A Copa na televisão brasileira: 2006, reencontros e despedidas

Desde o sábado retrasado, até o dia da abertura da Copa, publicaremos uma série de especiais sobre a história dos Mundiais na televisão brasileira. Nesta terça, a décima-primeira parte, sobre a Copa de 2006. Clique aqui para conferir os textos anteriores.
Se muito mudara na compra de direitos de transmissão da Copa do Mundo no Brasil entre 1998 e 2002, para 2006 o cenário foi igual. Pelo menos, na tevê aberta. Por mais que a Record conseguisse o sublicenciamento das competições nacionais (Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e campeonatos estaduais), fortalecida pela parceria com a Traffic, e por mais que a Bandeirantes desse mostras de reação, não havia a menor perspectiva de pagar os US$ 15 milhões que a Globo pedia para compartilhar os direitos de exibição do Mundial, comprados com exclusividade para ela – e para o SporTV – por US$ 80 milhões.
Nem faltava vontade da emissora carioca, já prevendo as mesmas dificuldades de 2002 para venda das cotas publicitárias. Mas não adiantou: por mais que a Record tenha se valido da presença do narrador Éder Luiz na Alemanha (via Rádio Transamérica paulista, da qual Éder era o narrador principal) para alguns boletins, e por mais que a Bandeirantes se valesse da estrutura do Bandsports, como se verá, a Globo dominou tudo na televisão aberta. O que não ocorreu na televisão fechada, que teve mais dois canais a dividirem a chance de mostrar os jogos com o SporTV. Todos aboletados no Centro Internacional instalado no Centro de Feiras de Munique.
Vinheta de abertura da TV Globo nas transmissões da Copa de 2006
Globo
Narração: Galvão Bueno, Cléber Machado, Luis Roberto e Rogério Correa
Comentários: Falcão, Casagrande, Sérgio Noronha, Arnaldo Cezar Coelho, José Roberto Wright e Renato Marsiglia
Reportagens: Tino Marcos, Mauro Naves, Renato Ribeiro, Abel Neto, João Pedro Paes Leme, Pedro Bassan, Régis Rösing, Tadeu Schmidt, Marcos Uchôa, Maurício Kubrusly, César Tralli, Ernesto Paglia e Ari Peixoto
Apresentações: Fátima Bernardes, Glenda Kozlowski, Sandra Annenberg, Luiz Ernesto Lacombe, Christiane Pelajo e Pedro Bial
Se Globo e Globosat ainda eram departamentos relativamente separados na Copa de 2002, o domínio da TV Globo já começava a se valer dos canais por assinatura no grupo para auxiliar a cobertura da emissora-matriz. Foi um dos fatores a possibilitar o aumento de enviados – até porque ir à Alemanha causava menos transtorno do que à Ásia: foram 185 mandados pelo Grupo Globo para o Mundial: 160 pela TV Globo, mais 25 colaborando tanto para o canal quanto para SporTV e Globo News – um destes 25 era André Trigueiro (então apresentador do “Jornal das Dez”, informativo noturno na Globo News). De resto, a estrutura seguia o mesmo esquema de Copas anteriores. Lá estariam os habituais destaques: Galvão Bueno, Falcão, Casagrande, Arnaldo Cezar Coelho – estes, nas transmissões dos jogos do Brasil -, Tino Marcos, Mauro Naves, Abel Neto (repórteres focados na cobertura da Seleção Brasileira). Seguiriam os âncoras dos telejornais os apresentando da Alemanha: Fátima Bernardes no “Jornal Nacional” com William Bonner nos estúdios do Brasil, Pedro Bial no “Fantástico”, Sandra Annenberg no “Jornal Hoje”, Glenda Kozlowski, no “Globo Esporte”Christiane Pelajo no “Jornal da Globo” que apresentava desde 2005 ao lado de William Waack – responsável, nos estúdios, já durante a Copa, por “Para entender os Clássicos”, quadro do “JG” com o retrospecto dos encontros anteriores entre as grandes seleções que foram se encontrando no decorrer da competição.
