A Copa na televisão brasileira: 1986, com a concorrência grande

Desde o último sábado, até a véspera da abertura da Copa, publicaremos uma série de especiais sobre a história dos Mundiais na televisão brasileira. Nesta quinta-feira, a sexta parte, sobre a Copa de 1986. Clique aqui para conferir os textos anteriores.
Àquela altura, em 1986, embora as telecomunicações ainda fossem muito distantes do ponto em que estão atualmente, falar em sérios problemas técnicos durante Copas do Mundo já parecia coisa do passado. Não era, e o Mundial sediado no México provou isso. É claro que as exigências deviam ser menores, com um país vitimado por um violento terremoto de oito graus na escala Richter, em 19 de setembro de 1985. Ainda assim, tendo em vista que a nação que sediava a Copa também sediava o colosso de telecomunicações que é a Televisa (fusão do antigo Telesistema Mexicano com a Televisión Independente, em 1973), ver os problemas que vitimaram as emissoras de televisão exibindo a Copa em todo o mundo era quase inacreditável.
Mesmo com a Televisa se responsabilizando pelas instalações técnicas para os profissionais de imprensa – e que seu vice-presidente, Guillermo Cañedo (1920-1997), tenha sido nome decisivo não só para fazer do México o país-sede da Copa após a desistência da Colômbia, em outubro de 1982 -, o Mundial de 1986 começou com um verdadeiro caos técnico para a televisão. Basta ver o que noticiou a “Folha de S. Paulo”, em 4 de junho, quinto dia de jogos: “A emissora de televisão da Grã-Bretanha tomou seu lugar no estádio Jalisco para transmitir o jogo entre Brasil e Espanha. (…) E os telespectadores nada viram. Devido à confusão que se transformou o sistema de comunicações no México, a emissora britânica transmitiu para os estúdios da TV Globo na Cidade do México e não para Londres. (…) Resultado: ontem, 73 emissoras de televisão enviaram ofício ao Comitê Organizador da Copa, informando que não pretendem pagar os direitos de transmissão por causa da bagunça. E 45 emissoras europeias ameaçam suspender as transmissões por período determinado – em princípio, fala-se em três dias – para protestar contra as deficiências técnicas no México. Em cada jogo, cerca de 30% das emissoras de televisão não conseguem enviar sinal”.
Azar dos telespectadores, que viam vários desses problemas. Inclusive no Brasil, que nem foi o mais vitimado dos países. Eles já começaram em Itália 1×1 Bulgária, o jogo de abertura, como Nelson Pujol Yamamoto noticiou na “Folha” de 1º de junho de 1986: “No jogo entre Itália e Bulgária, os deuses acabaram, afinal, abençoando a Globo. Foi a única a não ser assolada por falhas técnicas. Na Bandeirantes e no pool SBT-Record, os chiados eram constantes. Na Manchete, a narração do locutor Paulo Stein tinha como pano de fundo as deblaterações de um colega de rádio e as intervenções do comentarista Márcio Guedes pareciam enunciadas em búlgaro, pelas distorções do microfone”. Coisa semelhante se viu em Uruguai 1×1 Alemanha Ocidental: as pesadas chuvas no México interromperam continuamente o sinal, ao longo do segundo tempo da partida.
Havia o temor de que os problemas seguissem por toda a Copa. Bem, até seguiram. Mas não de maneira tão grave como nos primeiros jogos. Assim, o Brasil pôde ver as partidas com mais paz. Até porque as TVs aprenderam direito a lição com o erro de não mostrarem os Jogos Olímpicos de 1980, possibilitando o monopólio da Globo na Copa de 1982. Todas estavam a postos para exibirem as competições olímpicas em Los Angeles-1984. Pagaram suas anuidades em dia à OTI. E estavam prontas para protagonizarem uma disputa ferrenha pela audiência na Copa de 1986. Os direitos de imagem até foram comprados em pool – 4 milhões de dólares, divididos entre as cinco emissoras -, mas a partir daí, seria cada uma por si.

