Copa do Mundo

Guia da Copa do Mundo 2022 – Grupo E: Alemanha

Com um técnico de ponta, Hansi Flick, a Alemanha tem talento e jogo coletivo para brigar pelo título no Catar, em mescla de veteranos consagrados e jovens promissores

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É difícil fazer uma avaliação tão assertiva sobre a Alemanha para a Copa do Mundo de 2022. O Nationalelf conta com um dos melhores treinadores da competição, com um elenco cheio de jogadores vitoriosos e com uma história nos Mundiais a sempre se respeitar. Porém, a montanha-russa desde 2018 teve pontos mais baixos que altos, vide o que aconteceu na própria Rússia quatro anos atrás. A saída de Joachim Löw serviu de marco para renovar os ares e Hansi Flick pintou como uma ótima reposição. Porém, a animação que se viu pela recuperação nas Eliminatórias não se repetiu durante jogos de maior peso durante a Liga das Nações. A questão está em trabalhar esse senso coletivo e sanar carências do elenco, que existem e são até mais evidentes que em outras Copas.

Os alemães não estão na primeira prateleira de favoritos, mas possuem condições de montar uma equipe forte e crescer desde o grupo cascudo em que se encontram. Também precisarão superar uma ruptura com a própria torcida. A realização da Copa no Catar encontra uma oposição forte na Alemanha, com massivos pedidos de boicote nas arquibancadas. Pesa também os desmandos dos dirigentes da federação, que criaram ares de empáfia. Atualmente os germânicos passam longe daquela comoção que embalou a equipe há alguns anos, do Mundial em casa em 2006 até a conquista do tetra em 2014.

Como foi o ciclo até a Copa

A Copa do Mundo de 2018 representou a maior decepção para a Alemanha na história da competição, e isso diz muito. Os resultados anteriores do time não eram tão alarmantes, mas muitos medalhões vinham em baixa e os rachas internos também atravancaram bastante a caminhada. O resultado seria péssimo, com a eliminação na fase de grupos e os pedidos por uma renovação no comando. Entretanto, Joachim Löw permaneceu no cargo e optou por seus bodes expiatórios. Jogadores consagrados da equipe nacional acabaram deixados de lado, como se a nova geração fosse suficientemente brilhante para supri-los – e não era. O comodismo à beira do campo era bem mais problemático, sem uma autocrítica urgente também dos dirigentes da federação local.

As duas primeiras edições da Liga das Nações foram um marco negativo para a estagnação da Alemanha. Basta lembrar que o time acabou rebaixado em 2018/19, num grupo com França e Holanda, mas acabou salvo graças à ampliação da primeira divisão. A caminhada nas eliminatórias da Euro não seria tão problemática, com uma vitória e uma derrota diante dos holandeses, os principais concorrentes da chave. O pior mesmo ocorreu na segunda edição da Nations, em 2020/21. O Nationalelf já acumulava empates, até tomar uma sova nos 6 a 0 diante da Espanha. Löw finalmente largaria o osso, mas só depois da Euro 2020. Existia ao menos um clima de alívio, bem como a anistia dada a medalhões antes aposentados compulsoriamente.

Mas não que a produção tenha crescido tanto assim com a notícia do adeus. Basta lembrar que a Alemanha perdeu para a Macedônia do Norte em Duisburg pelas Eliminatórias, enquanto fez uma Eurocopa morna na despedida de Löw. Perdeu da França na estreia, se recuperou com vitória contra Portugal e sofreu para garantir a classificação no empate contra a Hungria. Mas não passou pela Inglaterra nas oitavas, em duelo claramente inferior dos germânicos. Virada a página, era hora de iniciar um novo período com Hansi Flick, à espera de mais dinamismo em campo. Hora também de dizer adeus a alguns ídolos mais, a exemplo de Toni Kroos, embora o treinador tenha convencido outros a continuar.