Seguiriam as séries especiais pré-Copa – como as reportagens de Renato Ribeiro, sobre a Alemanha, e a série apresentada por Pelajo no “JG”, com entrevistas dos grandes destaques da Seleção (Kaká, Ronaldo, Ronaldinho). Seguiria a dupla Fátima Bernardes e Galvão Bueno apresentando o “JN”, dos hotéis em que a Seleção estivesse. Seguiriam Cléber Machado e Luis Roberto, ambos enviados à Alemanha, para a locução dos outros jogos. No Brasil, ficava o locutor titular da Globo Minas, já então usado esporadicamente nas transmissões nacionais: mineiro de Resplendor, Rogério Correa narrava sua primeira Copa, dos estúdios, comumente contando com Sérgio Noronha nos comentários. Valia ainda o destaque para mais um comentarista de arbitragem: Renato Marsiglia, que saía da RBS/Rádio Gaúcha para seu primeiro Mundial na Globo. Todos rumando para o mesmo esquema de sempre na exibição das 64 partidas da Copa: 56 jogos ao vivo, os oito simultâneos da última rodada da fase de grupos em VTs no dia seguinte.
Jogos do Grupo A da Copa de 2006, na primeira rodada, no dia de abertura do torneio, na transmissão da TV Globo; Alemanha 4×2 Costa Rica, o jogo de abertura, com a narração de Galvão Bueno, e Equador 2×0 Polônia, com a narração de Cléber Machado
Só havia uma mudança, a bem da verdade, no esquema global: a mesa-redonda em dias de jogos do Brasil passava a ter um horário fixo. Aos domingos, após o “Fantástico”, teria lugar na programação o “Brasil na Copa”, debate que começou um domingo antes da Copa – dia em que o Brasil vencera amistoso contra a Nova Zelândia, por 4 a 0 – e seguiu até a eliminação daquela Seleção. Claro, Galvão Bueno mediava/debatia junto dos companheiros de cabine, tendo em Fátima Bernardes e Pedro Bial dois convidados praticamente fixos. Assim começaram os dias de competição para a Globo naquela Copa – com as transmissões iniciadas por um balé, coordenado pela coreógrafa Deborah Colker, simulando o tremular das bandeiras dos países que se enfrentassem.
No Alemanha 4×2 Costa Rica da abertura, em 9 de junho de 2006, Galvão Bueno iniciou a partida com uma homenagem: lembrando Fiori Gigliotti (1928-2006), antológico narrador do rádio paulista, falecido no dia anterior, o narrador da Globo começou com o “abrem-se as cortinas e começa o espetáculo” com que Fiori também iniciava as partidas. No dia seguinte, Sérgio Noronha causou má impressão ao comentar “: chamado por Rogério Correa para suas primeiras perspectivas, disse que tinha curiosidade para ver Ibrahimovic, já então o grande destaque sueco, “pois ouvira falar que ele era muito bom”. Por fim, viera o “.
Até então, também estava lá na Alemanha uma “velha” novidade: o retorno do “Casseta & Planeta, Urgente!”, com os enviados gravando esquetes na Alemanha tanto para os programas noticiosos quanto para o programa semanal. Havia certa discordância interna, entre quem já fosse próximo demais dos alvos das piadas – como Bussunda, que mantinha relação cordial com Ronaldo – e quem visse tal aproximação com críticas, como Marcelo Madureira. Mas o trabalho seguia. Após o triunfo brasileiro na estreia, Bussunda até gravara um esquete, com Hélio de la Peña como “Ronaldinho Gaúcho” e Cláudio Manoel como torcedor. No esquete, a imitação clássica de Ronaldo dizia, evocando as críticas reais: “Queria aproveitar para mandar um recado para a imprensa brasileira: gordo é a…”. Nas viagens que o grupo fazia, o fanático flamenguista até fizera piada com Juca Kfouri, que o convidara para colunas na revista “Placar”, escritas entre 1995 e 1998: “Vem cá: tirando a Argentina, você viu alguma seleção melhor do que o Flamengo nesta Copa?” – a Albiceleste já goleara Sérvia e Montenegro, àquela altura. Foi deste encontro fortuito que saiu a foto deste texto.
Era assim o cenário. Até 17 de junho de 2006. No hotel em que a equipe do “Casseta” se hospedava, na cidade alemã de Parsdorf, Bussunda jogou uma partida de futebol com seus colegas, contra alguns turistas norte-americanos, no dia anterior. Sentindo falta de ar (era asmático), deixou o jogo no meio, mas apenas se disse cansado. Foi dormir, e no café da manhã do 17 de junho, disse que passara mal por toda a noite. Os colegas aconselharam que procurasse um hospital, mas ele não quis. Aí… Cláudio Manoel descreveu o que se passou, no “Jornal Nacional” daquele dia: “Por sorte, tinha uma equipe de paramédicos hospedada no mesmo hotel em que a gente está. Ele foi atendido instantaneamente: o médico chegou, começaram a conversar, perguntaram o que ele estava sentindo, [ele teve] parada cardíaca, e aí… é isso, é a avalanche”. No mesmo noticiário, Beto Silva chorava: “Tá muito difícil, cara, muito difícil”.
