Eliminatórias da Copa

O Uruguai encaixotou a Argentina na Bombonera, fatal para derrubar os campeões do mundo

O Uruguai voltou a vencer a Argentina fora de casa depois de 36 anos, com uma partida muito sólida na defesa e de velocidade alucinante da Celeste

A atual campeã do mundo, enfim, voltou a sofrer uma derrota. E a queda da Argentina nesta quinta-feira não foi em qualquer partida, mas num senhor clássico protagonizado pelo Uruguai nas Eliminatórias. A Celeste não vencia a Albiceleste em território vizinho desde 1987. Pois o hiato terminou com uma atuação maiúscula do time de Marcelo Bielsa, sem se intimidar com a pressão da Bombonera lotada. Não foi uma noite boa dos comandados de Lionel Scaloni, tímidos demais em suas ações, apesar de períodos com mais pegada. No entanto, há méritos dos uruguaios pela maneira como restringiram os argentinos. Os charruas mandaram na intermediária defensiva e causaram pesadelos nas transições em velocidade. O placar de 2 a 0 corresponde bem a superioridade dos visitantes.

O Uruguai criou bem mais chances ao longo da partida, desde os primeiros minutos. Darwin Núñez foi muito superior no duelo com Nicolás Otamendi, enquanto Maxi Araújo dava bastante fluidez na ponta esquerda, por onde vinham muitas jogadas. A Argentina se via travada na intermediária, com a marcação ferrenha dos uruguaios liderada por Manuel Ugarte. Num primeiro tempo quente, como se espera de um clássico, a Celeste tinha as ideias mais claras. Marcou o gol num lance de persistência de Matías Viña, para coroar a baita exibição de Ronald Araújo. O segundo tempo se tornou mais travado, também com muitas substituições. Nada que melhorasse a atuação burocrática da Argentina. Lionel Messi se viu encaixotado e teve seu melhor lance numa cobrança de falta que bateu no travessão. Ángel Di María até deu um respiro vindo do banco, mas nada contundente. Os charruas se defendiam com solidez e mataram o duelo num bolão de Nicolás de la Cruz para Darwin definir. A Argentina continua na liderança das Eliminatórias, mas o Uruguai encosta e se agiganta.

As formações

O clima na Bombonera era espetacular. Um bandeirão imenso tomou as arquibancadas quase inteiras, com uma mensagem de apoio a Messi, como num pedido para que ele siga em frente pela seleção. Fogos de artifício estouravam no estádio. Uma cena bonita também aconteceu quando Lionel Scaloni foi cumprimentar Marcelo Bielsa, seu ex-treinador na seleção, e deu um longo abraço. Tinha a companhia de Walter Samuel, Roberto Ayala e Pablo Aimar, todos membros da comissão técnica e antigos comandados de El Loco. O hino da Argentina ainda contou com uma apresentação especial, que aflorou mais os torcedores.

A Argentina entrou em campo com a base campeã do mundo. Emiliano Martínez abria a escalação. Nicolás Otamendi e Cristian Romero formavam a dupla de zaga, com Nahuel Molina e Nicolás Tagliafico nas laterais. O meio era ocupado por Alexis Mac Allister mais centralizado, com Rodrigo de Paul e Enzo Fernández caindo pelos lados. Já na frente, Messi ia da direita para o centro, com Julián Álvarez na referência e Nico González na esquerda. O banco muito qualificado ainda tinha Ángel Di María, Paulo Dybala e Lautaro Martínez.

O Uruguai contava com uma formação com pegada e velocidade. Sergio Rochet ficava no gol, com a defesa composta por Ronald Araújo, Sebastián Cáceres, Mathías Olivera e Matías Viña – este com muita liberdade para subir pelo lado esquerdo. Manuel Ugarte era o cadeado na cabeça de área, com Federico Valverde e Nicolás de la Cruz mais soltos. Facundo Pellistri subia pela ponta direita e Maxi Araújo era importante na esquerda, com Darwin Núñez circulando à frente. Luis Suárez era opção no banco.