A campanha nas Eliminatórias para a Copa, que chegou a perigar em certo momento, terminou com uma coleção de goleadas. O grupo era relativamente acessível, mas a Alemanha parecia reencontrar um bom nível em seu futebol. Entretanto, 2022 pediu certo cuidado sobre aquilo que se espera do time, de novo com a Liga das Nações se tornando uma pedra no sapato. O Nationalelf abusou dos empates contra adversários de mais peso. Até viveria um grande momento com a vitória sobre a Itália em Mönchengladbach, no fechamento da Data Fifa de junho. Todavia, também perdeu em Leipzig diante da Hungria, num jogo em que a equipe teve muitas dificuldades para produzir diante de um adversário fechado. E não animou o amistoso final contra Omã, mesmo com reservas, num triunfo por 1 a 0 só arrancado no final. As questões a se resolver, ao menos, parecem claras. Há um treinador mais capacitado para isso no momento.

Joshua Kimmich, da Alemanha (Alex Grimm/Getty Images)

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Como joga

Um dos maiores desafios para a Alemanha no atual ciclo é reencontrar uma identidade de jogo. Durante os piores momentos sob as ordens de Joachim Löw, o Nationalelf parecia entregue aos erros e não apresentava um grande repertório. Hansi Flick busca essa nova face para os alemães, o que não se mostra tão simples. O time oscilou bastante entre atuações produtivas e outras travadas. Há algumas lacunas no elenco que tornam mais difícil decidir qual a melhor maneira de encaixar a equipe, sobretudo em relação à falta de laterais mais confiáveis e de um homem de referência consolidado. A equipe por vezes também carece de lideranças técnicas que cresçam nos momentos de dificuldade – o que fez a diferença na caminhada rumo ao tetra em 2014, por exemplo.

Durante as Eliminatórias, Hansi Flick priorizou o 4-2-3-1. Parecia um esquema melhor para aproveitar a agressividade de alguns jogadores e até preservar a base daquilo que já se fazia no Bayern de Munique. Gols não faltaram neste momento, embora o Nationalelf não tenha encarado nenhum grande desafio. Já em 2022, o comandante variou um pouco mais de sistema e chegou a experimentar um 3-4-3 que não tinha gerado grandes clamores na Eurocopa. Mesmo com o 4-2-3-1 ainda priorizado nas partidas mais recentes, quando não se apresentou bem, a Alemanha oscilou entre uma defesa exposta e um ataque sem tanta pegada. Há qualidade para montar um time mais veloz, mas nem sempre a teoria se provou dentro de campo.

A escalação conta com a grandeza de Manuel Neuer, um nome que ainda impõe respeito, embora as lesões recentes voltem a preocupar. Marc-André ter Stegen permanece como uma ótima sombra e Kevin Trapp atravessa a melhor fase da carreira, se necessário. O miolo de zaga tem bons jogadores, em especial pelo crescimento de Antonio Rüdiger, mesmo sem ser titular absoluto no Real Madrid. Nico Schlotterbeck e Niklas Süle são outros nomes interessantes por ali, mas o desempenho do Borussia Dortmund deixa muitas ressalvas. Matthias Ginter vive fase melhor no Freiburg e também possui mais bagagem pela seleção, como um dos quatro remanescentes do tetra. Já a aposta fica por conta de Armel Bella-Kotchap, de apenas 20 anos, que estourou no Bochum e agora defende o Southampton.

A preocupação é até maior nas laterais, entre promessas que tentam emplacar e outros mais rodados com perspectivas limitadas. É o setor que mais sofreu testes com Hansi Flick. David Raum teve bons momentos nas seleções de base e parece o preferido na esquerda, mas não se firmou em sua chegada ao RB Leipzig. É um jogador mais ofensivo, o que deve render a proteção de Thilo Kehrer, atualmente no West Ham, pela direita. O lado direito ainda pode contar com Lukas Klostermann, que mal jogou na temporada do Leipzig por lesão, mas é útil por servir nas quatro posições da defesa. Já na esquerda, Christian Günter surpreendeu ao aparecer na convocação final, pela falta de chances anteriores com Flick, ainda que seja uma liderança do Freiburg. Pela falta de certezas, alguns omitidos nas laterais chamam atenção, em especial Robin Gosens e Ridle Baku.

