[Os 50 anos da Copa de 70] Sob a tutela de Didi, a seleção peruana estreia com uma virada histórica
No terceiro texto de nosso diário sobre a Copa do Mundo de 1970, o segundo dia com jogos. O destaque ficou por conta da fabulosa virada conquistada pelo Peru, que logo o aproximava da classificação. Inglaterra e Uruguai confirmavam o favoritismo. Já o Brasil se preparava à estreia contra a Tchecoslováquia no dia seguinte.
[foo_related_posts]Grupo II: Uruguai 2×0 Israel
A seleção uruguaia podia não ser a mais vistosa, mas carregava amplo favoritismo contra Israel e garantiu a vitória por 2 a 0 em sua estreia. Porém, a Celeste também encontrou problemas em Toluca. Logo aos dez minutos, o craque da equipe se contundiu: Pedro Rocha vinha com problemas físicos desde a preparação e precisou sair de maca ao sentir uma lesão muscular, substituído por Julio César Cortés. Os israelenses também assustaram nesse início, obrigando a primeira boa defesa do elogiado goleiro Ladislao Mazurkiewicz.
O domínio do Uruguai passou a ser exercido a partir dos 15 minutos. Luis Cubilla forçou o goleiro Itzhak Vissoker a trabalhar, até o primeiro gol sair aos 23. Após o cruzamento de Juan Mujica pela esquerda, Ildo Maneiro apareceu no segundo pau e completou de cabeça. O camisa 10 ainda poderia ter feito o segundo antes do intervalo, mas falhou.
Mesmo sem um grande número de chances, a Celeste apresentava uma maior organização e definiria a partida no início do segundo tempo, aos cinco minutos. Após um chute de Víctor Espárrago que Vissoker rebateu, Mujica pegou a sobra e bateu cruzado, no canto. A pressão uruguaia se manteve até os 20 minutos, antes que a equipe administrasse o resultado. Ainda assim, Israel não teve forças para reagir e sentiu o cansaço no final. Os charruas ficaram até mais perto do terceiro, especialmente em lance no qual Cubilla carimbou o travessão.
Grupo III: Inglaterra 1×0 Romênia
A Inglaterra justificou sua badalação ao garantir um triunfo seguro contra a Romênia, apesar das dificuldades impostas pelos adversários no Estádio Jalisco. O primeiro tempo guardou uma partida mais estudada, sem tanta intensidade, apesar do início mais animado dos romenos. Os ingleses trabalhavam com calma e se colocaram no campo de ataque com o passar dos minutos, mas não conseguiam romper a forte defesa adversária. A principal chance da etapa inicial nasceu apenas a partir de um erro dos azarões, para Francis Lee carimbar o travessão. Na volta do intervalo, os Three Lions aumentaram sua carga ofensiva.
Explorando o ataque sobretudo pelas pontas, a Inglaterra alcançou a vitória aos 20. Alan Ball bateu com categoria na bola e Francis Lee desviou de cabeça no meio da área. A chance caiu nos pés de Geoff Hurst pela esquerda e o artilheiro não perdoou. Após um corte limpo na marcação, chutou rasteiro, tirando do alcance do goleiro Stere Adamache. O controle seguiu na mão dos Three Lions depois disso e a torcida em Guadalajara vaiava a equipe, demonstrando sua preferência ao gritar “Brasil”. A Romênia, por sua vez, pouco faria para empatar. Na principal chegada, a bola ficou viva após Gordon Banks soltar, sem que ninguém aproveitasse.
Bobby Charlton teve atuação elogiada, sobretudo pela maneira como organizou a Inglaterra no meio-campo. Terry Cooper brilhou na lateral esquerda, muito ativo no apoio. Já na linha de frente, o destaque ficou com Francis Lee. O atacante do Manchester City apresentou sua qualidade, voltando para trabalhar com os meias e também caindo pelas pontas, para abrir a defesa romena. Teria participação decisiva, afinal. Já do lado derrotado, o artilheiro Florea Dumitrache foi bastante acionado, mas caiu de rendimento com o decorrer dos minutos. Cornel Dinu comandou a defesa, enquanto o capitão Mircea Lucescu incomodou com sua movimentação do meio para o ataque.
Grupo IV: Peru 3×2 Bulgária
A grande atuação do dia, sem muitas dúvidas, ficou por conta do Peru. A Bulgária parecia pronta a conseguir sua primeira vitória em Copas, ao abrir uma diferença de dois gols no início do segundo tempo. Entretanto, a equipe de Didi reagiu e, em 20 minutos, conseguiu buscar uma sensacional virada por 3 a 2. Considerando que Marrocos dificilmente fugiria da lanterna na chave, o resultado era excepcional aos Incas e acabaria sendo um passo importantíssimo na classificação às quartas de final.
O Peru começou bem na partida, mas tomou um baque logo aos 13 minutos, quando a Bulgária abriu o placar. Em cobrança de falta muito bem ensaiada, Hristo Bonev recebeu na entrada da área e deu um leve desvio a Dinko Dermendzhiev, que passava em velocidade por trás da barreira. Sozinho dentro da área, o camisa 11 só tirou do alcance do goleiro Luis Rubiños. Os búlgaros até ameaçaram de novo com Dermendzhiev, mas os peruanos também poderiam ter diminuído o prejuízo no primeiro tempo. Foram ao ataque, mas, entre a falta de pontaria e o preciosismo nas trocas de passes, desperdiçaram as oportunidades.