Bandeirantes
Narração: Luciano do Valle, Jota Júnior e Marco Antônio
Comentários: Pelé, Juarez Soares, Rivellino, Clodoaldo e Júlio Mazzei
Reportagens: Gilson Ribeiro, José Eduardo Savóia, Roberto Cabrini e Elia Júnior
Apresentações: Alexandre Santos e Elys Marina
A mais admirada (até hoje) e profunda novidade esportiva na televisão brasileira durante os anos 1980 começou a partir de uma insatisfação e de um desejo pessoais de Luciano do Valle. A insatisfação vinha das pressões que o narrador paulista sofria, como principal nome das transmissões da TV Globo: a indução para adotar uma linha mais popular nas transmissões, motivada pelo sucesso de Silvio Luiz na TV Record, e a acusação de bairrismo – para Luciano, injusta. Ela teve um auge: a narração para São Paulo 3×2 Botafogo, semifinal do Campeonato Brasileiro de 1981. Naquele jogo no Morumbi, a Globo recebeu telefonemas de ambos os lados. Os torcedores paulistas reclamavam de suposto excesso de Luciano pró-Botafogo; dos torcedores cariocas, as queixas eram no sentido oposto. Já o desejo pessoal era abrir mais espaço para mais modalidades, dentro da televisão: “De futebol eu sempre gostei, mas eu gostava também do esporte em si, eu acho que o futebol não poderia ser sinônimo de esportes”, disse Luciano em seu depoimento ao projeto “Memória Globo”, em 2007.
Com essa intenção, Luciano abriu em 1981, com os empresários José Francisco Coelho Leal (o “Quico”) e José Cocco, a Promoação, empresa para promover e noticiar eventos esportivos de outras modalidades. Ainda na Globo, os eventos da Promoação já tiveram espaço, com a transmissão do Sul-Americano de Vôlei Feminino, em 1981, em Santo André, região do ABC paulista. Todavia, Luciano, Quico e Cocco queriam mais. Como temia o narrador, a emissora em que trabalhava não deu ouvidos às suas propostas de acordo, ciosa tanto dos compromissos comerciais que já tinha quanto da rígida grade de programação que a Globo sempre teve. Querendo deixar de lado o futebol para priorizar o então “esporte amador”, Luciano fez a proposta justamente a Silvio Luiz, seu concorrente e diretor de esportes da Record, com quem tinha relação cordial. Após algumas reuniões com a direção da Record, Silvio aceitou a proposta de Luciano, entre o fim de 1981 e o começo de 1982.
Então, o principal narrador da Globo já iniciou o ano da Copa na Espanha dando a impressão de que seria aquele seu último ano na emissora carioca. Enquanto narrava os principais jogos daquele Mundial, também convidava outros colegas para o projeto da Promoação na Record. Uns recusaram, como Raul Quadros (1942-2016); outros aceitaram na hora, como o jornalista Paulo Mattiussi e Juarez Soares, colega de primeira hora de Luciano. Em 11 de julho de 1982, Luciano narrou a vitória da Itália na final da Copa. Menos de um mês após ela, em 8 de agosto de 1982, anunciava a saída da TV Globo e a imediata aliança da Promoação com a TV Record. Aprofundava, em entrevista ao “Jornal do Brasil”: “Minha saída da Globo, apesar de ter sido por razões profissionais, tem um caráter pessoal. Há um ano e oito meses tenho uma empresa de promoções esportivas – organizadora, por exemplo, do Campeonato Sul-Americano de Vôlei – e precisava trabalhar numa emissora sem os grandes compromissos comerciais que a Globo tem para cobrir tais eventos. A TV Record topou essa parada: o negócio é compensador do ponto de vista financeiro; e por isso, saio da Globo”.

Mesmo com tudo explicado, a surpresa foi óbvia: Luciano abria mão de uma posição invejável, afinal. Ele reconheceu os riscos, na entrevista supracitada: “A partir de agora, eu terei a noção de qual é exatamente o meu público (…) Pode ser que meu público se resuma só na minha mãe. Se for assim, paciência. Mas cada meio ponto que eu ganhar no Ibope será devidamente comemorado, como uma grande conquista”. Transmitindo os eventos da Promoação na Record, Luciano viu que sua audiência era grande. Já estreou na Record em 28 de agosto de 1982, narrando Brasil x Argentina, pelo Mundialito de Vôlei Feminino, no Ginásio do Ibirapuera. Mais um mês, e em setembro a Promoação promoveu (e Luciano narrou) o Mundialito de Vôlei Masculino, no Maracanãzinho carioca, com a vitória brasileira amenizando a ressaca pós-Sarrià e popularizando definitivamente o vôlei no Brasil. Em outubro, ainda houve a transmissão exclusiva do Mundial de Vôlei Masculino. O Brasil caiu para a União Soviética na final, mas aquela geração promissora de voleibolistas apaixonara o país – e a aposta de Luciano era sucesso.