Uruguai joga demais no primeiro tempo

Os primeiros minutos na Bombonera tinham mesmo cara de clássico. Era uma partida concentrada no meio do campo, com muitas divididas e pegada. Nenhum time aliviava nas chegadas. A Argentina até parecia mais disposta a controlar a partida de início, mas o Uruguai ganhou terreno em pouco tempo. A Celeste conseguiu ser mais perigosa. Aos dez minutos, Ronald Araújo roubou um passe e magistralmente emendou o lançamento de primeira. Darwin Núñez disparou sozinho no campo de ataque e deixou Otamendi comendo poeira. Na hora de definir, tirou demais de Emi Martínez e mandou ao lado da trave. Logo na sequência, em outra investida rápida, Maxi Araújo recebeu pelo lado esquerdo da área e cruzou, mas sem capricho, nas mãos de Dibu. A resposta da Albiceleste seria com Messi, num tiro de fora da área que Rochet encaixou sem problemas.

Messi vinha buscar a bola na intermediária para organizar a Argentina. Porém, não tinha vida fácil contra o robusto meio-campo do Uruguai, especialmente pela proteção de Ugarte. Podia não ser um início de partida com tantas finalizações, mas a intensidade dos times deixava o clássico interessante. E uma hora a confusão viria, como ocorreu aos 20 minutos. Nico González ficou caído na linha de fundo, após uma disputa com Ronald Araújo, mas a Celeste continuou o lance e Maxi Araújo tomou uma chegada dura quando tentou o contra-ataque. Os dois times trocariam empurrões e peitadas, com até Messi chegando mais firme para defender o seu fiel escudeiro De Paul. O camisa 10 meteu o cotovelo no peito de Olivera. Os ânimos seguiriam aflorados, sem que Wilmar Roldán demonstrasse muito controle.

Logo na sequência, Messi tirou Cáceres do lance e tomou uma falta de Ugarte na entrada da área. Mais confusão, com trocas de ofensas entre os dois times – Ugarte chegou a aludir que De Paul “presta favores sexuais” a Messi. Na cobrança frontal, porém, o camisa 10 carimbou a barreira. Quando o Uruguai voltou a jogar pelo chão, de novo conseguiu ser mais contundente. Outra vez Maxi Araújo apareceu pela esquerda e centrou o passe. De la Cruz tinha espaço na área, mas bateu torto e mandou sem direção. A Argentina pareceu se perder no destempero. O Uruguai era mais centrado e vinha para cima, com transições rápidas a partir das recuperações. De la Cruz voltou a experimentar, num chute da entrada da área que passou perto da trave. Curiosamente, o primeiro amarelo do jogo só saiu aos 32, quando Ugarte acertou De Paul.

Quando a Argentina tinha alguma sequência, era porque Messi bagunçava pelo centro do campo. Num dos lances em que fazia fila, Ronald Araújo só parou o lance com falta. A bola alçada na área ricocheteou para Julián Álvarez, livre. O atacante girou bonito, mas bateu sem direção. A Albiceleste avançava na reta final do primeiro tempo, com mais recuperações. O Uruguai ficava à espreita dos contra-ataques e, aos 40, Darwin ganhou na corrida para um cruzamento que Tagliafico rifou na hora exata, quando Pellistri estava pronto para fuzilar. E com os lances pelo lado esquerdo do time funcionando demais, o gol saiu aos 41.

A Argentina poderia ter feito muito melhor no lance, é verdade. Molina tinha a bola dominada e demorou a dar o chutão. Acabou entregando o ouro para Viña, que conseguiu fazer o desarme na linha de fundo. O lateral foi muito inteligente ao girar sobre o argentino e conectou o cruzamento rasteiro no meio da área. Ronald Araújo subiu em velocidade do outro lado e mandou a pancada cruzada, que Emi Martínez não conseguiu desviar com o pé. Durante a reta final do primeiro tempo. a Argentina chegou na base das bolas paradas. Uma falta lateral quase rendeu o empate aos 44. Messi fez o cruzamento fechado, que Rochet rebateu no meio do enrosco com os adversários. A Albiceleste sabia que teria trabalho para desamarrar o clássico no segundo tempo.

