Num movimento mais que esperado, a seleção portuguesa anuncia a saída de Fernando Santos após oito anos
Fernando Santos tem um peso histórico para Portugal, mas acumulava o desgaste de anos, por um time que rendia menos que o talento à disposição

A Federação Portuguesa de Futebol anunciou que Fernando Santos não é mais o técnico da seleção. A demissão do treinador era esperada nos últimos dias, depois de uma campanha na qual Portugal teve um desempenho abaixo das expectativas na Copa do Mundo, com desgastes acumulados ao longo dos últimos anos. Por fim, a confirmação acontece nesta quinta-feira. Foram 109 partidas dirigidas por Fernando Santos, ao longo de oito anos no cargo. A conquista da Euro 2016 garantiu o ápice da Seleção das Quinas em sua história, complementada ainda pela Liga das Nações em 2019. Entretanto, o trabalho andava estagnado e a decisão é mais do que compreensível.
“A Federação Portuguesa de Futebol e Fernando Santos concordaram em dar por terminado o percurso de grande sucesso iniciado em setembro de 2014. Após uma das melhores participações de sempre da Seleção Nacional em fases finais do Campeonato do Mundo, no Catar, FPF e Fernando Santos entendem que este é o momento certo para iniciar um novo ciclo”, escreveu a FPF.
“Com Fernando Santos à frente da Seleção Nacional, o nosso País venceu pela primeira vez duas competições internacionais: o inesquecível Euro 2016, em França, e a Liga das Nações, em 2019. Além dos títulos conquistados, Fernando Santos tornou-se o selecionador com mais jogos e mais vitórias. Foi uma honra ter podido contar com um treinador e uma pessoa como Fernando Santos na liderança da Seleção Nacional. A FPF agradece a Fernando Santos e à sua equipa técnica os serviços prestados ao longo de oito anos ímpares e acredita que este agradecimento é feito também em nome dos portugueses”, complementou a nota.
Jogador de carreira modesta nos anos 1980, Fernando Santos consolidou seu nome como técnico entre os maiores clubes do país. O comandante foi campeão nacional à frente do Porto em 1998/99, bem como dirigiu em períodos mais curtos o Sporting e também o Benfica. Além disso, a Grécia foi muito importante em sua trajetória. Após treinar AEK Atenas e Panathinaikos, Santos permaneceu três anos à frente do PAOK e se projetou à seleção grega. Assumiu após a Copa de 2010, com um desempenho digno na Euro 2012 e a vaga inédita nos mata-matas de um Mundial em 2014.
O destaque com a seleção da Grécia permitiu que Fernando Santos ganhasse uma chance à frente de Portugal, após o fraco trabalho de Paulo Bento na Copa de 2014. E não se nega que o time conseguiu um salto graças ao comandante. Com um estilo de jogo mais pragmático, compreensível diante das limitações em diversos setores, conseguiu montar uma defesa muito forte e tirou o melhor de Cristiano Ronaldo. A Euro 2016 entrou para a história, como primeira grande conquista da Seleção das Quinas, mesmo com todos os percalços. A campanha na Copa de 2018 foi razoável, com a queda nas oitavas de final diante do Uruguai. Ainda assim, a Liga das Nações de 2019 ofereceu outro bom prêmio.
O problema de Portugal foi a maneira como o time estagnou mesmo depois da Euro 2016. Fernando Santos se apegou às suas ideias e não conseguiu explorar da melhor maneira uma geração que ganhou ainda mais recursos nestes últimos seis anos. A impressão era de que os portugueses rendiam muito menos do que o elenco que tinham à disposição. Isso ficou expresso numa Euro 2020 cambaleante, em que os lusitanos passaram distantes de encantar e de buscar o bicampeonato. As dificuldades nas Eliminatórias aumentaram as críticas. E não foi a classificação para a Copa do Mundo que melhorou o cenário.
Portugal fez uma fase de grupos apenas razoável no Mundial de 2022, mas não agradou. Os melhores momentos dependeram mais da qualidade individual, em especial de Bruno Fernandes. Fernando Santos pareceu capaz de se reinventar nas oitavas, quando decidiu barrar Cristiano Ronaldo pela falta de rendimento e pelos sinais de insatisfação, enquanto realizou encaixes importantes no time. Recebeu em troca uma histórica goleada por 6 a 1 sobre a Suíça, com as escolhas do técnico, em especial sobre Gonçalo Ramos, rendendo elogios. Todavia, o sistema não funcionou contra Marrocos e Santos também não conseguiu redesenhar o time com suas substituições. Que a caminhada até as quartas de final não seja ruim e os adversários tenham seus méritos, foi uma campanha aquém do imaginado.
Na última terça-feira havia acontecido uma reunião entre a federação portuguesa e Fernando Santos. A troca no comando parecia alinhada e, ao longo desta quinta, as notícias começaram a pipocar. A federação preferiu tratar o comandante com respeito e falar em acordo mútuo. Entretanto, seria difícil imaginar uma manutenção se ele quisesse mesmo ficar.
Uma renovação de ares tende a fazer bem para a seleção de Portugal, num necessário processo de restruturação do time. A continuidade de Cristiano Ronaldo fica em aberto, não apenas pelo rendimento do atacante, mas também pelo seu relacionamento. De qualquer forma, está claro como os lusitanos contam com um dos melhores elencos do mundo e podem disputar os troféus internacionais mais a sério. Há qualidade em praticamente todos os setores, jogadores afamados nas grandes ligas e também jovens prontos a estourar. Gonçalo Ramos, Rafael Leão, Vitinha e António Silva merecem mais espaço.
E a demissão necessária não é o que apaga a importância de Fernando Santos na história de Portugal. Não foi um pioneiro como Otto Glória e não tinha o carisma de Felipão. Entretanto, levou a Seleção das Quinas a um lugar inédito e merecido, especialmente pela representatividade da equipe nacional no contexto europeu a partir dos anos 1980. A Euro 2016 garante seu nome num lugar privilegiado. Mesmo que, pelos talentos à disposição, se esperasse uma curva até maior depois disso – nem tanto em resultados, mas certamente em qualidade de jogo apresentado.