A aliança entre Promoação e Record dava certo. Ousadias como o “Grande Desafio de Voleibol” no Maracanã, em 26 de julho de 1983, com Brasil e União Soviética fazendo um clássico no estádio em meio a pesada chuva (vitória brasileira), justificavam o apelido iniciado de “Luciano do Vôlei” e mostravam que o paulista de Campinas havia deixado de ser “só” um dos melhores e mais conhecidos narradores do país para se tornar um empresário esportivo de sucesso. Até por isso – e por problemas da Record, que serão detalhados no trecho sobre ela -, Luciano sentiu necessidade de uma estrutura maior para a Promoação trabalhar. Aí chegou a TV Bandeirantes, oferecendo dez horas de programação aos domingos, duas horas diárias e uma rede de emissoras maior do que a Record. Era tentador. Ele aceitou, encontrando a emissora da qual seria o símbolo esportivo. A tal ponto que, em 2013, se emocionou: “Eu sou ‘membro' da família Saad. Quando fui contratado, o Johnny [Saad, superintendente do Grupo Bandeirantes] colocou a chave do departamento na minha mão e me disse ‘é sua, faça o que quiser'”.
Embora tenha cumprido o contrato com a Record até o fim, em dezembro de 1983, a equipe de Luciano foi para a Bandeirantes já na metade do mesmo ano, após os Jogos Pan-Americanos. Enfim, em 28 de janeiro de 1984, não só ele estreou na Bandeirantes, mas também reestreou no futebol: foi dele a narração para Flamengo 1×0 Palmeiras, primeira rodada do Campeonato Brasileiro de 1984. Iniciava-se ali a realização da vontade definitiva do narrador/empresário: fazer uma “emissora a cabo, aberta”. Foi isso mesmo que fez, com o início do “Show do Esporte”, mostrando várias modalidades na Bandeirantes, das 10h às 20h de domingo. Com algum esforço, foi viabilizada a exibição dos Jogos Olímpicos de 1984. E Luciano ganhou as condições para comprar os direitos de transmissão da Copa de 1986.
Teria uma equipe de jornalistas já bem formada para isso. Seu fiel escudeiro Juarez Soares, comentarista nos jogos de futebol e apresentador do “Show do Esporte”; e repórteres já experientes, tanto na televisão (Gilson Ribeiro e Roberto Cabrini, ambos egressos da Globo; e Elia Júnior, aproveitado dos já contratados da Bandeirantes) quanto nos meios impressos (Narciso James e José Eduardo Savóia, ambos de trajetória já então considerável em jornais paulistas). Mas ainda faltava um toque final. Dado com o auxílio financeiro dos anunciantes que a Promoação tinha: a contratação de ex-jogadores. Como Rivellino, destaque na Seleção Brasileira de Masters que Luciano já organizava. E acima de tudo, a aposta anunciada em 1985: Pelé. Sim, a Bandeirantes conseguia o que a Globo quis e não conseguiu em 1982: ter Pelé como seu comentarista, para os amistosos da Seleção Brasileira, os jogos das Eliminatórias e a própria Copa.