Morria naquela manhã o Urso Montanha, companheiro de Carlos Massaranduba; morria Marrentinho Carioca, do Tabajara FC; morria a imitação de Ronaldo – naquela Copa, “Ronaldo Fofômeno”; morria aos 43 anos Cláudio Besserman Vianna, o “Besserman Imundo” que, por diminuição, foi se tornando Bussunda. A participação do “Casseta & Planeta, Urgente!” na Copa estava abruptamente encerrada, com todos voltando ao Rio de Janeiro para os funerais. E a cobertura da Globo sofria duro golpe. Lamentado no “Esporte Espetacular” do dia seguinte, com um texto de Sidney Garambone lido por Pedro Bial. Lamentado por Galvão Bueno, na abertura da transmissão de Brasil 2×0 Austrália: “Que Deus possa ter recebido muito bem um querido amigo nosso e querido amigo de todos os brasileiros. Em dia de jogo do Brasil, nós ainda estamos todos muito machucados”.
Homenagem do “Esporte Espetacular” a Bussunda, em 18 de junho de 2006, um dia após a morte do humorista
Mas a Copa continuou. A vinculação da Globo à Seleção Brasileira parecia umbilical: por várias vezes, os jogadores da equipe eram chamados para entrevistas, mesmo que elas fossem para o “Jornal Nacional”, já com a madrugada alemã no fuso horário. Ainda havia motivos para festejo, com os 3 a 0 sobre Gana, nas oitavas de final. Mas simultaneamente, Portugal já começava a virar a “segunda opção” em importância. Tanto que coube a Galvão Bueno narrar a vitória sobre a Holanda, também nas oitavas. Bastou a eliminação da Seleção para a França para que o “Jornal Nacional” já trouxesse algumas críticas, em meio a certo desânimo (“As pessoas ficam mais retraídas, se protegem mais, então é complicado você falar das derrotas, as barreiras são maiores, o desafio é maior”, refletiu Glenda Kozlowski ao projeto “Memória Globo”). E para que as críticas sobre a cobertura da TV Globo, já então consideráveis, se avolumassem.
Trecho inicial do “Jornal Nacional” de 1º de julho de 2006, trazendo a repercussão da derrota brasileira para a França, nas quartas de final da Copa do Mundo, horas antes
A partir de então, a seleção portuguesa foi definitivamente abraçada pela Globo: França 1×0 Portugal foi narrado por Galvão Bueno. No entanto, a narração mais elogiada foi a da outra semifinal: Cléber Machado viveu grandes momentos, no Alemanha 0x2 Itália que é apontado quase unanimemente como a melhor partida daquela Copa.
Alemanha 0x2 Itália, semifinal da Copa de 2006, na transmissão da TV Globo, com a narração de Cléber Machado
Mas a final ficou mesmo com Itália e França. Ao flagrar a cabeçada de Zidane em Materazzi, Galvão Bueno esqueceu todos os elogios feitos ao ás francês desde a atuação estupenda contra os brasileiros: “Ô, Zidane… você não merece mais nada! Você estragou sua Copa do Mundo!”. E ao ver o quarto título italiano, evocou a euforia de 1994, em meio ao desânimo global: “Acabou! Quem nos pênaltis perde, um dia nos pênaltis ganha!”.
