Uma das cenas mais potentes de Marrocos é a alegria de meninos palestinos comemorando a classificação num campo de refugiados
A seleção de Marrocos se torna também uma embaixadora do Pan-Africanismo e do Pan-Arabismo, com uma festa que se espalha não só pela diáspora marroquina ao redor do mundo

A chamada “Causa Palestina” é um tema recorrente no futebol marroquino muito além da Copa do Mundo. Pode reparar no símbolo dos Winners, os ultras do Wydad Casablanca, um dos principais grupos de torcida do país: está representada a imagem de um fedayin palestino, guerrilheiro nacionalista em prol da libertação do território árabe – visto como um sinal de resistência para os torcedores alvirrubros, mas, em contrapartida, considerados terroristas pelos israelenses. E as recorrentes comemorações dos Leões do Atlas por suas vitórias no Mundial são marcadas pela bandeira Palestina não só nas arquibancadas, mas também em campo, carregada por alguns jogadores. Não surpreende então que crianças palestinas estivessem entre os mais empolgados com a classificação de Marrocos rumo às semifinais.
As imagens abaixo foram registradas no campo de refugiados de Aida, na Palestina, localizado nas proximidades da cidade de Belém. São dezenas de crianças que gritam e correm com bandeirinhas de Marrocos pelas vielas da vizinhança. Uma imagem bastante forte e que representa a identificação. Vale ressaltar que Israel tem a terceira maior comunidade marroquina fora do país, abaixo apenas de França e Espanha. São cerca de 800 mil pessoas com a nacionalidade de Marrocos, imigrantes ou descendentes, que vivem na região. O maior contingente se localiza Ashdod, com cerca de 60 mil marroquinos – mais do que em Roterdã e Madri, por exemplo.
Sobre o tema, fica ainda a sugestão de leitura do texto (em inglês) assinado por Mina Ibrahim, no site The Athletic. O artigo ressalta como a campanha de Marrocos possui uma grande representatividade para o Pan-Africanismo e para o Islamismo. Com tantos islâmicos vivendo como minorias em cidades espalhadas pelo mundo, em comunidades que agrupam diversas nacionalidades, os marroquinos da Copa transmitem a convivência e o senso de unidade que se compartilha por esses imigrantes. Muita gente que torce para os Leões do Atlas não é marroquina, mas cresceu com tantos amigos que eram ou com costumes parecidos. Além do mais, o texto reforça como os jogadores expressam princípios importantes ao Islã, como o agradecimento presente a Deus em comemorações e o respeito aos pais.
“Sempre que o time marroquino comemorou suas vitórias com a torcida, isso sempre começou com o carinho para com suas mães. Ver Sofiane Boufal abraçar sua mãe após vencer Portugal, ou Achraf Hakimi mencionar as dificuldades que seus pais enfrentaram para torná-lo jogador, é algo que ressoa em mim e em muitas pessoas. Isso mostra que esses jogadores são humanos e, antes de serem futebolistas fazendo história, são os filhos de alguém”, escreve Mina Ibrahim. “Não consigo descrever as emoções que sinto quando vejo os jogadores no maior palco de suas carreiras pedindo graças, atribuindo seu sucesso e agradecendo a Deus num cenário global, mostrando que são humanos – assim como eu e todos os outros muçulmanos”.
Essa seleção de Marrocos também se torna embaixadora de uma imagem positiva do islamismo ao redor do mundo – tal qual outros personagens do futebol, a exemplo de Mohamed Salah, cujo impacto diminuiu a islamofobia em Liverpool. A história dos Leões do Atlas, ainda assim, tem mais força por ocorrer numa Copa do Mundo, num país árabe, e também pela dispersão de uma diáspora que possui penetração em muitos países do mundo ocidental. E há uma identificação não só com o sucesso dos marroquinos, mas também com a alegria genuína dos meninos palestinos que se permitem sonhar num campo de refugiados.