Copa do Mundo

Iraniano é assassinado por forças de segurança ao comemorar eliminação – e ele era amigo de Ezatolahi, volante da seleção

Mehran Samak jogava no mesmo time de Ezatolahi na infância e seria morto a tiros enquanto fazia um buzinaço em seu carro na cidade de Bandar Anzali

Diante dos massivos protestos contra a teocracia no Irã, nem todos os torcedores no país desejavam o sucesso da seleção na Copa do Mundo. Uma boa campanha provavelmente seria usada como propaganda pelo regime. Assim, a eliminação diante dos Estados Unidos gerou focos de comemoração em cidades iranianas. Um homem de 27 anos foi assassinado por forças de segurança, alvejado a tiros em seu carro enquanto fazia um buzinaço nas ruas da cidade de Bandar Anzali. Uma morte que, em grande coincidência, afetou diretamente um dos melhores jogadores da seleção: Saeid Ezatolahi, nascido em Bandar Anzali e amigo de infância da vítima. O volante lamentaria publicamente a perda, através de uma mensagem com teor político em suas redes sociais.

Segundo o grupo Iran Human Right, sediado em Oslo, Mehran Samak foi atingido diretamente na cabeça pelas forças policiais. O homem é uma das 448 vítimas contabilizadas pela organização, desde que se iniciaram os protestos pela morte da jovem curda Mahsa Amini, presa e reprimida por não usar corretamente o seu véu. Dessas vítimas, seriam pelo menos 60 crianças e adolescentes.

O caso repercutiu bastante no Irã. Diante da notícia, Ezatolahi preferiu se manifestar nas redes sociais e relembrar seu amigo de infância. Postou uma foto de ambos crianças, numa equipe de futebol. Também escreveria uma mensagem na qual não foi direto, mas deixa implícita a sua insatisfação política.

“Gostaria que pudéssemos ser crianças para sempre. Sem lutas, sem ódio, sem inveja, sem brigar para derrubar o outro. Há muito a dizer, meu companheiro de equipe. Mas, infelizmente, as pessoas hoje em dia estão se afogando em tanta inveja e tumulto que é difícil ou impossível encontrar um par de ouvidos para escutar”, escreveu Ezatolahi, em seu Instagram.

“Depois da amarga derrota da última noite, a notícia de sua morte incendiou meu coração. Mesmo agora, escrevendo essa mensagem, ainda não dormi. Mas, velho amigo, você deve saber que a cada dia há menos humanidade nesse mundo. Há apenas um monte de pessoas vazias com máscaras, que pisam nos outros para conseguir o que querem. Mas tenha certeza de que, no dia em que essas máscaras caírem e a verdade sobre essas pessoas for revelada, eles terão que responder à sua família e à dor de sua mãe. Condolências à sua querida família. Não é isso o que nossa juventude merece, não é isso o que meu Irã merece”.

Em sua segunda Copa do Mundo, Ezatolahi esteve entre os principais jogadores do Irã. O volante inexplicavelmente ficou no banco contra a Inglaterra, mas deu outra cara ao time diante de Gales e contribuiu bastante à ótima atuação dos persas. Já diante dos Estados Unidos, o meio-campista mais uma vez foi um dos melhores em campo, mas seu esforço não bastou para evitar a eliminação. Depois do duelo, Ezatolahi ficou inconsolável no gramado e, enquanto chorava, recebeu abraços de diversos companheiros e também americanos. Ainda teria uma notícia mais dura para lidar.

Ao longo das últimas horas, surgiram vídeos de comemoração à derrota do Irã em diferentes cidades do país. Fogos de artifício foram lançados em Saqqez, cidade curda onde nasceu Mahsa Amini. Outros registros também foram feitos em cidades de minorias étnicas que sofreram repressão, mas igualmente em Teerã. Já em Doha, há relatos de intimidação a torcedores e agressões àqueles que desejavam se manifestar contra a teocracia.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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