Copa do Mundo

Duas décadas depois, um novo olhar a uma partida lendária: Holanda 2×1 Argentina, quartas de final de 1998

Num jogo mágico pelo nível elevado de emoção e pelo desfecho sublime concedido por Bergkamp, relembramos com detalhes como foram aqueles 90 minutos no Vélodrome

Um grande gol se grava na retina por diferentes motivos. Por sua beleza, por sua importância, pelo adversário do outro lado, pelo momento em que acontece. Neste sentido, o alinhamento dos astros não poderia ser mais preciso em Marselha, em 4 de julho de 1998. Quartas de final da Copa do Mundo, 45 do segundo tempo. Holanda e Argentina faziam um duelo cardíaco, no qual ambos poderiam ser vencedores ou vencidos, com uma expulsão para cada lado. O placar em 1 a 1 era modesto por tudo aquilo que as equipes tinham feito. Até que o lançamento precioso de Frank de Boer foi domado pelo bico da chuteira de Dennis Bergkamp. Um domínio ainda mais sublime. Roberto Ayala já fechava o chute quando o holandês deu um simples toque para fazê-lo passar reto. Refinado. Até o tiro seco com o peito do pé, sem misericórdia ao ajoelhado Carlos Roa. O melhor gol de sua carreira, segundo o próprio craque, que valeu à Oranje uma vaga nas semifinais do Mundial. Uma memória vivíssima do frequente Holanda x Argentina em Copas, que se repete em 2022.

“Foi o melhor gol da minha carreira. Também por causa de toda a situação. É um gol que te coloca na semifinal da Copa do Mundo, em um grande estádio, com tanta gente assistindo e torcendo… Fiquei muito emocionado depois. Eu nem sabia o que fazer! É o sonho de todo menino marcar um gol em uma Copa do Mundo. Mas daquele jeito… Fazer um gol como aquele, bem ao meu estilo. A maneira como você marca, o momento, em um jogo que realmente importa, isso tudo vale muito para mim. Eu amo o bom futebol, mas precisa significar algo. Precisa me levar a algum lugar. E isso aconteceu naquele gol. Quando fiz, me imaginei quando tinha sete ou oito anos, jogando futebol em casa, você sabe? É esse o momento! Foi um ótimo sentimento”, comentou Bergkamp, anos depois, à revista The Blizzard.

“É questão de criar um pequeno espaço. Então, você primeiro precisa receber a bola. Faz o contato no olhar. Frank sabia exatamente o que fazer. Ele estava me olhando, você entende a linguagem corporal. Então, corre com tudo. A bola vinha sobre o meu ombro, sentia onde estava. Mas você sabe que está correndo no limite da linha, a linha que te dará a chance de marcar. Se você errar, acabou. A bola vem e você tem duas opções. Pode dominar no chão, o que seria mais fácil, mas você está na linha de fundo. Então, precisa pular e se encontrar com a bola no ar, e ao mesmo tempo dominá-la”, continuou Bergkamp. “Eu não estava preocupado com o ângulo do meu pé, porque é algo que você faz todo o tempo. Eu sei que posso controlar quase todas as bolas que chegam para mim. Mas eu queria me estabilizar, não sabia o quão alto tinha pulado. Mas sabia onde queria a bola. Então, no ar, eu a encontrei. Há um pouco de cálculo, mas isso é experiência”.

“Mate a bola. E, de novo, você precisa cortar para dentro, porque o zagueiro está chegando. Ele está correndo com você e, assim que a bola mudar de direção, você também muda. Ele estará batido, o que te dará uma chance aberta. Bem, está um pouco para o lado, mas te dá a chance de chutar. A bola fez a curva que eu queria, para tirá-la do goleiro e entrar. Nem passou pela minha cabeça que ele defenderia… Porque quando você está neste momento… Você sabe, não tem como dar errado. Este é o sentimento. Depois dos dois primeiros toques… este é o momento! Você dá absolutamente tudo no movimento. É como se a sua vida fosse conduzida para que aquilo acontecesse”.