Transmissão de Itália 1(5)x1(3) França, final da Copa de 2006, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno
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TV por assinatura
Vinheta de apresentação do SporTV Copa, canal especial do SporTV para a exibição dos jogos. Postado no YouTube por Diler
SporTV
Narração: Luiz Carlos Jr. e Milton Leite/Eduardo Moreno, Jota Júnior, Daniel Pereira, Lucas Pereira e Roby Porto
Comentários: Paulo Cesar Vasconcellos, Telmo Zanini e Alex Escobar/Roberto Assaf e Maurício Noriega
Reportagens: Kiko Menezes e Victorino Chermont
Apresentações: Marcelo Barreto e Luís Roberto
Convidados: Armando Nogueira, Renato Maurício Prado, Cláudio Carsughi, Tite e Ana Paula Oliveira
Em 2002, o SporTV ainda mantinha certa independência em relação à Globo – como de resto, os outros canais da Globosat. A partir de 2003, por vontade do Grupo Globo em manter certa “sinergia”, isso acabou: para o bem e para o mal, cada vez mais, profissionais da “emissora-mãe” passaram a transitar pelos canais fechados do grupo, e vice-versa. Para citar um exemplo: 2003 marca o início do “Bem, Amigos!”, debate comandado por Galvão Bueno no canal. E a primeira Copa exibida pela emissora esportiva em regime de “parceria” com a Globo foi prova disso. Basta lembrar outros programas iniciados em 2003 que eram destaques na programação para a Copa: o “Redação SporTV”, apresentado por Luis Roberto, abrindo os dias na Alemanha, e o “Arena SporTV”, ainda na marcante fase sob o comando de Cléber Machado, como debate a partir das 14h.
O que não queria dizer que o SporTV não recebia investimentos só para si. Longe disso. Em 2005, num lance ousado, tirou da ESPN Brasil dois dos destaques do canal: de uma só tacada, em abril chegavam Milton Leite e Paulo Cesar Vasconcellos ao canal do bairro carioca do Rio Comprido – Milton para narrar, Paulo Cesar para comentar e ser o chefe de reportagem do canal. No ano anterior, passara a receber as primeiras oportunidades no canal, ainda comentando, um sujeito que já fora comissário de bordo e cantor antes de embalar no jornalismo, a bordo do programa “Rock Bola”, na Rádio Cidade carioca: Alex Escobar. Ele não só foi um dos enviados à Alemanha, como trabalhou bastante ao lado de Milton Leite: junta, a dupla transmitiu nada menos do que 28 dos 64 jogos da Copa. E além de pessoal, o investimento no SporTV era tecnológico: além do advento do SporTV 2, em 2003 (já desonerando o assinante de pagar pacotes pay-per-view para a Copa, como em 2002 – afinal, os dois canais garantiam os 64 jogos ao vivo), haveria na Copa de 2006 o “SporTV Copa”, terceiro canal que exibia os jogos com imagem widescreen e som digital, com a narração de Daniel Pereira.
Na hora das transmissões, Luiz Carlos Jr. ainda era o principal narrador, sem os revezamentos atuais com Milton Leite: coube a ele narrar o jogo de abertura, a final e as partidas da Seleção, tendo ao lado Paulo Cesar Vasconcellos. Como já dito, cabia a Milton Leite e Alex Escobar mostrar os outros jogos na Alemanha. A maioria das duplas de transmissão ficou mesmo no Brasil: Jota Júnior, Roby Porto, Lucas Pereira e Eduardo Moreno narrando, Roberto Assaf e Maurício Noriega comentando. Cabia a Noriega ainda apresentar um programa de debates, a partir das 20h de Brasília, nos estúdios em São Paulo. Nascia ali, restrito à Copa, um programa que hoje entrou na grade de programação em termos definitivos: o “Seleção SporTV”. Que então, contava com um grupo variado de convidados a cada dia. Podiam estar junto a Noriega nos estúdios tanto Cláudio Carsughi, quanto a auxiliar de arbitragem Ana Paula Oliveira, quanto ainda um certo Tite – então treinando o Palmeiras. Além dos debates, havia ainda apresentações de reportagens.
Entrevista de Pedro Bial com Zagallo, apresentada por Mauricio Noriega no “Seleção SporTV” de 12 de junho de 2006
As reportagens também eram previsivelmente exibidas no “SporTV News na Copa” e no outro programa de debates, o “Papo de Copa” – comandado então por Eric Faria. Nos debates feitos dos estúdios no IBC de Munique, o “Redação SporTV” e o “Arena SporTV” contavam tanto com participações do Brasil (exemplo foi Milly Lacombe, meses antes do rumoroso erro que rendeu processo de Rogério Ceni e inviabilizou sua permanência no canal) quanto com enviados à Alemanha. Um deles era Telmo Zanini (última Copa do hoje diretor da Globo Esportes à frente das câmeras). Outro era um nome histórico que, ninguém sabia, fazia sua última Copa: Armando Nogueira, meses antes de ter descoberto o tumor no cérebro que o mataria em 2010, aos 83 anos. Que fora um símbolo dos primeiros tempos da TV Globo – e de certa forma, simbolizava também a vinculação entre Globo e SporTV que só se fortaleceria a partir daquela Copa.
