Füllkrug fez o que a Alemanha precisava – não só o gol, mas o simples, a execução sem floreios
Füllkrug reconhece suas limitações e isso fez a diferença a uma Alemanha que errava bastante na execução das jogadas - precisava de alguém mais simples e contundente

A Alemanha segue viva na Copa do Mundo, ao menos por mais uma partida. A vitória da Costa Rica já evitara uma eliminação precoce dos germânicos. E o resultado contra a Espanha neste domingo poderia ter sido pior. O desempenho não se aproximou dos 6 a 0 que derrubaram Joachim Löw ou mesmo dos prognósticos mais apocalípticos, mas ainda foi uma atuação insatisfatória. Que o Nationalelf tenha acertado um pouco mais a mão na escalação, seguiu correndo riscos e foi muito mal na execução das jogadas. O empate por 1 a 1 pintou graças a quem, por natureza, resolveu fazer o simples. Niklas Füllkrug é um centroavante limitado, mas um jogador com presença de área e senso de oportunismo. Honrou a tradição alemã de camisas 9 decisivos em Copas, com um gol que aumentou um pouco mais as probabilidades de classificação do time de Hansi Flick.
A Alemanha fez necessárias mudanças em sua escalação. Mexeu nas peças da defesa, tirou Niklas Süle da lateral, sacou o errático Nico Schlotterbeck. Encorpou mais seu meio-campo com uma dupla formada por Joshua Kimmich e Leon Goretzka, mas também a manutenção de Ilkay Gündogan. E tinha um ataque mais leve, que passou longe de funcionar. Não seria um começo fácil para a equipe que demorou a se acertar e tomou calor da envolvente Espanha. Aos poucos, a marcação se encaixou melhor e pôde empurrar os espanhóis para trás. O problema é que faltava conexão no ataque, sem continuidade nas jogadas. Os lances mais perigosos saíram quando Antonio Rüdiger subiu à área adversária para as bolas paradas.
Füllkrug poderia ser útil desde o primeiro tempo. Diante da maneira como a partida se desenhava para a Alemanha, ter um homem que segurasse a bola no pivô, ganhasse dos zagueiros pelo alto e representasse um perigo nos cruzamentos seria mais funcional do que o papel de Thomas Müller mais avançado – onde o veterano quase nunca rende. A troca também deveria ser mais rápida na segunda etapa. Todavia, Hansi Flick preferiu manter o time. Sem repertório, o Nationalelf parecia sempre tentar um toque a mais. Errava, errava e errava. Jamal Musiala às vezes até conseguia um gesto técnico mais refinado, mas também desperdiçava bolas. E não que os companheiros estivessem melhores. O mais impressionante ficava para as bolas paradas, com algumas jogadas até bem arquitetadas, mas pessimamente executadas.
O gol da Espanha não surpreendeu. Se a Alemanha não se mostrou tão vulnerável como se temia, continuava tomando sustos contínuos com as tramas espanholas. A Roja também não foi tão contundente quanto poderia, com sua transição atravancada, mas uma hora Álvaro Morata botou a bola para dentro. Era hora de mudar e Hansi Flick finalmente resolveu botar Füllkrug, num jogo que se mostrava propício ao atacante. Ter um centroavante corpulento seria incômodo aos zagueiros adversários.
As mudanças não resolveram de imediato os problemas da Alemanha na execução dos lances e na tomada de decisões. Muitas jogadas que poderiam ser melhor desenhadas se perdiam por erros banais. Füllkrug era alguém diferente por reconhecer suas limitações e buscar ações mais simples, condizentes àquilo que o Nationalelf precisava. Numa bola rasteira em que o centroavante chegou frações de segundo atrasado, já assustou. E ele era ótima opção num avanço em que Musiala quis resolver sozinho, sem finalizar bem, em pancada que só carimbou Unai Simón. Em certo momento, os alemães até pareciam desanimar e desacreditar no empate. Mas uma hora a fresta surgiu para o camisa 9.
Deu certo a pressão no ataque, que forçou um passe errado da Espanha. Também valeu a infiltração de Musiala, para receber a enfiada de Leroy Sané. E se o domínio do garoto espirrou, o centroavante oportunista se meteu no meio do caminho. O passe não veio no lance anterior, mas o camisa 9 resolveu transformar a oportunidade para si. Diante de Unai Simón, ensinou como se fazer: soltou uma paulada longe do goleiro e correu para o abraço. A tão pedida convocação do homem de área se pagava.
Füllkrug seguiu sua luta na reta final, quando a Alemanha até se empolgou um pouco mais. Ganhou falta na entrada da área, brigou por bola no alto, deu opção nos passes. Porém, seus companheiros continuaram os floreios. O exemplo final viria de Sané, que partiu sozinho e saiu correndo até perder o lance na linha de fundo. Se olhasse para o lado, teria o camisa 9 tentando se posicionar da melhor forma e fazer o simples. Foi assim que ele se tornou vital num jogo de tanto peso aos alemães.
A história de Füllkrug é muito bonita. O centroavante rodou por clubes da segunda divisão, penou com as lesões quando deslanchava no Hannover, só ganhou fama nacional depois de liderar o Werder Bremen de volta à elite e marcar gols aos montes na atual Bundesliga. Aos 29 anos, quando a Alemanha precisava de alguém mais direto e físico dentro da área, o camisa 9 virou uma bem-vinda alternativa para sua chance inédita justo na convocação final antes da Copa do Mundo. E se não deve ser endeusado, por suas limitações e pela forma como está suscetível aos erros, é aquele que fez o necessário aos alemães. Acaba como salvador de um time que tantas vezes têm dificuldades de sentir a temperatura do jogo e entender como deve agir.
Füllkrug passa longe de ser Miroslav Klose, muito menos Uwe Seeler ou Gerd Müller. Também está abaixo de um Oliver Bierhoff, de um Mario Gómez ou de um Horst Hrubesch. Mas é o que a Alemanha tem hoje, e o que precisa em tantos jogos, numa posição há tempos sem um dono. A equipe permanece suscetível à eliminação e pelo menos preservou uma situação em que é possível se classificar na rodada final. Mas se o trem descarrilar de novo, é bom salientar desde já que a queda não acontece necessariamente por “ser um elenco fraco que precisou apostar num tanque feito o Füllkrug”. Pelo contrário, o camisa 9 oferece um acréscimo, mais em ideia do que em forma. O Nationalelf precisava perceber que não necessita só de virtuosos, e o simples Füllkrug oferece – inclusive como outros centroavantes que se consagraram na seleção.