Luciano do Valle, Juarez Soares e Pelé na transmissão de Brasil 2×1 Colômbia, amistoso da Seleção em 25 de abril de 1985, antes das Eliminatórias, iniciando a cobertura da TV Bandeirantes para a Copa de 1986. Exibido no programa “Donos da Bola”, da Bandeirantes, em 2013. Publicado no YouTube por Edu Cesar
Abertura do “Show do Esporte” em 2 de junho de 1985, dia de Bolívia 0x2 Brasil, estreia da Seleção nas Eliminatórias da Copa de 1986. Elys Marina apresenta o programa dos estúdios em São Paulo; Luciano atualiza as informações do estádio Tahuichi, em Santa Cruz de La Sierra; e o repórter Gilson Ribeiro mostra mobilização da torcida em São Paulo. Publicado no YouTube por Êgon Bonfim
Melhores momentos de Paraguai 0x2 Brasil, vitória que praticamente confirmou a classificação brasileira para a Copa de 1986, na transmissão da TV Bandeirantes. Narração de Luciano do Valle, comentários de Pelé e Juarez Soares. Exibido no programa “Donos da Bola”, em 2013. Publicado no YouTube por Edu Cesar
Embora a liderança de audiência da Globo fosse clara no resto do Brasil, a emissora sofria em São Paulo com a crescente ameaça da Bandeirantes: no Paraguai 0x2 Brasil do vídeo acima, o canal do bairro do Morumbi chegou a ficar na frente da transmissão global em alguns momentos, na medição da audiência paulistana. O sucesso do projeto foi coroado até com o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte ao “Show do Esporte”, como o melhor programa de 1985 em tevê, e o Troféu Imprensa a Luciano do Valle, como o melhor narrador do mesmo ano. Com anunciantes interessados, não foi difícil para a Bandeirantes pagar os 6 milhões de dólares à OTI, para obter os direitos de transmissão. E nem para bolar uma ampla cobertura, mesmo com a menor equipe enviada ao México entre as emissoras brasileiras (45 pessoas). Na exibição dos jogos, dois deles eram mostrados ao vivo (às 15h e às 19h de Brasília); e o segundo jogo das 15h – eram três jogos por dia na primeira fase – era gravado, para ter o VT exibido tão logo a transmissão ao vivo acabasse, às 17h de Brasília. Ou seja: a Bandeirantes mostrou todos os 52 jogos do Mundial.
Claro, Luciano do Valle era o narrador das principais partidas, tendo a seu lado Juarez Soares, Pelé e Rivellino. Como outros narradores, dois nomes que faziam suas primeiras Copas em televisão: José Francischangelis Júnior – ou melhor, Jota Júnior, de longo histórico na Rádio Bandeirantes nos anos 1970, iniciado na televisão a partir de 1983 e imediatamente aproveitado na equipe de Luciano – e Marco Antônio Mattos (1938-2004), também de trajetória considerável no rádio paulista (coube a Marco Antônio, por exemplo, narrar Polônia 0x0 Marrocos). Também vieram para os comentários o professor Júlio Mazzei, amigo pessoal de Luciano e de Pelé, com amplo histórico no futebol como preparador físico (e treinador, algumas vezes), e outro ex-jogador: Clodoaldo. A presença de Pelé, Rivellino e Clodoaldo evocava 1970, e era lembrada nas propagandas da emissora: “Falam do que entendem”. Cabia ao repórter Otávio Mesquita acompanhar o ambiente nos arredores dos estádios. Ainda no México, Elys Marina ancorava o “Show do Esporte”, o noticioso diário “Esporte Total” e os boletins informativos, do IBC na Cidade do México. À noite, o “Jornal da Copa” era apresentado do Brasil, por Alexandre Santos, mostrando compactos dos jogos do dia – e um debate no hotel Holiday Inn de Guadalajara, onde a equipe da Bandeirantes estava hospedada, envolvendo os nomes principais da cobertura.
Debate da TV Bandeirantes, com a participação do volante Elzo e do cantor e compositor João Nogueira, no “Jornal da Copa” da noite após Brasil 4×0 Polônia, pelas oitavas de final da Copa de 1986, em 16 de junho. Postado no YouTube por Flávio Baccarat
Luciano do Valle tinha suas transmissões unanimemente elogiadas pela vibração (“A melhor locução, até aqui, irrepreensível, fica mesmo por conta de Luciano do Valle, da Bandeirantes”, opinou-se no “Jornal do Brasil” de 8 de junho). Já era notável antes mesmo da Copa – como no célebre “não há palavras para descrever o gol de Zico”, em Brasil 4×2 Iugoslávia, amistoso antes do Mundial. E continuou notável durante, como se pode ver nos gols de Josimar, contr Irlanda do Norte (primeira fase) e Polônia (oitavas de final), abaixo.
