Copa do Mundo

Falece Grant Wahl, referência do jornalismo esportivo nos EUA e voz combativa contra os desmandos da Fifa

Grant Wahl faleceu na tribuna de imprensa, enquanto cobria Argentina x Holanda; principal nome na cobertura de futebol nos EUA, o americano chegou a lançar candidatura para a presidência da Fifa em 2011

Morreu nesta sexta-feira, aos 49 anos, o jornalista Grant Wahl, um dos nomes mais importantes da cobertura esportiva mundial. O americano fez carreira sobretudo na Sports Illustrated, responsável pela cobertura de futebol em uma das publicações esportivas mais consumidas e respeitadas dos EUA. Mais do que isso, Wahl se colocou como uma das vozes mais combativas para questionar os problemas da Fifa. Chegaria a se lançar inclusive como candidato à presidência da entidade, opositor a Joseph Blatter, em 2011. Presente na cobertura de oito Copas do Mundo, Wahl estava no Catar, onde questionava os autoritarismos do governo local. Foi brevemente detido no início do Mundial por usar uma camiseta com o símbolo LGBT do arco-íris. Após sentir dores no peito no início da semana, o americano desmaiou durante o Argentina x Holanda desta sexta. Foi atendido pelos paramédicos na tribuna de imprensa e não resistiu. Diante da notícia, seu irmão relatou que Wahl vinha sendo ameaçado por seu posicionamento em prol dos LGBT durante a competição no Catar.

A informação da morte foi confirmada pela Doutora Celine Gounder, esposa de Grant Wahl e uma das principais epidemiologistas dos Estados Unidos. A federação de futebol dos EUA emitiu uma nota oficial: “Toda a família da US Soccer está com o coração partido ao saber que perdemos Grant Wahl. Os fãs de futebol e do jornalismo da mais alta qualidade sabiam que sempre poderiam contar com Grant para entregar histórias profundas e interessantes sobre nosso jogo e seus principais protagonistas: times, jogadores, treinadores e muitas personalidades que tornam o futebol diferente de qualquer outro esporte”.

“Aqui nos Estados Unidos, a paixão de Grant pelo futebol e o compromisso de elevar o nível da modalidade em nosso cenário esportivo desempenharam um papel importante em ajudar a aumentar o interesse e o respeito por nosso jogo. Importante frisar que a crença de Grant no poder do esporte para promover os direitos humanos foi, e continuará sendo, uma inspiração para todos. Grant fez do futebol o trabalho de sua vida e estamos arrasados porque ele e sua brilhante escrita não estarão mais conosco. A US Soccer envia suas mais sinceras condolências à esposa de Grant, Dra. Celine Gounder, e a todos os membros de sua família, amigos e colegas da imprensa. Agradecemos a Grant por sua tremenda dedicação e impacto em nosso jogo nos Estados Unidos. Sua escrita e as histórias que ele contou viverão para sempre”, complementa a nota.

Conforme as informações iniciais, Grant Wahl estava na tribuna de imprensa no Estádio de Lusail quando desmaiou, durante a prorrogação do Argentina x Holanda. Uma equipe de paramédicos o atendeu no local e realizou os procedimentos de ressuscitação por 20 minutos. Entretanto, o jornalista não resistiu.

Na segunda-feira, Wahl havia relatado em um texto que havia visitado médicos no Catar: “Meu corpo finalmente pediu arrego. Três semanas de pouco sono, muito estresse e muito trabalho podem fazer isso com você. O que tinha sido um resfriado nos últimos dez dias se transformou em algo mais severo na noite do jogo Estados Unidos x Holanda, e eu podia sentir um novo nível de pressão e desconforto na parte superior do peito. Eu não tive Covid (faço exames regularmente aqui), mas fui hoje à clínica médica do principal centro de mídia e disseram que provavelmente tenho bronquite. Eles me deram antibióticos e um xarope para tosse forte, e já estou me sentindo um pouco melhor algumas horas depois. Mas ainda assim: não estou bem”.

