Guia da Copa do Mundo 2022 – Grupo C: Arábia Saudita
A Arábia Saudita conta com o qualificado técnico Hervé Renard para tentar não fazer (tão) feio na Copa do Mundo perto de casa
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A Arábia Saudita se recoloca como uma habitual representante da Ásia em Copas do Mundo. O país teve um momento bastante forte entre 1994 e 2006, com quatro participações e até passagem às oitavas na estreia. Foram dois Mundiais de ausência, até que o retorno ocorresse em 2018. E se a equipe deixou a Rússia com uma vitória, talvez se espere mais em 2022. O ciclo é favorável. Os sauditas contam com um dos melhores treinadores fora do eixo América do Sul-Europa, o que resultou em uma campanha bastante consistente nas Eliminatórias, seja em resultados e também nível de apresentação. Há um investimento crescente na liga local, depois da tentativa frustrada de levar destaques da seleção para um intercâmbio na Europa antes da Copa de 2018. Embora a abertura para estrangeiros tenha se tornado maior no Campeonato Saudita, alguns atletas ganharam consistência nos clubes locais – sobretudo o Al-Hilal, que domina a convocação. E há a própria chance de atuar perto de casa, no Catar, o que deve facilitar a presença da torcida. Os dois governos apaziguaram suas rixas e o Mundial ao lado também interessa ao poder da Arábia Saudita, especialmente quando há a intenção de transmitir uma noção diferente internacionalmente do regime repressivo e autoritário.
Como foi o ciclo até a Copa
A Copa do Mundo de 2018 valeu para recolocar a Arábia Saudita no mapa das competições internacionais e esperava-se uma evolução posterior, inclusive pelo interesse do governo em usar o esporte como uma ferramenta de poder. Não deu tão certo nos meses seguintes. Os Falcões Verdes chegaram a disputar um amistoso contra o Brasil em outubro de 2018, em derrota por 2 a 0 contra uma Canarinho desinteressada. O principal objetivo desse início de ciclo era a Copa da Ásia. E os alviverdes decepcionaram nos Emirados Árabes Unidos. Golearam a Coreia do Norte e bateram também o Líbano, mas não aguentaram o Catar no principal duelo da fase de grupos – num momento de grande tensão política entre os vizinhos. Também perderam para o Japão nas oitavas, o que culminou na precoce eliminação.
A consequência? Uma mudança no comando. Juan Antonio Pizzi havia assumido a Arábia Saudita em meados de 2017, num ciclo conturbado em que outros três técnicos haviam dirigido a equipe nos três anos anteriores. Chancelado pela conquista da Copa América com o Chile, o argentino naturalizado espanhol não conseguiu desenvolver sua ideia de jogo, com mais posse de bola, e o rendimento foi ruim, com apenas seis vitórias em 21 partidas. A federação precisava de um novo nome, após tentar outros medalhões como Bert van Marwijk, Edgardo Bauza, Frank Rijkaard e Juan Ramón López Caro ao longo da década anterior. Só então fizeram uma escolha que parecia mais consciente para a realidade saudita.
Hervé Renard, afinal, foi um dos melhores treinadores do futebol africano na década anterior. O francês conquistou a Copa Africana de Nações à frente de Zâmbia e Costa do Marfim, enquanto levou Marrocos de volta à Copa do Mundo depois de 20 anos de ausência. Encontrar um estilo de jogo mais funcional para a Arábia Saudita e aproveitar melhor os talentos locais parecia uma tarefa adequada às suas virtudes, até mais que seus antecessores. De fato, o francês conseguiu entregar resultados a partir de então e viu as possibilidades dos Falcões Verdes florescerem.