Entre os volantes, Joshua Kimmich desta vez não deve se preocupar em ser deslocado como lateral e tem muito moral com o treinador por sua organização. Pesa o entrosamento com Leon Goretzka por ali, um jogador de mais chegada e pegada física, embora Ilkay Gündogan sempre traga consigo o sucesso com o Manchester City como um fator – o que quase nunca se ratifica na seleção nacional. Só fica um alerta pela falta de mais um volante para a rotação, o que seria prudente. Florian Neuhaus parecia tal candidato, mas uma lesão com o Borussia Mönchengladbach atrapalhou o bom jogador de 25 anos. Julian Weigl não agradou, mesmo convocado na Data Fifa de março. Seria mais útil Maximilian Arnold, capitão do Wolfsburg, mas foi outro renegado por Flick.

Já na ligação, como meia central, Thomas Müller é uma bandeira da seleção e um jogador muito querido por Hansi Flick. O ponto é que, mesmo que começasse a temporada bem, não entra em campo desde setembro por lesão. Quem realmente pede passagem é Jamal Musiala, o melhor alemão desse início de temporada. Por aquilo que se viu na última Data Fifa, não tem como prescindir da capacidade de desequilíbrio do adolescente, algo notável também em sua ótima fase pelo Bayern.

Há ausências nessa faixa do campo. As persistentes lesões impediram Marco Reus de ser mais uma peça por ali, enquanto o promissor Florian Wirtz não se recuperou a tempo no Bayer Leverkusen. Mas é no setor que também pinta a grande surpresa da lista, Mario Götze. Flick nunca escondeu o desejo de chamá-lo, desde quando ainda estava no PSV, mas a convocação não vinha desde 2017 – época em que precisou realizar um tratamento para um problema metabólico que atravancou sua trajetória. Bem no Eintracht Frankfurt, o herói de 2014 vira um trunfo inesperado pela experiência e pela qualidade técnica acima da média, que nem sempre é ajudada pelo físico.

Pontas a Alemanha tem. Leroy Sané tem feito boas partidas com mais regularidade e está entre os melhores do Bayern na temporada. Terá a chance de se redimir pela questionada ausência em 2018. Serge Gnabry tem bons serviços prestados à seleção e seu rendimento nas últimas semanas lembra aquela temporada arrebatadora de 2019/20. Pode ajudar em diferentes funções. Jonas Hofmann atravessa o ápice de sua carreira no Gladbach e na seleção ajuda até como lateral direito se preciso. Mesmo Julian Brandt pode entrar mais aberto, embora sua temporada satisfatória com o Dortmund seja centralizado. Já Karim Adeyemi é uma aposta pessoal arriscada de Flick, porque o início no Dortmund passa longe do que se via no Red Bull Salzburg.

A grande interrogação fica no comando do ataque. Timo Werner era o favorito de Hansi Flick e vinha rendendo melhor na seleção do que nos tempos de Chelsea, mas se lesionou justo no momento em que recuperava a boa fase no RB Leipzig. Sem ele, Kai Havertz é o substituto natural, mas não é um homem do ofício e sequer é unanimidade no Chelsea. Assim, vieram as apostas. Niclas Füllkrug tem uma história incrível, ao ganhar o chamado inédito aos 29 anos, numa carreira em que mesclou lesões e clubes de metade inferior da tabela. É que mais lembra os antigos “tanques” alemães, tão eternos em Copas, pelo porte físico e pelas limitações técnicas. Mas sabe fazer gols, claro, e já foram dez pelo Werder Bremen na atual Bundesliga. Por fim, Youssoufa Moukoko é o caçula do elenco, aos 17 anos. É um dos melhores da temporada do Dortmund e tem potencial imenso, mas também oscila e não é tão físico.

Time base (4-2-3-1): Neuer, Kehrer, Rüdiger, Süle, Raum; Kimmich, Goretzka (Gündogan); Gnabry, Musiala, Müller, Sané; Havertz.

