3 a 2. Perdeu a posição, mas ainda era uma alternativa útil por sua presença ofensiva, até a eliminação contra a República Tcheca. E mesmo depois da conturbada saída de Frank de Boer, o grandalhão não deixou as convocações. Permaneceu como uma opção a Louis van Gaal, tanto nas Eliminatórias quanto na Liga das Nações, por mais que servisse mais como uma opção de segundo tempo.

A história de Weghorst no Wolfsburg terminou em janeiro de 2022, quando o Burnley se via desesperado para escapar do rebaixamento e contratou o centroavante. Parecia um bom negócio. Terminou como um desastre. O holandês marcou apenas dois gols em 20 aparições na Premier League, distante de resolver os problemas da equipe. Seria mais lembrado pelos tentos perdidos e pelas dificuldades de relacionamento. A queda para a Championship parecia colocar em xeque suas chances na seleção. Desta maneira, uma transferência seria bem-vinda na última janela de transferências. Foi o que aconteceu, ao assinar com o Besiktas. É um início razoável no Campeonato Turco, com seis gols e quatro assistências, embora a campanha do time em si não agrade.

Louis van Gaal, de qualquer forma, não abriria mão da presença de Weghorst no banco de reservas da Holanda. Poderia ser um trunfo. E estreou no Mundial aos 30 anos. Ao longo da fase de grupos, o centroavante saiu do banco nas partidas contra Equador e Catar. Não causaria muito impacto, sem quiser finalizar. Também entrou nos acréscimos diante dos Estados Unidos, quando mal pegou na bola. Até que, de fato, se tornasse necessário diante da Argentina. Teria mais tempo do que antes, ao ingressar aos 33 minutos do segundo tempo. Vinha no lugar de Memphis Depay. Deveria dar mais presença de área ao lado de Luuk de Jong, num duelo em que os argentinos venciam por dois gols de vantagem. Foi o que cumpriu, de maneira magnífica.

Weghorst sempre teve sua altura como um trunfo. E isso se notou contra uma defesa da Argentina que não é das mais altas, para reavivar a Holanda aos 38 do segundo tempo. O cruzamento de Steven Berghuis chegou na medida para o especialista. Não era uma cabeçada fácil de executar, mas se tornou fatal. O movimento perfeito para o desvio, o quique que escapou do goleiro e a corrida para o abraço. Mas a quem se destacava também pela inteligência, não só pelo porte físico, o lance vital estava por surgir.

Não era uma jogada nova para Weghorst. Nos tempos de Wolfsburg ele já tinha feito a mesma coisa, numa partida contra o Arminia Bielefeld. Ficou no centro de uma barreira falsa, em teoria para atrapalhar a visão do goleiro. Recebeu o passe de Maximilian Arnold, girou o corpo e definiu sem dificuldades, com a precisão que lhe é característica. Mas, se não era muita gente que havia visto o lampejo numa rodada qualquer de Bundesliga, dava para fazer em plena Copa do Mundo, no último minuto dos acréscimos de um mata-mata que a Holanda perdia. Foi genial: quando Teun Koopmeiners tinha tudo para bater no gol, em ótima posição, preferiu tocar para Weghorst no centro da barreira falsa. Recebeu, girou o corpo e, mesmo com a marcação apertada, definiu. Os argentinos estavam atônitos e sequer entenderam aquilo. A Oranje ressuscitava rumo à prorrogação.

Weghorst não finalizou na prorrogação. Terminou o jogo com somente 14 participações, cinco passes certos, dois arremates – os dois dos gols. E ainda assim seria importante no segundo tempo extra que agonizava, diante de uma Argentina que pressionava e se recusava a ir para os pênaltis. Um tiro de Enzo Fernández seria bloqueado salvadoramente pelo centroavante, em bola que ainda saiu com perigo por cima do travessão. A definição acabaria na marca da cal. Mas o super substituto já tinha feito muito ao garantir a sobrevida dos holandeses até tão longe, quando pareciam mortos.

Virgil van Dijk e Steven Berghuis foram os primeiros a bater. Perderam. Koopmeiners fez, antes de Weghorst caminhar para a marca da cal. Se desperdiçasse, estava tudo acabado. O centroavante não se intimidou com Emiliano Martínez e, não só isso, ainda arrumou sua dose de confusão. Tentar desestabilizar os adversários era o que restava e Enzo Fernández até perdeu na sequência. De qualquer maneira, as probabilidades de uma virada eram pequenas e a vitória albiceleste se confirmou. Todo o suor valeu as páginas dos livros, mas não a vitória para o centroavante holandês.

Weghorst era um dos mais abalados pela eliminação. E nem tinha por que esconder as lágrimas, pela forma como segurou as esperanças da Holanda na unha. Aconteça o que acontecer, fica no folclore das Copas como o jogador que tacou fogo no que se tornou um épico. Os holandeses serão gratos pela forma como o centroavante ressuscitou o time, mas ele também não será esquecido pela Argentina, como o cara que deixou por um triz o devaneio messiânico da albiceleste – que segue em frente, ao menos por enquanto. É disso que são feitos os grandes personagens de Copas: não precisam ser os melhores, mas sim aqueles que desafiam o impossível. E isso o atacante fez, para se colocar numa seleta lista de nomes laranjas em Mundiais – por ser protagonista numa grande história, mesmo sem o final feliz, o que é tão comum ao país.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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