Brasil 2×0 Austrália, pela fase de grupos da Copa de 2006, na transmissão do SporTV, com narração de Luiz Carlos Jr. e os comentários de Paulo Cesar Vasconcellos
ESPN Brasil
Narração: João Palomino, Paulo Andrade e Paulo Soares/Eduardo Monsanto, Luiz Carlos Largo, Carlos Lima, Rogério Vaughan e Cledi Oliveira
Comentários: Paulo Vinicius Coelho, José Trajano, Paulo Calçade e Gerd Wenzel/Mauro Cezar Pereira, Silvio Lancellotti e Alexandre Oliveira
Reportagens: André Plihal, André Kfouri, Helvídio Mattos, Rubens Pozzi, André Argolo e Eduardo Elias
Apresentações: João Palomino, Paulo Soares, Soninha Francine/João Carlos Albuquerque, Rogério Vaughan e Lilian Fernandes
Participações: Juca Kfouri, Antero Greco, Márcio Guedes e Fernando Calazans/Flávio Gomes, Arnaldo Ribeiro e Celso Unzelte
Mesmo que a cobertura de 2002 tivesse sido elogiada, com os vários programas criados para a época da Copa, fazia falta para a ESPN Brasil ter acesso aos direitos de transmissão dos jogos. O sonho foi acalentado sem pressa, como José Trajano, diretor de jornalismo da emissora paulistana, dizia à revista “Imprensa”, em junho de 2005: “Nós já estamos em negociação com a Infront, mas não temos nada definido. Em 2002 nós não tínhamos nem credencial e fizemos 24h de programação. Nada nos espanta mais”. A espera acabou feliz: em agosto de 2005, o canal do bairro do Sumaré anunciava que mostraria sua segunda Copa do Mundo. E a cobertura seria mais ambiciosa em relação a 1998.
Para começo de conversa, ao invés de ser conduzida independentemente da ESPN Internacional (com operação em Bristol, Connecticut, sede mundial da ESPN), a filial brasileira teria agora o controle dos dois canais – o que significava, obviamente, exibir os 64 jogos da Copa ao vivo. Antes do início das disputas na Alemanha, havia a mobilização habitual do canal, exibindo tanto os campeonatos europeus e a Liga dos Campeões quanto programas produzidos especialmente para a Copa. Era o caso de duas produções do exterior: “Especial FIFA 2006”, sobre cada uma das 32 seleções, e “Glória, suor e lágrimas”, parceria da Fifa com a BBC inglesa sobre as seleções campeãs mundiais. E ainda havia a reapresentação da série “C.O.P.A. (Cultura, Organização, Política e Arte)”, um dos programas mais elogiados em 2002. Como prévia para a Copa, a transmissão da final da Liga dos Campeões com a equipe de transmissão em Paris: no Stade de France estavam João Palomino, narrando com os comentários de José Trajano e Paulo Vinicius Coelho, já sendo chamado de PVC. Justamente os três que fizeram as transmissões dos jogos da Seleção Brasileira naquela Copa.
João Palomino, José Trajano e Paulo Vinicius Coelho, diretamente de Paris, participando do “Bate-Bola”, em 15 de maio de 2006, antes da final da Liga dos Campeões daquele ano. Postado no YouTube por Diler
Palomino, Trajano e PVC seriam apenas três dos símbolos daquela cobertura. Foram para a Alemanha Paulo Soares e Paulo Andrade, como narradores; André Plihal e André Kfouri, como os repórteres na cobertura da Seleção Brasileira; Helvídio Mattos, acompanhando o dia no resto da Alemanha; Paulo Calçade, como outro comentarista; e Gerd Wenzel, não só participando dos jogos da Alemanha, como também ajudando na logística da cobertura, nativo de Leipzig que é. Sem contar as demais participações habituais do canal: presentes como colunistas de seus respectivos jornais, Juca Kfouri, Antero Greco, Márcio Guedes e Fernando Calazans eram presenças certas no “Linha de Passe” diário, durante a Copa, apresentado ora por Palomino, ora por Paulo Soares – por sinal, “Amigão” conduzia o “Linha de Passe” na Copa, dois meses após o famoso incidente com José Trajano, no mesmo programa, em abril, rapidamente resolvido dias depois.