Renard guiou toda a campanha da Arábia Saudita nas Eliminatórias. A equipe ainda abusou dos empates de início, mas logo pegou embalo. O time cresceu a partir de 2021, quando o futebol de seleções na Ásia foi retomado após a fase mais aguda da pandemia. Encerrou a segunda fase das Eliminatórias com uma sequência de vitórias contundente, além de placares elásticos. O que se repetiu também na terceira fase, a principal, em hexagonal que daria duas vagas diretas ao Mundial. A largada dos sauditas foi ótima, especialmente pela quantidade de jogos em casa. Dispararam num grupo em que Japão e Austrália poderiam ser vistos como favoritos, mas não tiveram a mesma solidez na largada.
A Arábia Saudita chegou a acumular 12 jogos de invencibilidade com a sua seleção principal, incluindo 11 vitórias no período. A primeira derrota aconteceu apenas na reta final das Eliminatórias, durante a visita ao Japão. E nem atrapalhou: com uma rodada de antecipação, o time se garantiu com empate diante da China. Ainda venceu a Austrália na despedida da campanha. Paralelamente, os sauditas puderam trabalhar sua seleção sub-23. Mas não que exista grande empolgação. A equipe foi saco de pancadas nas Olimpíadas e também não deixou boa impressão na Copa Árabe, eliminada na fase de grupos em torneio no qual os principais adversários tinham elencos baseados no melhor das ligas locais.
Os últimos meses foram de amistosos para a Arábia Saudita. A equipe perdeu para Colômbia e Venezuela em junho, enquanto empatou com Equador e Estados Unidos em setembro. E teve interferência do governo nesta reta final de preparação. O Campeonato Saudita foi paralisado no meio de outubro, para que a seleção se concentrasse num período de treinamentos intensivo até a Copa do Mundo. O fato de que o elenco se baseia na liga auxilia. Desde então, os Falcões Verdes disputaram amistosos mesmo fora da Data Fifa, contra adversários que não estavam completos. Venceu a Macedônia do Norte e a Islândia, além de empatar com Albânia, Panamá e Honduras.
Como joga
A Arábia Saudita possui um sistema de jogo sem grandes invencionices. Ao longo do ciclo, Hervé Renard organizou sua equipe num 4-2-3-1 ou num 4-3-3, com variações ocasionais. É uma equipe que sabe administrar bem seus jogos e cozinhar seus adversários se preciso, com momentos de maior pressão. A defesa não é a mais confiável, mas, dentro do contexto asiático, os Falcões Verdes sofreram poucos gols. A maior dose de qualidade se concentra no meio-campo, com boa chegada dos jogadores do setor e um entrosamento também importante, sobretudo pela influência do Al-Hilal, clube mais poderoso da Ásia nas últimas temporadas.
Uma questão curiosa se concentra no gol da Arábia Saudita. Há um grande número de goleiros estrangeiros no Campeonato Saudita, inclusive com o aumento de brasileiros. Com isso, os arqueiros locais perdem espaço e isso afeta diretamente a meta. Dos três convocados, o único titular em seu clube é Mohammed Al-Rubaie, mas que foi rebaixado para a segunda divisão com o tradicional Al Ahli. Ele disputou algumas partidas recentes, mas o posto segue aberto. Os outros dois são reservas em times da primeira divisão. O favorito ao longo do ciclo foi Mohammed Al-Owais, mas não impressiona muito. O arqueiro se transferiu recentemente ao Al Hilal, mas ficou no banco de Abdullah Al-Mayouf, veterano que já se aposentou da equipe nacional. Vale lembrar que os Falcões Verdes usaram três goleiros diferentes na Copa de 2018, incluindo Al-Owais contra o Uruguai.