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Manuel Neuer, da Alemanha (Alexander Hassenstein/Getty Images)

Donos do time

Manuel Neuer vai para a sua quarta Copa do Mundo. Não vive mais a fase fenomenal de 2014, mas o desempenho na recente conquista da Champions de 2019/20 com o Bayern relembrou sua grandeza histórica. O veterano caiu um pouco de nível desde então e preocupa pelos problemas físicos na temporada – não tanto quanto em 2018, é bom salientar. Ainda assim, é uma lenda que continua capaz de decidir jogos para o Bayern de Munique e, na seleção, representa uma referência técnica que se perdeu com a aposentadoria de vários companheiros de tetra. É quem carrega a braçadeira de capitão e um daqueles que precisam dar uma resposta por aquilo que se viveu na Rússia. Aos 36 anos, sabe que tende a ser a sua última oportunidade num Mundial. Será o capítulo final de sua grandiosa trajetória no torneio, com respaldo do treinador e dos companheiros. A própria discussão sobre a concorrência com Ter Stegen é menor do que já se viveu.

Por seu papel em Copas do Mundo, Thomas Müller também não deve ser um jogador ignorado. O atacante estourou em 2010 e decidiu momentos importantes em 2014. Contudo, esteve entre os mais criticados em 2018 e é outro que tenta uma redenção, após ser aposentado à revelia por Joachim Löw. Sua titularidade no Nationalelf não é confirmada, pelas lesões e pela fase de Musiala, mas os números no Bayern seguem expressivos e a relação com Hansi Flick é das melhores. No setor ofensivo, fica uma menção também a Serge Gnabry, que não foi bem na Euro 2020, mas possui rendimento ótimo na seleção. São 20 gols e oito assistências em 36 partidas, jogando até como falso 9. Estará em sua primeira Copa e parece ter dado um gás, pelas últimas apresentações com o Bayern.

Se a Alemanha tem uma velha guarda de Copas que se impõe nas menções, há outros nomes mais jovens para assumir o protagonismo. Joshua Kimmich, enfim, parece ter condições de apresentar seu jogo habitual num grande torneio com o Nationalelf. Sempre entrou pelos lados em Copa do Mundo ou Eurocopa, massacrado pelo papel na lateral em 2018 e insuficiente em 2020. Sua importância como volante sob as ordens de Hansi Flick, todavia, é inquestionável – também como uma liderança que por vezes usa a braçadeira. Vai ser o termômetro da equipe e tende a ser o mais cobrado para garantir a dinâmica. Ocupa o espaço deixado por Toni Kroos, com quem nunca foi muito compatível pelas características próximas. Como Kroos, será cobrado também pela pegada no meio, algo que lhe falta.

A combinação perfeita ao lado de Kimmich, está provado, é Leon Goretzka. E a volta do volante à melhor forma nas últimas semanas com o Bayern de Munique deve ter sido bastante comemorada por Hansi Flick. É um dos mais capazes do elenco para romper defesas e até por isso também pode chamar a responsabilidade para si em momentos difíceis. Não evitou alguns dos fiascos do último ciclo, mas correspondeu bem em momentos importantes, vide o papel de salvador na Euro 2020. E não menos impositivo é o papel de Antonio Rüdiger na defesa. A Alemanha por vezes sente falta dessa fisicalidade, algo que o zagueiro proporciona. Foi sem dúvidas um dos melhores da Europa nas duas últimas temporadas com o Chelsea e a falta de um ritmo maior com o Real Madrid não deve atrapalhar. Tende até a ficar sobrecarregado, pelas desconfianças nos outros três postos da linha de zaga. Esse é o seu momento.

Jamal Musiala, da Alemanha (Alexander Hassenstein/Getty Images)

Caras novas

Pelo futebol que vem jogando, sem dúvidas, Jamal Musiala poderia estar no andar de cima desta lista. Entretanto, os 19 anos de idade ainda pedem um pouco mais de calma para aquela que será a sua estreia em Copas do Mundo. Seu futebol, por outro lado, pode ser um fator decisivo para a Alemanha. Já é no Bayern de Munique, numa temporada em que o melhor do time passa por seus pés. E a campanha na Liga das Nações mostrou como ele precisa de mais minutos, algo que já tinha faltado durante a Eurocopa. É um meia inventivo, capaz de criar buracos numa defesa a partir de sua habilidade e visão de jogo. Se ainda é cedo para cravar qualquer coisa, tende pelo menos a disputar o prêmio de melhor jovem do Mundial.

