Copa do Mundo

Outro pênalti perdido fez Gana desabar, mas a vingança seria puxar o Uruguai junto para o buraco e provocar também um trauma celeste

André Ayew perdeu um pênalti e Arrascaeta comandou a vitória do Uruguai, que ainda assim não bastou por causa da virada da Coreia do Sul no jogo paralelo; no número de gols marcados, a Celeste é eliminada da Copa junto com os Estrelas Negras

Uruguai x Gana, Copa do Mundo. É marcado um pênalti que pode definir o destino de ambas as equipes. E os Estrelas Negras perdem. Desabam mentalmente depois disso.

Por esses detalhes, a história se aplica tanto a 2010 quanto a 2022. E se as memórias de 12 anos atrás pareciam tão vivas, elas acabaram revisitadas surrealmente no Catar. Não seriam circunstâncias tão dramáticas de início. Os 15 minutos do primeiro tempo não deixavam o Uruguai por um fio, assim como não asseguravam a vitória a Gana. Entretanto, o erro de André Ayew na marca da cal destruiu a concentração dos ganeses. Sergio Rochet defendeu o chute fraco, exatamente do único remanescente do Mundial da África do Sul do outro lado, e fez a Celeste vencer ali. O que, por uma artimanha do destino, não seria suficiente. Os ganeses não se classificaram. A vingança esteve em puxar os uruguaios para o buraco e provocar outro tipo de trauma nos adversários.

Seria uma partida também com níveis elevados de drama, afinal, mas com contornos completamente diferentes. O Uruguai tomou as rédeas no primeiro tempo e abriu 2 a 0 no placar, com grande participação de Arrascaeta. Naquele momento, era suficiente para a classificação, com o tropeço da Coreia do Sul na partida paralela. Porém, o cenário mudou na etapa final. Não por Gana, que deu calor, mas não conseguiu descontar. E sim pelos sul-coreanos, que, aos 40 minutos do duelo uruguaio, viraram sobre Portugal. A Celeste passava a necessitar de um gol a mais de saldo para se salvar. Partiu com tudo para o ataque, num jogo que se transformou no mais puro ranger de dentes. Não passou dos 2 a 0, insuficientes. O Uruguai cai com quatro pontos, ao lado de Gana, com três. Ao lado de Portugal, a Coreia do Sul passa graças ao número de gols marcados pelos asiáticos, dois a mais que os sul-americanos.

Outro pênalti foi o que realmente decidiu: aquele mal marcado para os lusitanos, na rodada anterior. Teve um preço altíssimo aos uruguaios. Custou a eliminação.

Escalações

O Uruguai modificou o esquema tático em relação à derrota para Portugal. Diego Alonso tirou um dos três zagueiros, Diego Godín, com a dupla formada por Sebastián Coates e José María Giménez. Matías Vecino também saiu do meio. Giorgian de Arrascaeta e Facundo Pellistri entraram pelos lados, enquanto Rodrigo Bentancur e Federico Valverde fechavam a faixa central. Já no ataque, Luis Suárez reencontrava os velhos oponentes, ao lado de Darwin Núñez, com Edinson Cavani poupado no banco.

Já a seleção de Gana trocou apenas seus laterais. Alidu Seidu e Abdul Baba Rahman foram os escolhidos por Otto Addo, nos lugares de Tariq Lamptey e Gideon Mensah. Do meio para frente, a formação se repetia em relação à vitória sobre a Coreia do Sul. Thomas Partey tinha a companhia de Salis Abdul Samed na cabeça de área. Uma trinca de meias era formada por Iñaki Williams, André Ayew e Jordan Ayew. Mais à frente, Mohamed Kudus servia de referência, invertido com Iñaki desta vez.

Primeiro tempo: Outro pênalti perdido desmonta Gana

O início da partida seria tenso, sem surpreender muito. O duelo se travava no meio-campo, sem que nenhuma das equipes prevalecesse na posse de bola. O Uruguai tentava acelerar um pouco mais e contava com as investidas de Pellistri pela direita, que não tinham continuidade. Darwin Núñez também arriscava suas escapadas pelo meio, mas se enroscava com a bola e terminava travado pela marcação. Já Gana ia bem nos combates defensivos, mas com dificuldades de acertar passes mais agudos no campo ofensivo.