Abertura do “Linha de Passe”, durante a Copa de 2006, com João Palomino apresentando e tendo no debate Juca Kfouri, José Trajano e Márcio Guedes
No “Bate-Bola”, a apresentação seria dupla. Na edição da hora do almoço, Eduardo Monsanto, chegado havia pouco tempo ao canal, após experiências no Premiere; na edição da tarde, João Carlos Albuquerque. Junto a eles, a retaguarda da ESPN no Brasil – com gente como Flávio Gomes e Arnaldo Ribeiro, em seu primeiro ano na ESPN, ainda se alternando como redator-chefe da revista “Placar”. Na Alemanha, Soninha Francine ajudava no comando do programa, junto do comentarista da vez. Ainda no Brasil, também para os jogos, ficaram os narradores Cledi Oliveira, Rogério Vaughan, Carlos Lima, Luiz Carlos Largo e o supracitado Monsanto, além dos comentaristas Mauro Cezar Pereira, Silvio Lancellotti e Alexandre Oliveira. Na edição noturna do “Sportscenter”, Vaughan, Mauricio Jahu e Lilian Fernandes seriam os condutores. Finalmente, João Carlos apresentaria o “Loucos por Copa” (já então como “Loucos por Futebol”, apenas remodelado), com Celso Unzelte a seu lado e mais um convidado – inclusive, no 9 de julho da final daquela Copa, o convidado do programa foi um futuro conhecido da ESPN e desta Trivela: Leonardo Bertozzi.
Com Paulo Soares e Gerd Wenzel abrindo a Copa na transmissão de Alemanha 4×2 Costa Rica, se abria uma Copa marcante para a ESPN. Nos momentos bons: na vitória alemã sobre a Argentina, nas quartas de final, com a mesma dupla da abertura, Gerd Wenzel chorou no final da transmissão junto ao “Amigão”, emocionado com o triunfo nos pênaltis. A emoção de Portugal 1×0 Holanda, em meio à violência, foi celebrada por PVC, que em seus papeis de anotação, escreveu “Felipão é um monstro” – e foi “entregue” por João Palomino. Nos momentos ruins, também: no “Linha de Passe” do 1º de julho da queda do Brasil para a França, José Trajano disse que nem gostaria de falar muito, para não “tripudiar” dos que acusavam a ESPN de “torcer contra”.
O último dia daquela cobertura também deixou marcas nos participantes. Na decisão, além de Palomino e PVC, Paulo Calçade recebeu prêmio: Trajano optou por escalá-lo em seu próprio lugar, para a transmissão de Itália x França, no Estádio Olímpico de Berlim. No “Linha de Passe”, discursando em homenagem à equipe que trabalhara na Alemanha, Trajano tinha os olhos marejados. Mas o momento mais marcante, para muitos que estavam na ESPN, não foi pego por câmera alguma. Ocorreu tão logo o “Linha de Passe” derradeiro terminou, e quem conta é André Kfouri: “Foi um momento particular, que diz respeito às pessoas que participaram daquela cobertura em um contexto, digamos, pessoal. Foi uma reunião informal, espontânea, quando o trabalho terminou e o longo período de cobertura chegou ao final. Uma grande conversa em grupo, com espírito de companheirismo e amizade, que entrou pela madrugada e terminou no café da manhã. Eu guardo aquela experiência com muito carinho”.

Bandsports
Narração: Luciano do Valle, Silvio Luiz e Eduardo Vaz
Comentários: Dunga, Mauro Silva, Muller, Antônio Petrin, Mauro Beting e Erich Beting
Reportagens: Antônio Petrin e William Lopes
Apresentações: Elia Júnior e Silvio Luiz
Participação: Reali Jr.
Não era (ainda) a volta da TV Bandeirantes a uma Copa do Mundo. Mas era quase como se fosse. Primeiramente, porque o Grupo Bandeirantes inaugurara em 13 de maio de 2002 o Bandsports, concretizando o velho sonho de Luciano do Valle: uma emissora dedicada 24 horas ao assunto. A emissora-mãe da empresa ainda retomava a tradição de exibir campeonatos europeus (Espanhol, Italiano, a própria Liga dos Campeões) naquela temporada 2005/06, pela parceria que tinha com o então nascente Esporte Interativo. Ainda em 2005, o Bandsports comprou os direitos de transmissão, junto à Infront, empresa suíça designada pela Fifa para as negociações. Finalmente, em janeiro de 2006, o grande símbolo esportivo do canal dos Saad estava de volta: após dois anos de “empréstimo” à Record, entre 2003 e 2005, Luciano do Valle retornava à Bandeirantes – e ao Bandsports.