Por precocidade, Youssoufa Moukoko consegue superar Musiala. Aos 17 anos, o centroavante do Borussia Dortmund é o mais jovem da lista e se torna uma carta na manga diante da falta de centroavantes. Não é um jogador pronto, mas é uma aposta por ter estrela. É preciso cuidado para não queimá-lo, mas pode ser útil. Já a mística do centroavante trombador alemão torna necessária a menção de Niclas Füllkrug, estreante nas convocações aos 29 anos. Era um jogador muito pedido pelos alemães, pelas características de jogo em falta no Nationalelf, e realmente vai para a Copa como um homem de área. Resta saber quanto tempo terá em campo. Existe uma linha tênue entre estourar tardiamente como Oliver Bierhoff ou ser um bonde feito Sandro Wagner. Ao menos, Füllkrug é bem melhor que este último. Estreou com gol, no sofrido 1 a 0 sobre Omã.

Mais atrás, duas menções arriscadas a jogadores de potencial, que valeram muito dinheiro no último mercado, mas que decepcionam bastante no início pelos novos clubes. Nico Schlotterbeck deve ser a terceira opção na defesa, mas, pelo que se via no Freiburg, com potencial para ser titular no futuro. Aos 22 anos, o beque ganhou as primeiras chances com o próprio Hansi Flick. O problema são os frequentes erros num bagunçado Dortmund. Já na lateral esquerda, quem pede passagem é David Raum. A ascensão meteórica teve um papel decisivo no acesso do Greuther Fürth e um rendimento ainda melhor pelo Hoffenheim, que o levou a ser contratado pelo RB Leipzig. Também encontra problemas para deslanchar no novo clube, mas foi dos raros titulares absolutos da Alemanha durante a última Liga das Nações. É uma posição carente.

Hansi Flick, da Alemanha (Alexander Hassenstein/Getty Images)

Técnico

Não é sempre que uma seleção consegue contratar um treinador com mercado nos maiores clubes da Europa. O caso de Hansi Flick, no entanto, foi bastante específico. A relação no Bayern de Munique se desgastou rapidamente, não tanto por rendimento, mas pela falta de diálogo com dirigentes do clube. O alemão preferiu deixar o posto e surgiu como o nome perfeito ao Nationalelf. Flick, afinal, havia sido o assistente de Joachim Löw em duas Copas e era apontado como um dos principais arquitetos do tetra em 2014. Conhecia muito bem o ambiente da seleção, mantinha ótimos laços com os jogadores e ainda poderia trazer a bagagem recente do que fizera sucesso na Baviera.

O impacto positivo de Flick na seleção se tornou imediato, como bem se viu nas Eliminatórias, embora a Alemanha não empolgue tanto contra adversários de maior peso. O grande teste para o trabalho, de qualquer maneira, acontecerá no Mundial. O treinador leva como trunfo um repertório tático maior que o de Joachim Löw, mas sem peças tão qualificadas quanto em 2014. Também é bom salientar que sua experiência em primeiro nível é limitada, basicamente restrita a pouco menos de 100 jogos com o Bayern. Outro ponto importante é sobre a forma como pode potencializar jovens e nomes que não vem rendendo bem em seus clubes. Neste sentido, vale ficar de olho nos cedidos pelo Borussia Dortmund, que ganham a confiança de Flick apesar de não renderem com Edin Terzic.

A geografia do elenco

A seleção da Alemanha não se baseia muito nas maiores cidades do país. Berlim é o município mais populoso, com 3,6 milhões de habitantes, e conta apenas com Antonio Rüdiger. Hamburgo não tem um nome sequer, por mais que Youssoufa Moukoko tenha crescido por lá, e Munique completa o Top 3 de população com a presença solitária de Karim Adeyemi. Entretanto, olhando para as regiões, o elenco de Hansi Flick reflete melhor os adensamentos populacionais do território alemão.