A primeira finalização aconteceu apenas aos 15 minutos. Despretensiosa, mas fundamental aos rumos da partida. Jordan Ayew chutou rasteiro e Sergio Rochet bateu roupa. De início, a arbitragem marcou impedimento de André Ayew, que saiu do caminho do arremate, enquanto Kudus tentou aproveitar o rebote e o goleiro o derrubou. Entretanto, não existia a posição irregular e, na revisão do lance, foi anotado o penal. Coube a André Ayew, único remanescente do time de 2010, bater. A história se revivia 12 anos depois. E, aparentemente sentindo o peso da responsabilidade, o veterano perdeu. Mandou uma bola fraca e rasteira, que facilitou a defesa de Rochet. Sequer foi a pancada no travessão de Asamoah Gyan na África do Sul.

Gana baqueou com o erro e se desconcentrou. Quase pagou caro na sequência da partida, aos 23, numa roubada de bola de Darwin na frente da área. O centroavante recebeu de volta a enfiada de Arrascaeta e saiu sozinho diante do goleiro Lawrence Ati Zigi, dando um leve toque por cobertura, mas Mohamed Salisu apareceu para tirar a bola do caminho do gol. E o primeiro tento charrua logo aconteceu aos 26, numa recuperação no meio-campo. Darwin acelerou pela direita e cruzou. Dois defensores ganeses furaram o corte, com a bola limpa para Suárez. O atacante ajeitou e bateu rasteiro, com a defesa parcial de Zigi. Quase em cima da linha, Arrascaeta foi oportunista para completar.

Gana parecia ter perdido o mental naquele momento. Não demonstrava a qualidade nas tramas de outros jogos e sofria com a agressividade do Uruguai na marcação. A Celeste sentiu o cheiro da oportunidade e se adiantou em campo. Ampliou aos 32, numa linda jogada coletiva. Após o passe entre linhas de Valverde, Pellistri levantou a bola para Darwin, que ajeitou de cabeça. Suárez recebeu na entrada da área e deu um tapa por elevação. Encontrou sozinho Arrascaeta, num plástico sem-pulo de primeira, que passou por baixo do goleiro Zigi. A vitória ficava nas mãos. O único problema para os charruas seria mesmo a lesão de Bentancur, substituído por Vecino aos 34.

A partida voltou a cair de ritmo na reta final do primeiro tempo. As duas equipes trocavam faltas no meio-campo, com entradas mais duras. Arrascaeta chegou a correr risco de expulsão por um pisão, mas o VAR não avaliou. E se num lance Suárez apanhou, sua resposta viria na bola. Iñaki Williams foi quem sofreu: tomou uma caneta humilhante na linha de fundo, mesmo que a sequência da jogada não tenha dado em nada. Era um tipo de partida que apetecia ao Pistoleiro. Se o físico se perde e isso prejudica sua enorme técnica, o centroavante continua fortíssimo nos jogos mentais. E, como os jornalistas ganeses falaram na coletiva, ele aceitou o papel de ser o “próprio diabo”.

Segundo tempo: O drama que também tomou o Uruguai

Gana voltou com duas alterações para o segundo tempo. Saíram os irmãos Ayew, substituídos por Osman Bukari e Kamaldeen Sulemana, dois garotos. E os Estrelas Negras, mais importante, exibiram outra postura de início. Vieram para cima e teriam logo uma boa chegada no primeiro minuto, em batida cruzada de Bukari que Kudus ficou a centímetros de completar para as redes. Entretanto, logo o Uruguai esfriou o ímpeto inicial e voltou a circular a bola. O relógio era favorável à Celeste, por mais que a classificação ficasse em risco caso a Coreia do Sul virasse contra Portugal. Era importante ter essa informação em mente.

A tensão voltava a retomar a partida, disputada nas trincheiras. Era um jogo de muito contato e, mais seguro pelo resultado, o Uruguai levava a melhor do ponto de vista defensivo. Ainda houve certa tensão sobre um possível pênalti marcado sobre Darwin Núñez, mas a arbitragem negou após a revisão. Gana assustava um pouco mais pela falta de confiança transmitida por Rochet. Aos 19, o goleiro saiu caçando borboletas num cruzamento que quase Bukari completou na linha de fundo. Quando a Celeste finalmente voltou a chutar, numa linha de passes de primeira, Pellistri tirou tinta da trave. Era um segundo tempo fraco tecnicamente.

Aos 20 minutos, Diego Alonso sacou Luis Suárez. O Pistoleiro havia cumprido a sua missão, em sua melhor apresentação na Copa, e saiu ovacionado pela torcida. Edinson Cavani entrou em seu lugar, assim como Nicolás de la Cruz suplantou Pellistri. Gana seguia sua luta, mas falhava demais no terço final, inclusive nas bolas paradas. O Uruguai fazia mais com menos. Aos 25, Valverde pegou uma linda bola de primeira e dificultou para Zigi. Quando os Estrelas Negras bateram de fora, foi com Kudus, claro. Fez a rapa na intermediária e disparou de direita, mas a bola subiu demais e saiu pela linha de fundo. Logo viriam duas necessárias mudanças, com Daniel-Kofi Kyereh e Antoine Semenyo, nas vagas de Salis Abdul Samed e Iñaki Williams. O atacante do Athletic Bilbao, aliás, decepcionou nesta fase de grupos.