Trabalhando para a CBS e também em projetos pessoais, Wahl manteve sua reconhecida postura combativa durante a cobertura da Copa do Mundo. No início do torneio, antes da partida entre Estados Unidos x Gales, o jornalista foi detido pela equipe de segurança do estádio por usar uma camiseta com o símbolo do arco-íris. Sua ideia era manifestar apoio à comunidade LGBT, já que a homossexualidade é crime no Catar. O americano teve seu celular arrancado de suas mãos e ficou detido por 25 minutos, sob pedidos de que tirasse a camiseta por ter uma “mensagem política”. Posteriormente, um chefe de segurança pediu desculpas ao jornalista e o liberou, assim como fez um representante da Fifa.

Já em sua newsletter, o penúltimo texto assinado por Wahl, publicado nesta quinta-feira, relatava o descaso das autoridades do Catar com a morte recente de um trabalhador imigrante no hotel onde a seleção saudita estava hospedada. “Sabemos que o Supremo Comitê do Catar não se importa [com a morte] porque seu CEO, Nasser Al-Khater, disse tudo o que vocês precisavam ouvir em uma entrevista à BBC, que foi de tirar o fôlego por sua grosseria”, escreveu o americano. Seu último texto publicado seriam os comentários de Brasil x Croácia.

Diante da confirmação da morte de Grant Wahl, seu irmão Eric Wahl publicou um vídeo nas redes sociais fazendo uma acusação. Eric, que se apresentou como gay, relatou que seu irmão usou a camiseta do arco-íris em seu apoio e que vinha recebendo ameaças de morte desde então. Eric disse acreditar que Grant foi assassinado. O tema, entretanto, não foi citado pela Doutora Celine Gounder – que trabalhou para o governo dos Estados Unidos durante o combate recente da pandemia.

Nascido no Kansas, Grant Wahl estudou em Princeton e, por intermédio de Bob Bradley, treinador do time de futebol da universidade, chegou a fazer um intercâmbio no Boca Juniors. Em 1996, o americano passou a integrar a redação da Sports Illustrated e cobriu as próximas seis Copas do Mundo pela revista, assim como quatro edições das Olimpíadas. Wahl teve um papel importante na popularização do futebol nos EUA, através de suas reportagens. Além disso, também fazia coberturas de outros esportes. A primeira matéria de capa com LeBron James, ainda um talento no high school, foi assinada por Wahl. Ele também seria autor de um livro sobre a passagem de David Beckham pela MLS, que se tornou um dos mais vendidos nos EUA. Trabalharia paralelamente na Fox Sports, juntando-se em 2021 à CBS Sports, após ser demitido da Sports Illustrated no ano anterior – por bater de frente com a chefia em relação aos cortes salariais durante a pandemia.

Já a passagem mais célebre de Grant Wahl no futebol internacional aconteceu em 2011, quando ele anunciou sua intenção de se candidatar à presidência da Fifa. Sua ideia era propor uma oposição a Sepp Blatter, que lidava com as constantes denúncias de corrupção. “Aonde quer que eu vá, encontro muita insatisfação com a Fifa. As pessoas não estão satisfeitas com a forma como ela é administrada, mas até agora não houve como alguém registrar seus sentimentos. A Fifa precisa de uma limpeza de documentos do tipo Wikileaks para mostrar o que acontece”, declarou o americano, na época, em entrevista à BBC. “Eu sei que sou um tiro no escuro. Não tenho dinheiro para viajar pelos continentes e angariar apoio como Blatter, mas acho que deve haver uma federação disposta a apoiar um candidato que queira sacudir o sistema”.

Grant Wahl chegou a publicar um manifesto em que defendia a introdução da tecnologia na linha do gol, acabar com os cartões nas comemorações de gols, aumentar a participação feminina nas estruturas da Fifa e ampliar a transparência nos negócios da instituição. Sua candidatura, todavia, dependia da indicação de uma federação nacional filiada à Fifa. Ninguém tomou a iniciativa e Wahl acabou desistindo. O único concorrente de Blatter naquele pleito foi Mohammed bin Hammam, catariano que presidia a confederação asiática e teve papel influente na escolha do Catar como sede da Copa de 2022 – inclusive acusado de corrupção. Depois daquelas eleições de 2011, a Fifa inclusive mudou as regras eleitorais, aumentando para cinco o número mínimo de federações que precisavam endossar uma candidatura. Talvez o episódio mais concreto de como Grant Wahl mexeu com o sistema e causou impactos no mundo do futebol.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
Botão Voltar ao topo