Marselha, Holanda 2×1 Argentina

Argentina e Holanda chegaram às quartas de final da Copa do Mundo como candidatas a sonhos maiores, especialmente pela força expressa de seus elencos. A fase de grupos holandesa ainda não empolgaria tanto, com uma vitória e dois empates num grupo difícil, que incluía Bélgica, Coreia do Sul e México. Porém, bater o time fortíssimo da Iugoslávia nas oitavas por 2 a 1, com um gol de Edgar Davids aos 47 do segundo tempo, parecia referendar as credenciais laranjas. A Argentina, por outro lado, sobrou no Grupo H. Venceu Japão e goleou a Jamaica, antes de confirmar a liderança diante da Croácia. Ainda assim, não escapou de pegar nas oitavas a Inglaterra, na segunda posição de sua chave. A vitória por 4 a 3 nos pênaltis, depois dos 2 a 2 com bola rolando, já era um dos épicos daquela Copa.

Daniel Passarella praticamente repetiu a formação da Argentina, com apenas uma troca na zaga. O time começava com Carlos Roa no gol. A defesa contava com Javier Zanetti e José Chamot dando proteção nas alas, além de uma respeitável dupla de zaga com Roberto Ayala e Roberto Sensini. Matías Almeyda fechava a cabeça de área, com Diego Simeone também mais recuado na contenção. Juan Sebastián Verón iniciava a ligação, que tinha Ariel Ortega mais solto pela direita. Já na frente, Claudio López abria em velocidade e Gabriel Batistuta servia como referência. O banco ainda contava com figuras como Hernán Crespo, Abel Balbo e Marcelo Gallardo se necessário.

Já a Holanda de Guus Hiddink parecia misturar na medida certa pegada e qualidade técnica, num grupo que deixava para trás as tensões étnicas da Euro 1996. Era um time que tratava bem a bola desde o goleiro, Edwin van der Sar. O sistema defensivo tinha Michael Reiziger e Arthur Numan como laterais, enquanto Jaap Stam e Frank de Boer formavam, por excelência, uma das maiores duplas que os laranjas já viram em Copas. A escalação do meio-campo começava com Edgar Davids e, desta vez, Wim Jonk, que ganhou a posição de Clarence Seedorf. Ronald de Boer armava na meia direita, enquanto Philip Cocu abria na esquerda. Já na frente, Dennis Bergkamp e Patrick Kluivert se entendiam como uma das melhores duplas do Mundial – com o retorno do centroavante, antes suspenso, no lugar de Marc Overmars. Além de Seedorf e Overmars, o banco tinha gente do calibre de Aaron Winter, Boudewijn Zenden, Giovanni van Bronckhorst, Pierre van Hooijdonk e Jimmy Floyd Hasselbaink. Até a comissão técnica impunha respeito, numa lista de auxiliares que incluía os veteranos Johan Neeskens, Frank Rijkaard e Ronald Koeman.

(GEORGES GOBET/AFP via Getty Images/One Football)

Quando a bola rolou no Estádio Vélodrome, as duas equipes deixaram bem claro estilos de jogo bastante diferentes. A Holanda trabalhava com passes e iniciava o seu jogo com mais cadência, inclusive com a participação dos defensores e de Van der Sar nesse trabalho. Já a Argentina tentava agir de maneira mais direta, com passes pelo meio. Ortega fazia longas conduções, enquanto Claudio López dava mais movimentação. Foram minutos iniciais em que a Albiceleste tentou pressionar um pouco mais no campo ofensivo. Porém, no primeiro cochilo da equipe, a Oranje quase mandou na caixa. Depois de uma série de rebatidas, Jonk pegou bonito na bola dentro da área, de primeira. Foi um tirambaço cheio de efeito que estalou a trave.

Desde os primeiros minutos, um claro embate se travou na meia-cancha: Ortega contra Davids. O camisa 10 da Argentina tinha seus dribles como grande recurso, mas o volante da Holanda não deixava o adversário respirar. Sempre chegava firme, por vezes cometendo faltas. E, nessa toada, os movimentos iniciais da partida viram o equilíbrio prevalecer. Os zagueiros se davam bem nas disputas. Stam demonstrava um ótimo senso de antecipação, mais solto em relação a Frank de Boer. Enquanto isso, numa zaga argentina que esbanjava técnica, o veterano Sensini estava no gás e teria uma arrancada rumo ao ataque.