Uruguai anula a Argentina e mata no fim

Os dois times voltaram com mudanças para o segundo tempo. A Argentina botou Lautaro Martínez no lugar de Mac Allister. Álvarez abriu mais pela esquerda, com Nico González na direita. Já o Uruguai sacou Viña, com José María Giménez na zaga e Olivera equilibrando a lateral. O que não mudou foi a facilidade da Celeste para explorar o lado direito da defesa albiceleste. Logo na saída de bola, Giménez deu seu cartão de visitas com um baita lançamento para Maxi Araújo, que ganhou de Molina na corrida. O cruzamento saiu limpo, mas Darwin estava um segundo atrasado. O jogo uruguaio estava melhor encaixado. Os argentinos tinham problemas na construção, perdendo muito fácil a bola.

Diante daquilo que não progredia, a Argentina voltou a mexer aos oito minutos, com Ángel Di María na vaga de Nico González pela direita. O Fideo entrou com tudo e, depois de atazanar a marcação, sofreu uma falta no bico da grande área. Messi cobrou no capricho, aos 11, e a bola beijou o travessão antes de sair. Num momento que a Albiceleste parecia reagir, o Uruguai teve uma baixa sentida: Maxi Araújo se lesionou após uma disputa com De Paul. O ponta saiu chorando, de maca, com a entrada de Rodrigo Bentancur aos 18. Já a terceira novidade na Argentina foi Exequiel Palacios, com De Paul sacado.

A partida voltou a ficar concentrada na intermediária, mas num ritmo mais baixo, com os times dando sinais de desgaste. O que não era bom para a Argentina, pela falta de oportunidades com a bola no chão. Os cartões voltavam a pintar, com seguidas faltas dos dois lados. O jogo era confortável ao Uruguai, pelo tempo perdido e pela forma como os argentinos abusavam dos erros. Só aos 32 a Albiceleste deu um sinal de vida, num cruzamento de Di María que Rochet repeliu. As últimas trocas de Scaloni ocorreram nesta sequência, com Marcos Acuña e Giovani Lo Celso, para as saídas de Tagliafico e Álvarez.

Messi desapareceu nesta reta final. A lucidez da Argentina quase sempre dependia de Di María, com cruzamentos perigosos em busca de uma conexão na área. Aos 38, o ponta cobrou um escanteio fechado e Lautaro se antecipou para a cabeçada, mas Rochet afastou de soco, sem brincadeira. O Uruguai se preocupava mais em congestionar a entrada da área, mas um contra-ataque poderia resolver a parada para a equipe. Foi o que aconteceu aos 42, com o gol que fechou o caixão.

Desta vez Messi teve participação negativa no tento adversário. Prendeu a bola na entrada da área e demorou a definir. Bentancur fez o desarme e o contragolpe pintou com enorme velocidade. De la Cruz lançou na medida e Darwin mais uma vez deixou Otamendi na saudade. Partiu sozinho por todo o campo de ataque e não titubeou diante de Emi Martínez, com um chute por baixo das pernas do goleiro. Partida ganha. Agustín Canobbio ganhou minutos no lugar de Pellistri depois disso, assim como Federico Viñas fez sua estreia na vaga de Darwin. Até pela exigência física desse final, Luis Suárez acabou limitado ao banco. Seriam cinco minutos de acréscimos. Deu tempo de ouvir gritos de “olé” para os charruas na Bombonera, algo impensável.

O Uruguai assume a segunda colocação das Eliminatórias, com dez pontos. É uma senhora campanha, especialmente com as vitórias seguidas sobre os dois maiores rivais. A Argentina ainda preserva a primeira colocação, mas com uma atuação ruim que quebra a empolgação recente. A Albiceleste sofre sua primeira derrota desde o título na Copa do Mundo e também seus primeiros gols. São 12 pontos no topo da tabela, mas agora com a ameaça da Celeste. Será quente o clássico contra o Brasil no Maracanã.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreve na Trivela desde abril de 2010 e faz parte da redação fixa desde setembro de 2011.
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