Felipão foi à defesa dos seus soldados antes da batalha contra a Colômbia

Luiz Felipe Scolari foi um zagueiro sem muitos recursos técnicos. Muito mais beque de fazenda do que Franco Baresi. Seria pouco conhecido não fosse a sua vitoriosa carreira como técnico, na qual, de vez em quando, também dispensa a classe. Sobretudo na hora de defender os seus jogadores ou aliados. Tivemos uma demonstração clara disso, após uma semana atribulada desde a vitória nos pênaltis sobre o Chile.
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A entrevista obrigatória de Felipão antes de enfrentar a Colômbia, na próxima sexta-feira, no Castelão, estava cercada por muitas expectativas pelos homens e mulheres que cobrem a seleção brasileira. Muita coisa aconteceu nos últimos dias: a repercussão do abalo emocional dos jogadores, escancarado pela disputa de pênaltis que deu a vaga ao Brasil, a condição de Thiago Silva como capitão da equipe, a conversa particular com um grupo de seis jornalistas amigos do técnico e a suspensão de Rodrigo Paiva, flagrado agredindo um jogador chileno.
É sempre agradável quando a realidade corresponde à expectativa. Não foi uma daquelas entrevistas antológicas de Felipão, mas houve seus bons momentos e as tradicionais cutucadas. Descontraído, piscando para repórteres e cumprimentando outros, começou tirando da frente a questão da braçadeira de capitão. Thiago Silva, criticado por ter se isolado do resto do grupo para rezar nos momentos que antecederam a cobrança dos pênaltis. Ele disse que nunca foi questionado pelo seu comandante, sentado ao seu lado.
E o comandante confirmou. Contou uma história sobre a Eurocopa de 2004. Treinando a seleção portuguesa, substituiu o craque Luis Figo pelo nada craque Hélder Postiga, no segundo tempo, e conseguiu o empate. Figo foi para os vestiários. Não quis ficar no gramado com os companheiros. A imprensa começou a especular um suposto desentendimento, mas, segundo Felipão, o meia português passou a prorrogação e os pênaltis ajoelhado no vestiário, rezando. “Fui muito cobrado pelos jornalistas que Figo não estava junto com os outros. Ele estava no vestiário, à frente de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Cada um tem uma atitude, alguns agradecem a Deus, outros levantam a mão espalmada aos céus, eu agradeço do meu jeito. Acho que poderíamos respeitar um pouco mais as individualidades”, pediu.
O tópico seguinte foi a reunião particular do treinador com seis profissionais escolhidos a dedo: Juca Kfouri (UOL/Folha/ESPN), Paulo Vinícius Coelho (ESPN/Folha), Osvaldo Paschoal (Fox Sports/Rádio Globo), Fernando Fernandes (TV Bandeirantes), Carlos Eduardo Mansur (O Globo) e Luis Antônio Prósperi (O Estado de S. Paulo). Até então, Felipão não parecia nervoso, tenso ou irritado. Até então.
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Não teve medo ou receio de dizer, com todas as palavras, que gosta mais de alguns jornalistas do que de outros – o que é natural, diga-se. Lembrou que um dos convidados foi Juca Kfouri, notório opositor da CBF, tanto na época de Ricardo Teixeira quanto na de José Maria Marin, para sublinhar que o critério de escolha foi relacionamento pessoal. Ironizou, do seu jeito bem gaúcho de ser, esbarrou na homofobia e ainda prometeu que vai se encontrar com algumas jornalistas mulheres no fim de semana para “ver a perspectiva das mulheres” sobre o time dele.
“Vocês sabem que não tenho como descer e falar com todo mundo”, explicou. “Alguns são mais meus amigos. Fiz isso em 2002 também. Sentava com sete, oito, dez e conversava. Eu sempre fiz isso. Talvez eu não goste tanto de quem não foi chamado ou não queria conversar naquele momento. Eu vou fazer as coisas do meu jeito. Não gostou? Vai para o inferno. Ciúme de homem? Pelo amor de Deus. Fosse ciúme de mulher até vai, mas de homem? Brabo.”
O jornalista norueguês Oyvind Herrebroden, do jornal VG, achou um pouco estranho tanto tempo dedicado a esse assunto, embora também não veja com naturalidade o encontro do treinador do time nacional com um grupo seleto de profissionais da imprensa. “Não é possível que o principal assunto antes de um jogo de Copa do Mundo seja esse”, afirmou.
Felipão ainda fez duas defesas de pessoas ligadas à comissão técnica, com funções mais periféricas na campanha da seleção brasileira. Primeiro, a Rodrigo Paiva, o diretor de comunicações da CBF, sentado a duas cadeiras de distância. Ele foi suspenso por uma partida pela Fifa por ser flagrado brigando com chilenos depois das oitavas de final. Não quis aproveitar a oportunidade para se pronunciar e olhou fixamente para frente, praticamente sem se expressar, enquanto o treinador falava que Rodrigo apenas revidou ofensas a membros da delegação.
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A outra foi à psicóloga Regina Brandão, que visitou a delegação brasileira na última terça-feira. Segundo Felipão, não foi uma reação ao jogo contra o Chile, no qual os jogadores mostraram que os nervos não estão necessariamente em dia, apesar de terem acertado a maioria das cobranças. Choraram antes e depois dos pênaltis. Claramente estavam nervosos. “Pelo amor de Deus, parem de achar que a fulana só vai lá em determinados momentos”, começou. “Está tudo organizado. Nós vamos passar de fase e ela vai lá de novo domingo ou segunda-feira. Ela não ganha um centavo e tem participado de forma muito legal. Os jogadores adoram. Eu vejo que escrevem maldades, aproveitam-se dessa questão sem saber o que acontece aqui dentro. Não tem nada de diferente do que já estava planejado”.
A questão emocional está diretamente ligada à pressão para conquistar o título em casa. Peso que não ficou mais leve depois que Carlos Alberto Parreira, o coordenador técnico da seleção, ratificou e engrandeceu o favoritismo do Brasil, antes mesmo do torneio começar. “Aquelas declarações do Parreira foram espetaculares”, disse. “E continuam valendo. Nossa população, nosso torcedor, não esperava nada diferente disso. Vamos para o quinto passo. Não se esqueçam que são sete”.
“A questão emocional é muito interessante”, acrescentou Herrebroden. “Inclusive escrevi sobre a pressão, especialmente sobre Neymar”. Disse que na Europa é natural uma psicóloga fazer parte da comissão técnica, enquanto aqui no Brasil esse assunto ainda é tratado como uma espécie de tabu.
Felipão falou pouco sobre o jogo. Não vê um estado de guerra contra a Colômbia e acha que pode se beneficiar de uma partida mais aberta, contra um time que joga e deixa jogar. Não deu muito tempo, na verdade. Havia um treino marcado para o Estádio Presidente Vargas em alguns minutos. Precisa fazer os últimos ajustes e encontrar com os jogadores, que estavam esperando o seu comandante terminar de defendê-los.