A Holanda não demorou a encaixar seu jogo pela faixa central. Jonk oferecia bons passes, enquanto Ronald de Boer partia da meia direita para dentro. Quando a jogada laranja saiu, rendeu um lindo gol aos 12 minutos. Ronald de Boer enfileirou seus marcadores pelo lado direito. Passou por três e inverteu um lançamento para a entrada da área. Ainda mais fantástica seria a inteligência de Bergkamp, tão impressionante quanto a de seu famoso gol. O atacante posicionou o corpo como quem já sabia o que fazer e ajeitou a bola de cabeça para o meio da área, daqueles lances simples que evidenciam um jogador especial. O toque sutil do craque desmontou a marcação da Argentina e permitiu que Kluivert passasse sozinho. Diante de Roa, o centroavante não perdoou.

(Ben Radford/Allsport/One Football)

A Argentina precisava de um pouco mais de calma na hora de trabalhar suas jogadas. Conseguiu uma resposta dessa maneira, a partir de uma tabelinha conduzida por Verón. O meio-campista andava apagado, mas abriu a marcação holandesa com seu avanço e, depois de uma ótima devolução de Batistuta na parede, o companheiro não conseguiu alcançar de carrinho dentro da área. Mesmo assim, o empate não tardou, aos 17. Foi uma bola perdida por Bergkamp no meio. Ortega passou e Verón teve todo o tempo para armar o passe. Deu uma enfiada na medida para Claudio López, que contou com a linha de impedimento mal feita por Reiziger. O atacante teve uma frieza imensa diante de Van der Sar, ao ameaçar o chute e, com o goleiro no vácuo, bater por entre as pernas. Na comemoração, ergueu uma camiseta para comemorar o aniversário do pai. 

O gol de Claudio López premiava o início de partida mais ativo do atacante. Quem não participava tanto era Batistuta, embora se empenhasse bastante na marcação, para apertar a saída de bola e até buscar os desarmes. Na sequência do primeiro tempo, a Holanda avançou mais e fez a Argentina recuar. A Oranje melhorou quando Bergkamp passou a circular um pouco mais. Enquanto isso, o melhor contragolpe da Albiceleste saiu com Cláudio López, que até driblou em velocidade Van der Sar, mas ficou sem ângulo para o passe na linha de fundo e viu a zaga cortar a tentativa de acionar Batistuta.

Davids fazia uma partida impressionante. Parecia onipresente, sobretudo para destruir, mas tantas vezes tirava da cartola lances mágicos. Um deles começou numa arrancada quase na linha central, habilitado por um ótimo passe de Bergkamp para se livrar da marcação. O volante foi superando todo mundo, sem que ninguém brecasse sua corrida. Invadiu a área e, mesmo sem tanto ângulo, queimou o chute. Foi uma bola de muito perigo que saiu ao lado da trave. Os holandeses, aliás, pareciam não confiar muito em Roa. E o goleiro também dava motivos. Quase sempre o argentino rebatia os tiros de longe sem passar muita segurança. Aos poucos, a Oranje voltava a mostrar quem mandava.

(RABIH MOGHRABI/AFP via Getty Images/One Football)

Não era uma partida fácil para a Argentina, que perdia no meio-campo. Almeyda, muito recuado, subia pouco. Verón desaparecia no momento ofensivo, por mais que garantisse alguns desarmes. Já Simeone até buscou se projetar um pouco mais em arrancadas pelo lado esquerdo, mas não acertava muita coisa. Do outro lado, era interessante a participação de Ronald de Boer. Costumava bagunçar um bocado com suas fintas e armar bons lances. Jonk também fazia uma atuação interessante, com qualidade para bater na bola. A equipe pendia mais para o lado direito do campo, com Cocu pouco acionado na primeira etapa.

A Argentina só voltou a ter um lance de perigo na reta final do primeiro tempo, graças à iniciativa de Ortega. O Burrito geralmente conseguia faltas, mas não era tão criativo naquela tarde. Demorava para soltar a bola e tomava pancadas. Ainda assim, quase achou o gol no rompante. Numa pancada de longe com a perna direita, o camisa 10 estalou a trave de Van der Sar. Seria um golaço. Pouco antes do intervalo, a Albiceleste voltou a se adiantar em campo e buscar a virada. A defesa da Holanda se postava bem, sem muitas brechas. Havia um ótimo entendimento da dupla de zaga entre quem caçava e quem prendia, mas também um excelente senso de antecipação dos laterais Reiziger e Numan, com muitos desarmes. Porém, quando os argentinos encaixaram uma jogada, Simeone bateu da entrada da área e mandou uma bola a centímetros da trave esquerda de Van der Sar.