O miolo de zaga da Arábia Saudita se renovou em relação à Copa de 2018. Ali Al-Bulaihi era reserva na Rússia, mas ganhou a posição na Copa da Ásia e foi nome constante nas Eliminatórias. Já tem 32 anos, mas pesa a importância no Al-Hilal. Seu parceiro deve ser Abdulelah Al-Amri, do Al Nassr, que se firmou nos Falcões Verdes durante as Eliminatórias. Capitão do Al Nassr, Abdullah Madu também foi uma alternativa frequente entre os zagueiros, mas perdeu espaço nos últimos meses. Já nas laterais, dois bons nomes. Na esquerda, Yasser Al-Shahrani é ídolo do Al Hilal e um dos mais longevos na seleção, com muito escape ofensivo. Faz uma dobradinha com Sultan Al-Ghannam, um dos melhores jogadores do Al-Nassr e que contribuiu bastante para o sucesso nas Eliminatórias. Entretanto, Saud Abdulhamid ganha moral e parece despontar pela titularidade, como um jogador muito versátil e jovem.
O meio-campo tende a escalar três jogadores do Al-Hilal na faixa central. Abdulelah Al-Malki é uma adição recente do clube, trazido do Al Ittihad. Foi o preferido na cabeça de área durante toda a campanha nas Eliminatórias. Mais solto na ligação, Mohamed Kanno é o dínamo tanto no clube quanto na seleção. O meio-campista foi imprescindível nos recentes sucessos dos alviazuis e também esteve entre os melhores jogadores das Eliminatórias Asiáticas com os Falcões Verdes. Já a armação da equipe fica sob encargo de Salman Al-Faraj, que pode ser chamado de lenda pelo status no Hilal, do qual é capitão.
Cansou de ouvir falar do Al-Hilal? Pois a preponderância permanece também nas peças ofensivas. E o mais brilhante da seleção, é claro, atua nos alviazuis. Salem Al-Dawsari é tão talentoso que prepondera inclusive entre os estrangeiros do clube, pela qualidade nos dribles e também na definição das jogadas. Já tinha brilhado na Copa de 2018. Já no comando do ataque, Saleh Al-Shehri anotou frequentes gols nas Eliminatórias e ofereceu presença de área aos sauditas. Só é reserva no seu clube… o Al-Hilal. Sua principal sombra é Firas Al-Buraikan, que ganhou moral na reta final das Eliminatórias e nos amistosos recentes.
Por fim, rolou um imbróglio na ponta direita e os sauditas perderam um nome importante. Fahad Al-Muwallad era um dos mais experientes da seleção e recentemente trocou uma longa história no Al-Ittihad pelo Al-Shabab. No entanto, pego no exame antidoping em maio (pela segunda vez no ciclo), o atacante recebeu uma suspensão de 18 meses. Ele até participou da reta final de amistosos preparatórios, sob efeito suspensivo, e Hervé Renard o chamou na lista final, mas, sem perspectivas de uma mudança do caso no Tribunal Arbitral do Esporte, o corte aconteceu apenas dois dias depois da convocação. Na ausência, o dono da posição tende a ser Hattan Bahebri, outro com boa rodagem e que atua em diferentes posições do setor ofensivo. O garoto Haitham Asiri também foi testado por ali, enquanto Sami Al-Najei pode ganhar a vez pela qualidade técnica. É um xodó do Al-Nassr e um nome em ascensão nos Falcões Verdes.
Time base (4-2-3-1): Al-Owais (Al-Rubaie), Al-Ghannam (Abdulhamid), Al-Amri, Al-Bulaihi (Madu), Al-Shahrani; Al-Malki, Kanno; Bahebri (Al-Najei), Al-Faraj, Al-Dawsari; Al-Shehri (Al-Buraikan).
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Donos do time
Quem já assistiu a algum jogo do Al-Hilal ou da Arábia Saudita nos últimos anos sabe que Salem Al-Dawsari é bola. O ponta é claramente um jogador diferente dos demais companheiros sauditas, pela maneira como conduz a pelota e pelo poder de decisão. É criativo, imprevisível e faz gols – obviamente, dentro dos contextos locais. O ponta esquerda chegou a fazer um intercâmbio no Villarreal às vésperas da Copa de 2018 e disputou apenas um jogo, mas isso não atrapalhou seu bom rendimento no Mundial. Cresceu ainda mais depois de voltar da Espanha, com o sucesso do Hilal e também pela qualidade expressa nas Eliminatórias. Chega mais pronto para 2022, embora uma apendicite recente custe suas melhores condições físicas.