Luciano do Valle narrando o gol de Josimar em Brasil 3×0 Irlanda do Norte, pela fase de grupos da Copa de 1986
Luciano do Valle narrando o gol de Josimar em Brasil 4×0 Polônia, pelas oitavas de final da Copa de 1986
No jogo contra a França, então, o ambiente dramático até teve participação indireta da Bandeirantes: cobrindo o jogo para as reportagens, Gilson Ribeiro ouviu o amigo Casagrande sair do banco e gritar, após ver Sócrates perder gol feito no momento final da prorrogação: “O Telê tá louco! Eu e o Muller tínhamos de estar em campo! A gente ganhava esse jogo!”. Nos pênaltis, Luciano do Valle expressou seus sentimentos: tão logo Júlio César errou o dele na série, o narrador lamentou com um “na trave, meu Deus do céu!”, antes de Luis Fernández converter o seu, eliminar a Seleção e motivar o seguinte comentário de Luciano: “Foi uma injustiça. Infelizmente, a França está classificada, e isso eu digo com a maior sinceridade, sem patriotismo. Vamos levantar a cabeça, porque desta vez foi um jogo em que o Brasil teve tudo para ganhar, mas faltou sorte”. De Pelé, as palavras trouxeram o mesmo lamento: “É triste, dá vontade de chorar”. O que não impediu que a vibração continuasse: no dia seguinte, Luciano narrou o histórico Argentina 2×1 Inglaterra dos gols de Maradona “.
Compacto da transmissão da TV Bandeirantes para Brasil 1(3)x1(4) França, pelas quartas de final da Copa de 1986. Exibido em 2006, no programa “Conexão Copa”. Postado no YouTube por Flávio Baccarat
Porém, não foi Luciano do Valle o narrador do Argentina 3×2 Alemanha da final, dando o segundo título mundial à Albiceleste. Pelo menos, não integralmente. Sim, o chefe da Promoação, diretor de esportes da Bandeirantes estava lá no Azteca, com Pelé, Juarez Soares e Rivellino. Todavia, no mesmo dia, teria um voo a Madri, para se preparar rumo ao Mundial de Basquete Masculino, que começaria em 5 de julho (a final da Copa foi em 30 de junho) na Espanha. E o único voo da Cidade do México a Madri ocorreria durante a final. Não houve jeito: Luciano fez o primeiro tempo, e da cabine saiu direto para o aeroporto. Coube a Marco Antônio Mattos narrar o segundo tempo, ao lado dos comentaristas, no que o narrador paulista de Barretos chamou de “o momento mais emocionante da minha carreira”. Sem problemas: Luciano já tinha marcado época, naqueles incríveis quatro anos em que começava a realizar seu sonho.

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Manchete
Narração: Paulo Stein, Alberto Léo e Halmalo Silva
Comentários: João Saldanha e Márcio Guedes/Roberto Moura
Reportagens: Iata Anderson, Oscar Eurico, Paulo César Andrade, Antônio Stockler, Xico Teixeira, Marcos Uchoa, Helvídio Mattos, Marcelo Passos, Rui Lima e Luiz Carlos Azenha
Apresentações: Walter Abrahão
Após o empresário Adolpho Bloch ganhar a concessão antes pertencente à Excelsior, enfim estreou a TV Manchete, em 5 de junho de 1983. E não estreou com poucos objetivos: em sua fase inicial, a emissora carioca da Rua do Russel investiu pesado em tudo que fez, para ganhar respeito. Foi assim em 1984, ao tirar da TV Globo os direitos de exibição do Carnaval carioca. Foi assim com o esporte, no mesmo ano, ao já transmitir os Jogos Olímpicos de Los Angeles tendo nos comentários a chamada “Equipe de Ouro”, com membros como Carlos Alberto Torres (futebol), Adhemar Ferreira da Silva (atletismo) e Wlamir Marques (basquete). E como a obrigação com a OTI havia sido cumprida, era esperar pelo que viria na Copa. Veio muito.
Trazido da Bandeirantes carioca em 1983 para chefiar o departamento de esportes e ser o principal narrador da Manchete, Paulo Stein mostrou audácia da qual Adolpho Bloch gostou. Já para a Copa, um pensamento de Stein pegou desprevenida até mesmo a TV Globo, conforme o atual locutor do SporTV/Premiere comentou ao UOL em 2014. Ele sugeriu a Rubens Furtado, diretor geral da emissora, que satélites fossem alugados pela Manchete já em 1984, para o Mundial: “Foi o bote certo. Ganhamos da Globo ali. Naquele período, só existiam três grandes satélites: um bom, um médio e um mais fraquinho. Ele aprovou a ideia e fui atrás. Conseguimos pegar logo o melhor. Em 1985, quando a Globo foi atrás, só tinha um satélite médio, de menor capacidade. E não adiantava pagar, espernear, chamar o Roberto Marinho, nada. Ali nós já tínhamos as melhores linhas e alugado os melhores horários. Com isso, eles ficaram com horários alternativos”.