A volta de Luciano ao Grupo Bandeirantes foi divulgada até em outdoors nas ruas. E se o que valia era ir ao ar, Luciano foi ao ar em outro retorno da Bandeirantes para 2006: o “Apito Final”. Remodelado, o programa de debates passou a ter edição semanal, desde janeiro de 2006. Além disso, os sábados traziam o “Conexão Copa”, série de reprises de gols e de compactos de antigas partidas em Copas, com a apresentação de outro símbolo da era “Canal do Esporte”: Silvio Luiz, que seguira firme e forte na emissora à qual voltara em 1999, mesmo após problemas de saúde (como um pólipo na garganta, em 2000). Outro remanescente da cobertura da Copa de 1998 pelo canal paulistano do bairro do Morumbi era Mauro Beting, que iria à Alemanha como comentarista – assim como seu primo Erich. Também estaria no país-sede da Copa Elia Júnior, como principal apresentador dos programas noticiosos do Bandsports (um exemplo: o “Bandsports News”). Finalmente, faria participações pontuais nos debates do Bandsports Reali Jr., que seguia baseado na França – e retomava com Silvio Luiz uma parceria vista no começo da carreira de ambos, na TV Record, na década de 1950.
Todavia, a principal novidade do Bandsports naquele Mundial não era humana, e sim tecnológica. Graças a uma parceria com a Telefonica e a Gradiente, mais o fornecimento de sinal pela operadora TVA, o canal esportivo da Bandeirantes foi o primeiro na história da televisão brasileira a transmitir uma Copa com as imagens em alta definição – pelo menos, para quem tivesse um televisor Gradiente e assinasse os serviços da TVA. Previsivelmente, Silvio Luiz se valeu disso para mais um bordão: nas narrações que fez durante a Copa, sempre que possível, lembrava que a transmissão do Bandsports era em “hiiiigh… definition”.
Silvio Luiz lembrando a transmissão em “hiiiigh definition” do Bandsports, durante Inglaterra 1×0 Equador, oitavas de final da Copa de 2006
No Brasil, ainda ocorreram programas como o “Na Geral na Copa”, no qual o trio Zé Paulo da Glória-Lélio Teixeira-Beto Hora opinava sobre a Copa no típico tom humorístico que exibia normalmente na tevê e na rádio Bandeirantes. Mas foi da Alemanha que passaram a ser baseados todos os principais programas do canal: o “Bandsports News”, o “Depois do Jogo” (apresentado por Silvio Luiz a partir das 18h, do IBC em Munique, com o resumo do dia na Copa) e o “Apito Final”, reinaugurado em janeiro para ter seu ápice naqueles 30 dias de Copa. Além de transmitir os jogos do Brasil e os outros prélios mais importantes daquele torneio, Luciano do Valle conduzia o debate diário, junto de Silvio Luiz, Reali Jr. e dos companheiros nas transmissões: Mauro Beting, Muller, Mauro Silva e Dunga. Sim, o nome que sucederia Carlos Alberto Parreira no comando da Seleção Brasileira após aquela Copa acompanhou as partidas da Seleção – e outras várias no Bandsports. Mereceu elogios de Silvio Luiz pelo comportamento, em entrevistas posteriores do narrador, como para o site R7, em 2010: “Ele era um cara cumpridor dos horários, ponderado. Dividia o almoço com a gente, caminhava comigo 40 minutos toda manhã. Trocava ideias, dava risada, viajava de Kombi, era um companheiro 100%”.
Ponderação que passaria longe em 2010.
Ah, sim: claro que não esquecemos do momento mais marcante das transmissões esportivas brasileiras na Copa de 2006. Como ocorreu no dia da final da Copa, no “Bola na Rede” – debate da Rede TV -, também entra no final deste texto.
Na próxima parte: para 2010, a Bandeirantes retorna aos Mundiais também na televisão aberta. No entanto, é a Globo que chama a atenção – principalmente por um entrevero entre Dunga e Alex Escobar. Nos canais fechados, seguem as três opções