A Renânia do Norte-Vestfália é o estado mais populoso e o segundo que reúne mais jogadores, sete no total. Gelsenkirchen é uma das raras cidades com mais de um nativo, graças a Manuel Neuer e Ilkay Gündogan. A Baviera, segundo estado em população, contribui com quatro nomes – ninguém mais bávaro que Thomas Müller. O estado que quebra essa lógica é Baden-Württemberg, terceiro em população, mas primeiro em convocados. São oito atletas da região, com dois de Stuttgart, Jamal Musiala e Serge Gnabry. É uma das áreas do país com maior percentual de população imigrante.

O lado mais ocidental da Alemanha ainda tem um jogador de Sarre e outro de Hesse. Nada menos que 21 jogadores nasceram em cidades no sul ou no oeste do país. Sobra pouca gente para outros cantos. Mais ao norte do território, há apenas um representante da cidade de Hannover e outro de Bremen. Já a antiga Alemanha Oriental não tem um jogador sequer desta vez, quando Toni Kroos costumava ser o bastião local. Um candidato era Maximilian Arnold, de Riesa, excluído da lista final. Sequer Rüdiger salva, já que o bairro onde cresceu fazia parte da Berlim Ocidental. Não deixa de ser um reflexo econômico e do próprio desenvolvimento do futebol, com as dificuldades dos clubes da antiga DDR.

Dois jogadores da Alemanha nasceram fora do território do país e representam movimentos migratórios por diferentes motivos. O novato Youssoufa Moukoko é nativo de Camarões e se mudou para a Alemanha em 2014, aos nove anos, depois que seu pai estabeleceu trabalho na região de Hamburgo. Já Armel Bella-Kotchap só nasceu em Paris, já que passou a infância na Alemanha, onde seu pai atuava como jogador profissional. Cyrille Florent Bella chegou a atuar na seleção de Camarões na virada do século.

Entre aqueles descendentes de imigrantes, os de sangue africano são mesmo maioria nessa seleção da Alemanha. A mãe de Rüdiger saiu de Serra Leoa, assim como a mãe de Thilo Kehrer veio de Burundi. O pai de Serge Gnabry é da Costa do Marfim, enquanto o pai de Jamal Musiala e também o de Karim Adeyemi migraram da Nigéria. Ainda há o caso notável de Leroy Sané, filho de Souleymane Sané, ídolo de Senegal e um dos primeiros jogadores africanos a fazer sucesso na Bundesliga.

Os turcos, que representam o maior grupo de imigrantes da Alemanha, desta vez contam apenas com Ilkay Gündogan. Também há jogadores com familiares que vieram de outras partes da Europa. Adeyemi tem mãe romena, o lado paterno de Marc-André ter Stegen é holandês, o avô de Niklas Süle saiu da Hungria. Já Musiala, que também possui familiares maternos poloneses, chegou a passar grande parte de sua juventude na Inglaterra. Era elegível pelos Three Lions e atuou pelas seleções inglesas do sub-15 ao sub-21, mas optou pelo Nationalelf no nível adulto.

Onde jogam

A Bundesliga predomina na convocação da Alemanha, como de praxe. São 20 dos 26 jogadores saindo de clubes alemães. E o Bayern de Munique é a base principal da equipe mais uma vez. Sete jogadores dos bávaros estão presentes na lista final de Hansi Flick, que deve se valer do entrosamento de seus antigos pupilos e de engrenagens que já funcionavam em seus tempos de treinador. O Borussia Dortmund também auxilia razoavelmente, como segunda força do país, ao ceder cinco atletas. Os investimentos recentes dos aurinegros até ajudam a engordar essa relação, considerando como o time buscou jogadores com nível de seleção na última janela.

Obviamente, equipes de menor projeção do Campeonato Alemão também deixam suas marcas. Trabalhos de relevo das últimas temporadas cedem jogadores importantes, como RB Leipzig, Borussia Mönchengladbach e Eintracht Frankfurt. Grata surpresa, o Freiburg aparece com dois jogadores. Curiosamente, quem escapa da lista é a sensação da Bundesliga neste primeiro turno, o Union Berlim. Robin Knoche talvez fosse o alemão do elenco com maior capacidade de ganhar um chamado, mas fica pelo caminho diante da concorrência pela zaga.