O duelo, de qualquer forma, ainda não estava resolvido. Gana ia para o abafa e via os espaços na defesa do Uruguai se tornarem gradativamente maiores. A Celeste não tinha escape e Valverde chegaria a tentar um chute do meio do campo, que passou perto do travessão do adiantado Zigi. Porém, os maiores riscos eram representados mesmo pelos ganeses. Bukari e Sulemana davam calor pelas pontas. E os Estrelas Negras tinham motivos para acreditar no gol. Primeiro com Semenyo, numa bola que a zaga charrua não cortou e rendeu um tiro rasteiro que saiu muito perto da meta. Logo depois, seria a vez de Kudus abrir para o arremate de fora da área e arriscar. Obrigou um milagre de Rochet, se esticando todo para desviar com a ponta dos dedos, antes que a bola beliscasse a trave.

O Uruguai gastou suas duas últimas alterações para mandar a campo peças ofensivas, com Maxi Gómez e Agustín Canobbio oferecendo mais combatividade nas vagas de Darwin e Arrascaeta. E nesse momento, com 40 minutos, chegava informação de que a Coreia do Sul virou seu jogo. Por causa do saldo, a Celeste precisava urgentemente de um gol para se classificar. Luis Suárez estava visivelmente aflito no banco de reservas. Aos 44, Cavani recebeu um cruzamento sozinho na área. Executou uma cabeçada difícil, mas o goleiro Zigi operou um milagre. O centroavante também estava impedido. O drama uruguaio estava traçado.

A arbitragem deu oito minutos de acréscimos. Uma eternidade para a Coreia do Sul aguardar, pouco tempo para o Uruguai fazer o terceiro. Cavani pediu um pênalti, sem muito remédio. A partida virava uma trocação, ataque contra ataque. Giménez se jogou heroicamente diante da bola para travar um chute de Kudus dentro da área e o contragolpe uruguaio ficou aberto. Maxi Gómez soltou um míssil de longe e Zigi buscou no cantinho. Depois, seria a vez de Sulemana soltar a paulada e Rochet manter as chances vivas. Coates virava centroavante e, ao receber o passe de Cavani, bateu mascado para fora. Era angustiante só de assistir.

Neste momento, Gana parecia mais disposta a derrubar o Uruguai, com a virada se tornando impossível, e Otto Addo até gastou tempo com uma alteração. A Celeste ia ficando sem ar, até ganhar uma falta frontal na intermediária para o ultimíssimo lance. De la Cruz bateu. Mal. Bola fraca nas mãos de Zigi. A vingança ganesa vinha por linhas tortas. Luis Suárez, o velho diabo, sofria às lágrimas no banco de reservas. Sem mais pênalti perdido para se regozijar.

Ficha técnica

Uruguai 2×0 Gana

Local: Estádio Al Janoub, em Al Wakrah (Catar)
Árbitro: Daniel Siebert (Alemanha)
Gols: Giorgian de Arrascaeta, aos 26'/1T e aos 32'/1T
Cartões amarelos: Darwin Núñez, Luis Suárez, Kamaldeen Sulemana, Sebastián Coates
Cartões vermelhos: nenhum

Uruguai: Sergio Rochet, Guillermo Varela, José María Giménez, Sebastián Coates, Mathías Oliveira; Facundo Pellistri (Nicolás de la Cruz), Federico Valverde, Rodrigo Bentancur (Matías Vecino), Giorgian de Arrascaeta (Agustín Canobbio); Darwin Núñez (Maxi Gómez), Luis Suárez (Edinson Cavani). Técnico: Diego Alonso.

Gana: Lawrence Ati Zigi, Alidu Seidu, Daniel Amartey, Mohamed Salisu, Abdul Baba Rahman; Thomas Partey, Salis Abdul Samed (Antoine Semenyo); Iñaki Williams (Daniel-Kofi Kyereh), André Ayew (Osman Bukari), Jordan Ayew (Kamaldeen Sulemana); Mohamed Kudus (Abdul Fatawu Issahaku). Técnico: Otto Addo.

https://www.youtube.com/watch?v=UtgV5TJ6mZY

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
Botão Voltar ao topo