A Holanda voltou para o segundo tempo mais energizada. Era um time que pressionava mais no campo de ataque e recuperava a bola rapidamente. Além disso, Guus Hiddink corrigiu o desequilíbrio do time. Jonk passou a cair mais pelo lado esquerdo, permitindo triangulações com Numan e com Cocu. Os cruzamentos começaram a sair e renderam escanteios. No entanto, mesmo com desleixos da Argentina na bola pelo alto, a Oranje também deu bobeira na hora de concluir. De qualquer forma, a balança pendia ao lado laranja. Era um time muito consciente nas coberturas e sufocava os oponentes.

(Credit: Allsport UK /Allsport/One Football)

A bola parecia queimar no pé da Argentina durante esse início do segundo tempo. Errava demais na transição e permitia que os adversários roubassem a bola, enquanto em outros lances repetidamente cediam laterais. Nomes que deveriam pensar mais o jogo, como Ortega e Verón, ou estavam sumidos ou executavam mal. Batistuta acabava muito isolado e precisava voltar, com uma apresentação esforçada, mas sem tanta colaboração dos demais – especialmente porque o rendimento de Claudio López caiu. Enquanto isso, a Holanda esbanjava confiança. Num lance no campo de defesa, Davids deu um toque de calcanhar cheio de estilo para limpar um avanço adversário.

Bergkamp não fazia a partida mais constante, mas sempre oferecia algo diferente quando aparecia. Demonstrava pensar à frente nas jogadas e passou a produzir lances perigosos com Kluivert, que se movimentava mais, mas a conclusão não saía por detalhes. Méritos também de Ayala e Sensini, fantásticos na antecipação das jogadas. O primeiro, em especial, dificilmente perdia a viagem – chegava limpo para fazer os desarmes. O problema é que a Albiceleste sentia o baque. Eram muitos lançamentos a esmo, com o nervosismo evidente. Andava difícil superar Davids, monstruoso na recuperação.

Se por um lado Verón deixava a desejar, por outro ele sempre garantia os melhores lances da Argentina quando resolvia fazer algo mais à frente. Foi o que aconteceu aos 18 minutos, na melhor oportunidade da virada. Brujita puxou o contra-ataque e avançou com o campo aberto, até enfiar para Batistuta. Enfim, o centroavante recebeu a bola que esperou o jogo todo. O artilheiro dominou com um tapa que serviu para tirar Frank de Boer de ação. Dentro da área, com a meta à disposição, Bati chutou forte e Van der Sar, estático, não teve outra solução a não ser rezar. O míssil caprichoso explodiu na trave, que salvou os holandeses do pior.

(RABIH MOGHRABI/AFP via Getty Images/One Football)

A resposta de Guus Hiddink seria imediata, com a entrada de Overmars no lugar de Ronald de Boer. A Holanda ganhava um jogador ainda mais incisivo, e que buscava a linha de fundo. Um lance bastou para mostrar do que era capaz. Simeone, que fechava um pouco mais à esquerda da defesa, para Chamot funcionar como um terceiro zagueiro, teve o trabalho de marcar Overmars. O ponta deu um baile contra o capitão argentino. Girou e cruzou, para a cabeçada de Kluivert. Roa se esticou todo para o milagre e deu um leve desvio com a ponta dos dedos, mandando a bola por cima da meta. No escanteio, Stam também assustou numa cabeçada para fora.

Vendo as dificuldades do time, Daniel Passarella botou Mauricio Pineda na vaga de Almeyda. O defensor seria o responsável por perseguir Overmars. Com isso, Verón recuou um pouco mais e entrou na partida. Só que a participação maior da Brujita ainda era insuficiente para a Argentina, num segundo tempo ruim de Ortega, muito lento para soltar a bola. Já Claudio López, de aparições não mais que pontuais, pelo menos oferecia mais amplitude ao ataque e ocupava as pontas, sobretudo na esquerda. Tentava acionar Batistuta em cruzamentos e, numa dessas, Frank de Boer evitou o que poderia ser um gol do centroavante.

Num momento em que a Argentina dava sinais de vida após a contínua pressão, a expulsão de Numan serviu de banho de água fria à Holanda, aos 31 minutos. Até parecia que a Oranje havia desperdiçado seu momento no duelo. O lance do segundo cartão amarelo para o lateral esquerdo aconteceu na intermediária, numa falta dura sobre Simeone para tentar matar o contra-ataque. Os holandeses usavam a falta como recurso e alguns lances que deveriam favorecer a Argentina não haviam sido marcados. Quanto à expulsão, todavia, o árbitro foi perfeito na aplicação do cartão – mesmo que Simeone tenha valorizado demais no drama ao rolar no chão.