O segundo tempo voltou com mais um banho de água fria na Blanquirroja. A Bulgária ampliou aos quatro minutos, a partir de mais uma cobrança de falta. Bonev bateu direto e contou com a colaboração do goleiro Rubiños, que deixou a bola passar no meio de suas mãos, num frangaço. Por sorte, o Peru responderia de imediato e iniciaria sua reviravolta. Um minuto depois, Alberto Gallardo recebeu na ponta esquerda. O camisa 11 gingou para cima do marcador e soltou um petardo, que bateu na trave antes de entrar, sem chances ao goleiro Simeon Simeonov. Os Incas renasceriam naquele instante, orquestrados por Ramón Mifflin no meio.
A Bulgária preferiu recuar e sentiu o cansaço. Terminou engolida pelo futebol ofensivo e vigoroso da equipe de Didi, que também mexeu bem ao colocar Hugo Sotil para ajudar o ataque. Aos dez minutos, o placar já estava empatado: em cobrança de falta muito próxima da risca da grande área, Héctor Chumpitaz até escorregou na batida, mas acertou o cantinho de Simeonov. O Peru continuou arriscando e anotaria o terceiro gol, da virada, aos 28. Teófilo Cubillas tinha participado do primeiro tento e, merecidamente, fez o seu. Após tabelar pelo meio da marcação búlgara, o craque tirou dois adversários de sua frente com uma finta para o lado. Ficou com o ângulo aberto e mandou o chute feroz no canto. Até caberia o quarto, não fosse um tento anulado de Sotil.
A alegria de Didi, ao jornal O Globo
“Foi realmente um triunfo bonito. Confesso que, com 2 a 0 no placar, cheguei a descrer na vitória. Mas com o gol de Gallardo, um minuto depois da infelicidade de Rubiños, não deu para o quadro desanimar. Pelo contrário, aquilo o levou ao ataque com entusiasmo. Comecei a acreditar que podíamos ganhar quando senti que os búlgaros perdiam o controle do meio-campo. E por isso lancei Sotil, que é um jogador de extrema habilidade, permitindo assim que o ataque recebesse mais bolas e invadisse mais. Foi uma troca feliz. Mas o que merece ser destacado, isso sim, é o espírito notável dos jogadores peruanos, que souberam virar um placar adverso numa vitória maravilhosa, sem apelar jamais para a violência e sabendo jogar com a bola no chão”.
O Brasil, com novidade na estreia
Zagallo tinha a Seleção definida para enfrentar a Tchecoslováquia, na sequência do Grupo III. O Brasil confirmava Gérson pelo meio-campo, recuperado de distensão muscular sofrida durante a preparação. O entrave viria na lateral esquerda, onde o titular Marco Antônio se machucou às vésperas e daria a lugar a Everaldo. Embora o jogador do Fluminense se dissesse apto, acabou barrado pelo departamento médico. E o gremista ganharia seu lugar no time em definitivo, não só por dar mais consistência defensiva pela esquerda, como também por soltar Rivellino na ponta.
Ao Jornal dos Sports, Zagallo declarava: “Trata-se de uma Copa do Mundo onde nada se pode arriscar, mas também, e principalmente, porque ainda não sei tudo da defesa. Por isso, uma coisa é garantida: o Brasil jogará com bastante cuidado na defesa, embora não signifique que vamos armar uma retranca. Um time pode ter um esquema defensivo rígido sem estar armado na retranca. Este time é o Brasil para a Copa do Mundo”.
Everaldo, por sua vez, comentou ao Jornal do Brasil: “Marco Antônio fazia quase o papel de ponta esquerda do time, porque está acostumado a jogar assim no Fluminense. No Grêmio, porém, eu não vou muito à frente. Sei que poderia fazer este tipo de jogo também, com um pouco de sacrifício. Entretanto, estou sem jogar há muito tempo e tenho certo receio de que os tchecos se aproveitem dos meus avanços para jogar nas minhas costas. Isso não quer dizer que eu não vá avançar nunca durante a partida. Se tiver chance de ir à frente, irei, mas sempre com a bola dominada e nunca a esmo”.
Zizinho, em sua coluna no Jornal dos Sports
“Tenho acompanhado os treinamentos e comparecido à concentração. Posso afirmar, com a experiência dos anos vividos no futebol, que se o Brasil não ganhar hoje não será por falta de vontade dos jogadores. Eles têm trabalhado duramente e com uma noção de responsabilidade que há muito tempo não via no jogador brasileiro. Estive conversando com Pelé, Gérson, Brito. Eles me falaram sobre uma entrevista em que o técnico tchecoslovaco afirma que ganhará do Brasil, porque o Brasil joga muito lento. Todos os jogadores se sentiram feridos em seu amor próprio e pretendem mostrar a Josef Marko que também saber jogar em ritmo acelerado. E vão deixar em campo a última gota de suor, pela vitória”.