Denúncia de jornal aponta que o Catar comprou a Copa 2022 – e parece que a Terra é redonda também

A Fifa precisa lidar com uma nova denúncia relativa ao Catar, sede da Copa do Mundo de 2022. Segundo o Sunday Times, a Al-Jazeera (no seu braço esportivo, atualmente renomeado para beIN Sports) pagou US$ 100 milhões à Fifa três semanas antes do Catar ser escolhido como sede da Copa do Mundo de 2022. A revelação faz com que a Fifa seja pressionada a lançar uma investigação sobre o assunto, que coloca mais pressão no país do Oriente Médio, que responde por diversas acusações desde que foi escolhido para sediar o evento, em dezembro de 2010. Basicamente, significa, caso os documentos alegados pelo Sunday Times sejam verdadeiros, que o Catar efetivamente comprou a Copa de 2022, para a surpresa de ninguém.
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As alegações são feitas no livro “Whatever It Takes – The Inside Story of Fifa” (“Custe o que custar – A história interna da Fifa”, em tradução livre), de uma delatora de dentro da candidatura derrotada da Austrália para 2022, Bonita Mersiades, em janeiro de 2018. Contudo, o que o Sunday Times fez foi conseguir acesso aos documentos mostrando que os executivos da Al-Jazeera assinaram um contrato com uma cláusula de US$ 100 milhões em bônus para a Fifa no caso do Catar ser escolhido como sede de 2022. O documento ao qual o diário teve acesso diz: “No caso da competição de 2022 ser concedida ao estado do Catar, a Al-Jazeera deverá, além da taxa de direitos, pagar à Fifa em uma conta designada o valor monetário de US$ 100 milhões”.
Além disso, o Sunday Times alega ter visto uma cópia de um segundo contrato secreto de direitos que prevê o pagamento de mais US$ 480 milhões que foi oferecido pelo Catar três anos depois. Este contrato, em específico, é parte de uma investigação de suborno da polícia da Suíça. Segundo o livro de Bonita Marsiades, havia preocupação entre os executivos da Fifa que uma vitória do Catar traria um déficit financeiro à entidade em 2022, pela menor possibilidade de ganhos com o evento, comparado à candidaturas como nos Estados Unidos, Austrália, Japão ou Coreia do Sul, os outros candidatos.
Por isso, foi definido esse bônus, segundo o livro, com pleno conhecimento do então secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke (o senhor “chute no traseiro”), que mais tarde seria condenado na própria Fifa por corrupção, banido por nove anos do futebol. Além de Valcke, outros 10 dirigentes do Comitê Executivo da Fifa na época (que tinha 22 membros) receberam algum tipo de punição, como banimento (temporário ou permanente), foram multados ou mesmo indiciados na justiça comum.
Boa parte deles pelo novelo que se desenrolou com o escândalo Fifagate, em uma investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do FBI. Alguns morreram antes de serem indiciados, como Nicolas Leoz. Entre os nomes punidos estão:
Michel Platini, então presidente da Uefa e muito próximo à candidatura do Catar, da qual era entusiasta;
Joseph Blatter, então presidente da Fifa, que caiu junto com Platini por um pagamento irregular ao francês por uma suposta consultoria;
Chuck Blazer, americano que se tornou o grande delator para o Departamento de Justiça americano, indo a reuniões da entidade com escutas que permitiram ao FBI juntar provas para condenação de diversos dirigentes;
Mohammed bin Hammam, catariano, membro importante da candidatura do Catar para 2022, e que tentou derrubar Blatter em 2011 comprando votos, o que o faria ser banido do futebol;
Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, que é acusado de diversos casos de corrupção, entre eles o escândalo da ISL, no começo dos anos 2000, no qual foi condenado na Suíça a pagar multa e alegações de receber subornos do Catar;
Issa Hayatou, então presidente da CAF, que se tornou presidente interino da Fifa quando Blatter foi suspenso, mas que também foi acusado pelo mesmo Sunday Times, em 2011, de receber suborno para votar no Catar em 2010;
Chung Mong-Joon, presidente da Federação Sul-Coreana de Futebol e que foi banido por seis anos por irregularidades no processo de campanha da Coreia do Sul para 2022;
Ángel Maria Villar, então presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), multado por não cooperar com as investigações sobre as candidaturas para 2018/2022, posteriormente preso na Espanha por suspeita de desvio de recursos da federação;
Julio Grondona, que morreu em 2014, aos 82 anos, acusado de receber propina pela Copa de 2010, para votar na África do Sul, além de acusações de manipulação de resultados na Argentina;
Jack Warner, um dos maiores picaretas da história do futebol, o trinitino foi presidente da Concacaf por alegações de corrupção (entre elas a venda de votos para Mohammed bin Hammam para a eleição da Fifa em 2011), além de ter sido indiciado pelas autoridades dos Estados Unidos por corrupção e que luta para não ser extraditado para os EUA e ter que responder por seus crimes em solo americano.
Com o acesso aos documentos, o Sunday Times entrou em contato com a Fifa, que respondeu dizendo que “as alegações ligadas ao processo de candidatura para a Copa do Mundo de 2022 já foram extensivamente comentadas pela Fifa, que em junho de 2017 publicou integralmente o relatório Garcia no site Fifa.com”, diz a nota. “Além disso, por favor note que a Fifa registrou queixa criminal no Procurador-Geral da Suíça, que ainda está pendente. A Fifa está e irá continuar a cooperar com as autoridades”, informa ainda o comunicado.
A beIN Sports também foi contatada para responder sobre as denúncias. Ao Sunday Times, um porta-voz da empresa afirmou que o bônus foi caracterizado como “contribuição de produção”, que são “práticas de mercado padrão e são muitas vezes impostas às emissoras por federações esportivas e titulares de direitos esportivos”.
“Há claramente um aumento significativo no interesse e nas receitas adicionais para uma emissora e custos de produção locais adicionais significativos para um detentor de direitos quando um grande evento esportivo é concedido no mercado doméstico de uma emissora”, respondeu ainda o porta-voz da beIN Sports. “Os acordos de mídia relevantes eram independentes de qualquer proposta e não pretendiam influenciar o resultado da votação”.
A Fifa precisará dar uma resposta sobre a questão e só dizer que coopera com as autoridades será pouco. Há uma desconfiança grande demais para que seja deixado em ritmo de cruzeiro, sendo que a próxima Copa do Mundo será no Catar e tantas suspeitas são levantadas sobre o processo que levou o país a conquistar a sede do evento. Desde que assumiu como presidente, Gianni Infantino tem falado sobre uma nova Fifa, com novas práticas, mais transparentes com o mundo. Pouco se viu que efetivamente corroborasse isso. Esta é uma nova oportunidade de Infantino agir e mostrar que quer esclarecer todos os pontos desse caso, dessas acusações que são muito graves.
As acusações anteriores de suborno eram atribuídas a indivíduos, dirigentes que receberam benefícios, financeiros ou de outra natureza, para votar pelo país do Oriente Médio. Desta vez, porém, envolve diretamente a Fifa, em um pagamento de centenas de milhões de dólares de forma a incentivar a entidade a conceder a Copa de 2022 ao país. A Fifa precisa fazer isso em prol dela mesma e do futebol, porque se não, talvez estejamos no processo de um segundo Fifagate para mostrar que a nova Fifa, na verdade, só mudou os processos, mas que a corrupção segue como parte integral da entidade. O que vai ser?
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