Por rodagem, Salman Al-Faraj possui um status próximo ao de Al-Dawsari. O meia de 33 anos nunca vestiu a camisa de outro clube na vida e atua pelo Al-Hilal há 14 anos. É o capitão do clube, por vezes alternando-se na reserva pela concorrência dos estrangeiros, mas com boa visão de jogo e qualidade na construção. Não é um jogador de números tão dilatados, até porque às vezes é recuado como segundo volante, mas costuma ser intocável nos Falcões Verdes. Marcou o primeiro gol na vitória sobre o Egito em 2018, com um placar complementado exatamente por Al-Dawsari.
Já um nome diferente até pelos padrões físicos é o volante Mohamed Kanno. O jogador de 28 anos mede 1,92 m e se impõe pela força, mas também agrada pela maneira como se movimenta e chega ao ataque com constância. É um dos homens que cresceu sob as ordens de Hervé Renard, reserva na época da Copa de 2018. Não parece coincidência que seu melhor período também coincida com a influência que exerce no Al-Hilal. Porém, não atua desde março pelo Campeonato Saudita, suspenso pela federação. Segundo a entidade, a transferência do meio-campista foi irregular, ao acertar paralelamente com o rival Al-Nassr e depois declinar o contrato. Por incrível que pareça, atuar pela seleção está liberado e ele permanece na ativa. Por fim, a legião do Al-Hilal ainda garante boa reputação a Yasser Al-Shahrani. O lateral possui versatilidade e fluidez em seu jogo, também na construção. Pode atuar em ambos os lados do campo, mas desde a Copa de 2018 é o dono da esquerda. As combinações com Salem Al-Dawsari servem de arma. Tão popular que foi capa do Fifa no Oriente Médio ao lado de Lionel Messi, a quem vai encarar.
Caras novas
É curioso notar como a seleção da Arábia Saudita se renovou em nomes durante o último ciclo, mas não necessariamente em idade. Muitos dos jogadores introduzidos na equipe titular não são tão jovens. Entre os novatos, o que gera mais esperanças tende a ajudar no ataque. Firas Al-Buraikan tem 22 anos e vem de boas temporadas na liga local. Anotava seus gols no Al-Ahli apesar do rebaixamento e agora defende o Al-Fateh. O centroavante marcou gols decisivos contra China e Japão nas Eliminatórias, em ambos saindo do banco, e acumulou mais aparições recentes como titular. É um dos raros que fez parte do elenco na Copa Árabe, mas sem evitar a fraca campanha. Talvez seja uma surpresa na ponta direita ou mesmo na referência.
Outro jogador que pede passagem é Saud Abdulhamid, de 23 anos. O jovem defendia o Al-Ittihad e desde a temporada passada está no Al-Hilal, presente inclusive no Mundial de Clubes. Sua polivalência impressiona, capaz de atuar nas duas laterais, como zagueiro ou como volante. Foi um jogador muito utilizado no segundo tempo das Eliminatórias. Usou a braçadeira de capitão durante a Copa Árabe e também tinha seu peso nas Olimpíadas. Já na ligação, Sami Al-Najei é uma possível aposta. Aos 25 anos, contribui ativamente para os resultados do Al-Nassr e pode atuar nas duas pontas, bem como centralizado como meia. Ainda busca seu encaixe nos Falcões Verdes, depois de disputar as Olimpíadas. Mas também é visto como um talento fora da curva por sua habilidade.