E a Premier League também pinta como um destino importante para a Alemanha, com a convocação de quatro jogadores. Alguns são bastante reconhecidos na liga, como Ilkay Gündogan e Kai Havertz, mas há apostas recentes como o promissor Armel Bella-Kotchap, que vive bom início com o Southampton. Já a Espanha contribuiu com dois, graças à dupla Real Madrid e Barcelona, com Antonio Rüdiger e Marc-André ter Stegen.

Olhando em perspectiva, apesar da força da Bundesliga, não é incomum ver atletas do Nationalelf em atividade no estrangeiro. A Alemanha teve elencos compostos por jogadores somente dos clubes alemães até 1958. Já em 1962, Horst Szymaniak foi o primeiro de um time forasteiro, no Catania. O time de 1966 tinha três jogadores na Serie A, enquanto em 1970 eram dois. Era um período em que o futebol italiano oferecia melhores condições financeiras, enquanto o profissionalismo engatinhava na Bundesliga. Depois veio uma onda espanhola, com um representante de La Liga em 1974 e outro em 1982. Já a partir de 1986, o Calcio voltou a ficar forte, com dois atletas em 1986 e cinco em 1990.

O time de 1994 reunia quatro da Serie A e dois da Ligue 1. Em 1998 havia dois da Serie A, um da Ligue 1 e um da Premier League. E neste século a força econômica dos clubes ingleses pesou bastante. Foram dois da Premier League em 2002, dois em 2006, quatro em 2014 e três em 2018. La Liga, Serie A e Ligue 1 também tiveram três convocados totais para cada de 2002 a 2018. Curiosamente, a seleção alemã de 2010 foi uma exceção sem jogadores em atividade no exterior, o que não ocorria com o Nationalelf desde 1978. Os seis “estrangeiros” de 2022 ainda são inferiores aos oito de 2018 e aos sete de 2014.

Miroslav Klose, da Alemanha, em 2002 (PEDRO UGARTE/AFP via Getty Images)

Um herói em Copas

A Alemanha possui uma quantidade abundante de lendas em Copas do Mundo. Miroslav Klose, no entanto, garantiu um posto especial na lista. E o centroavante merece ser lembrado não apenas como o maior artilheiro da história dos Mundiais, mas também como um jogador que se tornou muito mais importante ao futebol graças ao seu papel no Nationalelf. Miro é idolatrado pelas torcidas de Kaiserslautern, Werder Bremen e Lazio. Mesmo assim, nada se compara ao seu heroísmo com a equipe nacional. O filho de atletas poloneses que se estabeleceram na Alemanha, onde tinham raízes familiares, virou um símbolo da Mannschaft.

Foram quatro Copas do Mundo com a presença de Klose. Primeiro em 2002, quando causou boa impressão ao resto do mundo e ajudou um time limitado a alcançar a final. Depois, como uma estrela na empolgação ao redor do time de 2006, de orgulho resgatado a todo um país, e também como o matador do bom futebol coletivo exibido em 2010. De qualquer maneira, Miro merecia mais que o quase. Teria a sua vez em 2014, como o mais tarimbado de todo um elenco calejado pelas derrotas em momentos decisivos.

A esta altura, Klose nem era mais indiscutível no ataque da Alemanha, mas anotou gols essenciais e reconquistou sua posição de titular. Voltou a dar o seu salto mortal, marca maior de sua fome de gols pelo Nationalelf. O camisa 9 virou o maior goleador do torneio, isolado à frente de Ronaldo, justo no 7×1. Dias depois, estaria aos prantos no Maracanã, finalmente com a mão na taça. É um nome indissociável àquilo que os alemães representam na Copa, sobretudo neste século – onde somente Philipp Lahm e Bastian Schweinsteiger possuem um grau próximo de protagonismo, mas não com tantos gols.

Calendário

Alemanha x Japão – 23/11, 10h
Alemanha x Espanha – 27/11, 16h
Alemanha x Costa Rica – 01/12, 16h

Todos os convocados

NúmeroPosiçãoJogadorData de nascimentoClubeJogosGolsLocal de Nascimento
Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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