(BORIS HORVAT/AFP via Getty Images/One Football)

A Argentina não precisou de muito tempo para se impor no campo de ataque. Cocu recuou para fazer a lateral esquerda, mas a Albiceleste insistia por ali de qualquer maneira. Zanetti era muito mais ofensivo naquele momento, ao executar seus cruzamentos na linha de fundo. Numa dessas, quase Batistuta não cometeu o crime em cabeçada. Verón, por sua vez, tentava organizar seu time. Por pouco não entregou o ouro, numa bola que Davids partiu em velocidade. O volante perdeu a investida somente por causa de um desarme primoroso de Ayala, já na entrada da área. Apesar do susto, os argentinos adiantavam sua equipe em campo e conseguiam recuperações no campo de ataque.

O anticlímax para a Argentina aconteceu aos 42 minutos do segundo tempo, quando parecia que a prorrogação em vantagem numérica seria bastante favorável. Ortega se descontrolou e isso custou caro. Primeiro, num lance dentro da área com Stam, o camisa 10 tentou cavar o pênalti. Recebeu até o amarelo pela simulação. Logo na sequência, em meio às reclamações, Van der Sar foi provocar o armador – segundo suas próprias palavras, fez afirmações nada lisonjeiras sobre a mãe do adversário. Ortega não gostou e, mesmo sem tanta força, acertou uma cabeçada no camisa 1. Seria expulso com o vermelho direto, sem muitos motivos para se queixar. E num momento em que os times tentavam entender a nova mudança de rumos do confronto, ocorreu a genialidade de Bergkamp.

Na verdade, a Argentina ainda buscava o gol naquele momento, embora não contasse mais com um time tão avançado em campo. Foi uma ação de Claudio López pela esquerda, em arrancada que rendeu o cruzamento para o meio da área. Batistuta não alcançou e a sobra ficou com Frank de Boer. O zagueiro, então, encontrou um latifúndio para avançar. A ponta direita argentina, justamente a zona antes ocupada por Ortega, estava vazia. O zagueiro conduziu a bola da área até quase a linha central. Disparou um lançamento de mais de 50 metros, teleguiado, que atravessou todo o campo e caiu sereno no bico direito da grande área adversária.

(GEORGES GOBET/AFP via Getty Images/One Football)

Seria a vez de Bergkamp cuidar do resto. E como foi perfeito o atacante, em tudo. O domínio, uma de suas grandes especialidades, permitiu que a bola adormecesse próxima de seu corpo. Quando a marcação de Ayala (excepcional em todo o jogo) chegava, mais um toque do atacante fez o beque passar lotado. E então sobrava somente Roa. Com a mesma perna direita que tinha dado os dois toques anteriores, o craque efetuou a pincelada final da sua pintura. Foi uma finalização com o peito do pé, tão rápida quanto cheia de categoria. Com o movimento corporal completo, o arremate de efeito passou longe das mãos do goleiro e terminou onde precisava, nas redes. Era um balé completo do camisa 8.

Bergkamp colocou a mão no rosto, como se não acreditasse, e se deitou no chão. Quem realmente não conseguia crer era a Argentina, que deixava a situação sair de controle e sofria o segundo gol aos 45 do segundo tempo. Passarella acionou Abel Balbo nos acréscimos, no lugar de Chamot, e os albicelestes foram para o desespero. Quase sai o terceiro da Holanda num contra-ataque de Davids pela direita, mas Kluivert não desferiu a melhor cabeçada. Já o suspiro final seria dos argentinos. Sensini arranjou uma meia-bicicleta cheia de estilo, que parou nas mãos seguras de Van der Sar. Ninguém tiraria aquela vitória titânica da Oranje.

A Argentina sabia o tamanho da oportunidade que perdeu, pela força da geração. Passarella não era o técnico mais querido por suas decisões e deixou a desejar naquela partida, especialmente na demora para fazer alguma substituição no meio. Já Guus Hiddink fez trocas no 11 inicial e viu o time se beneficiar com suas escolhas. À Holanda, o título mundial parecia ser possível pela capacidade daquele elenco. A final não chegaria, mas renderia outro épico no duelo contra o Brasil na semifinal. História para se resgatar em outro momento das Copas.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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