Técnico
Hervé Renard é um treinador de um nível altíssimo para uma seleção que deve ser mera figurante na Copa do Mundo. Afinal, o francês costuma entregar resultados em suas empreitadas internacionais. A conquista da Copa Africana de Nações com Zâmbia é um pequeno milagre, diante da equipe sem grandes estrelas, que bateu de frente com adversários bem mais qualificados e teve seu brilho efêmero. Depois, conseguiu encerrar o trauma da Costa do Marfim na CAN e entregar o troféu que a geração dourada tanto merecia, mesmo que alguns dos craques nem estivessem mais presentes. E não é menor o objetivo de levar Marrocos de volta a uma Copa. Os Leões do Atlas contavam com um dos melhores elencos africanos para 2018 e bateram de frente com Espanha e Portugal, mesmo que tenham decepcionado nas duas Copas Africanas que disputaram com o comandante.
Obviamente, Renard não é infalível. O treinador chegou a durar míseros três jogos à frente de Angola em 2010 e não se deu bem por clubes, com fracos trabalhos no Sochaux e no Lille. Dentro da realidade de seleções, de qualquer forma, poucos parecem tão capacitados para aumentar as expectativas de um time de limitações claras para o Mundial. E isso ele já faz à frente da Arábia Saudita. Seus resultados são melhores do que os de outros medalhões que dirigiram os Falcões Verdes nos últimos anos. Basta notar pela própria paciência da federação, que não costuma ser compreensiva nem com técnicos renomados – basta lembrar o que aconteceu com Parreira, demitido em plena Copa de 1998. A proeza do francês é tão grande que desde a década de 1960 um treinador não completava três anos no cargo à frente dos sauditas. Sinal da confiança, seu contrato atual vai até 2027.
A geografia do elenco
A Arábia Saudita tem 38 milhões de habitantes e sete cidades que superam a marca de 900 mil habitantes, com uma concentração de 44% da população nelas. A capital Riyadh lidera a lista com 6,5 milhões de pessoas, mas há regiões de grande concentração populacional no sudoeste do país – as áreas de Meca e Medina, na costa do Mar Vermelho. Algo que se nota também na convocação.
Um grande número de convocados nasceu em Riyadh. São oito jogadores do país oriundos da capital, além de outros dois de áreas mais afastadas da província central de Najd. Segunda cidade mais populosa, Jeddah aparece logo depois com três representantes. É o município que simboliza a forte presença do sudoeste saudita, com 11 atletas da região próxima à costa do Mar Vermelho. Apesar da força regional, só há um atleta de Meca e outro de Medina, que completam as quatro primeiras posições entre as cidades mais populosas.
Ainda vale mencionar a Província Oriental, no litoral do Golfo Pérsico, que possui a maior área em extensão e, mesmo sendo uma região menos povoada, tem também duas cidades com mais de 900 mil habitantes. São cinco jogadores daquela porção do país, que está próxima do Catar e também do Bahrein. É curioso notar ainda que áreas no centro-norte, representativa no número de clubes na atual primeira divisão, não tenham jogadores convocados.
A seleção da Arábia Saudita ainda conta com uma proporção superior de afro-sauditas em relação ao restante do país. Enquanto o grupo representa 10% da população, ele chega a um terço do elenco. A população negra na Península Arábica não reflete necessariamente movimentos migratórios recentes, com agrupamentos desde antes do período islâmico. Os afro-sauditas são importantes na seleção desde o início da história do país nas Copas, com menção principal a Majed Abdullah, capitão do time na Copa de 1994.
Onde jogam
O elenco da Arábia Saudita se concentra totalmente na liga local. Não é muito diferente do que ocorreu em outros Mundiais. De 1994 a 2006, as listas dos Falcões Verdes também foram 100% nacionais. A exceção fica para 2018, quando havia um acordo entre a federação e os clubes de La Liga para um intercâmbio de atletas, com três convocados na Espanha. Entretanto, a estratégia não deu certo e muitos desses talentos sauditas acabaram escanteados. A partir de 2018, a monarquia passou a investir pesado na liga e abriu as portas para mais futebolistas estrangeiros, na intenção de alavancar o desenvolvimento dos locais – e também de realizar um sportswashing sobre os abusos do governo. De fato, internacionalmente os sauditas recuperaram relevância no contexto asiático.
Não à toa, o Al-Hilal lidera a lista de convocados com 12 jogadores. Há inclusive reservas dos alviazuis que ocupam vagas de titular na seleção. São dois títulos recentes na Champions Asiática, em 2019 e 2021. Único capaz de romper a hegemonia recente do Al-Hilal no Campeonato Saudita, o Al-Nassr cede seis atletas e ajuda a completar o time titular dos Falcões Verdes. O Al-Shabab fecha o trio de ferro de Riyadh com três jogadores. Apesar da representatividade histórica de Jeddah na liga nacional, o Ah-Ahli cede apenas dois jogadores e somente um vem do rival Al-Ittihad. Al-Fateh e Abha completam a lista.
Um herói em Copas
A Arábia Saudita era uma novidade na Copa do Mundo de 1994. E a impressão deixada pelos Falcões Verdes nos Estados Unidos foi ótima, bem diferente da concepção que se teria ao redor do time em Mundiais posteriores. Os sauditas alcançaram as oitavas de final, ao passarem na segunda colocação num grupo que reunia Holanda, Bélgica e Marrocos. Não fosse o sistema em que os melhores terceiros colocados avançavam, os belgas poderiam ter pagado o pato. A Arábia Saudita não suportou a Suécia na fase seguinte, mas foi um bom azarão. O sinônimo daquela caminhada, é claro, se chama Saeed Al-Owairan.
Al-Owairan tinha uma carreira consolidada quando disputou a Copa de 1994. Não era visto exatamente como protagonista antes do Mundial, papel que cabia ao capitão Majed Abdullah, considerado por muitos como o maior craque da história do país e em seu último ato pelos Falcões Verdes. De qualquer maneira, Al-Owairan também garantia uma dose de magia conhecida pelos compatriotas. O camisa 10 dominava o Campeonato Saudita com o Al-Shabab na época e estava cotado entre os melhores jogadores asiáticos naquele início dos anos 1990, quando a vaga inédita para o Mundial veio.
A Arábia Saudita impressionou na estreia, quando vendeu caro a derrota por 2 a 1 para a Holanda. Com bom toque de bola, o time abriu o placar e só tomou a virada no fim. Má notícia, Abdullah se lesionou e Al-Owairan precisava assumir o papel de liderança técnica. Na rodada seguinte, com a entrada de Sami Al-Jaber, os sauditas venceram Marrocos por 2 a 1. Isso até a apoteose na terceira rodada, em partida que valeu a classificação. Tudo bem que, já classificada, a Bélgica poupou nomes. Mas não é isso que menospreza a vitória por 1 a 0 dos Falcões Verdes, na base da habilidade de Al-Owairan. O camisa 10 marcou o gol mais bonito daquela Copa e um dos mais inesquecíveis de todas as Copas. Recebeu no campo de defesa e entortou quatro marcadores, até definir nas redes. Um gol que valeu a classificação e a eternidade ao craque.
Al-Owairan não evitou os 3 a 1 para a Suécia nas oitavas. Entretanto, ganhou enorme projeção graças ao gol antológico. Apesar do interesse de clubes europeus, a legislação do futebol saudita não permitiu sua saída. E a fama também impactou na sequência de sua carreira: pego numa zona de meretrício com álcool e prostitutas no Cairo, durante o Ramadã, o camisa 10 foi preso por seis meses e suspenso dos gramados por um ano. Ausente na conquista da Copa da Ásia de 1996, estaria presente no Mundial de 1998, mas seria coadjuvante e perdeu a posição durante o torneio. Ficou apenas a memória do gol de placa que deve permanecer para sempre como maior símbolo de orgulho do futebol saudita.
Calendário
Arábia Saudita x Argentina – 22/11, 7h
Arábia Saudita x Polônia – 26/11, 10h
Arábia Saudita x México – 30/11, 16h
Todos os convocados
Número | Posição | Jogador | Data de nascimento | Clube | Partidas | Gols | Local de Nascimento |
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