O projeto ambicioso da Manchete era atraente. E nomes experientes em Copas entraram nele. Como Márcio Guedes, principal comentarista da TV Globo em 1982, que tomou o caminho da emissora dos Bloch em 1985. Como o narrador Alberto Léo, nome de primeira hora ao lado de Paulo Stein na Manchete, desde a inauguração do canal. Como Walter Abrahão, que passara rapidamente pelo SBT após o fim da TV Tupi, mas teria na nova emissora um novo local. Mas nenhum desses nomes chamava mais a atenção do que o comentarista contratado em 1985, para as Eliminatórias da Copa. Após 11 anos, João Saldanha voltaria a trabalhar numa televisão. E não havia perdido nem um pouco de seu excepcional carisma. A ponto de ser a principal atração de uma das novidades pensadas pela Manchete para o Mundial em 1986: abrir uma linha telefônica, para que os espectadores pudessem perguntar opiniões ao “João sem medo”.
Copa se aproximando, a Manchete não poupou recursos e nem esforços para justificar sua fama crescente de opção à Globo. O coordenador geral Nelson Hoineff comandou a maior equipe de uma televisão brasileira no México: foram 106 enviados, entre jornalistas e funcionários técnicos. Dia a dia, eram 18 horas de transmissão, entre programas pré e pós-jogo, as partidas em si e os debates – além de minicompactos exibidos no decorrer da programação. Até mesmo uma música-tema da cobertura foi composta – e era exibida tão logo o Brasil marcasse os gols em suas partidas.
Na narração, Paulo Stein ficaria com os jogos principais, junto a João Saldanha e Márcio Guedes. Alberto Léo e o mineiro Halmalo Silva se responsabilizaram pelos prélios secundários – nos quais Guedes era o comentarista preferencial (a não ser em Bélgica x Paraguai, quando Roberto Moura foi improvisado junto a Alberto Léo). Iata Anderson, Antônio Stockler e Paulo César Andrade eram os nomes preferenciais da reportagem, junto a gente que fazia sua primeira Copa em televisão, como Marcos Uchoa e Helvídio Mattos. No IBC da Cidade do México, um trio de muita fama no Rio de Janeiro participava das mesas-redondas: Washington “Apolinho” Rodrigues, Armando Marques e Sandro Moreyra. Presente como o “olhar diferenciado” da cobertura, para fazer crônicas sobre assuntos gerais no México para o “Jornal da Manchete”, outro veterano: Villas-Boas Correa, comentarista político. Ancorando tudo do Brasil, Walter Abrahão. Era o projeto “Copa Total”. Ambicioso a ponto de exibir até os treinos preparatórios da Seleção, ainda na fase de treinamentos na Toca da Raposa, com o trio Stein-Guedes-Saldanha.

Tal volúpia, comparável à da Bandeirantes, foi realmente perigosa para a Globo, conforme Márcio Guedes descreveu ao UOL: “Fizemos nosso QG [quartel general] ao lado da concentração do Brasil, passávamos treino, entrevista com jogadores, tínhamos muito mais acesso. A Globo foi surpreendida com a Manchete na Copa. E eles não podiam concorrer porque tinham que dar espaço pra outras coisas, como as novelas. Eles [Globo] não esperavam que nossa cobertura fosse tão boa. A nossa proximidade da seleção facilitou muito. Em dia de semana à tarde, ficávamos duas ou três horas seguidas, às vezes tinha excesso de informações de relevância, mas a Manchete praticamente entrou na seleção brasileira”.
Em depoimento a Alberto Léo, Paulo Stein descreveu o local onde a Manchete armou suas instalações e hospedagens: “Ficamos dentro de uma associação atlética que ficava a 40 quilômetros do centro de Guadalajara. A equipe da Manchete ficou lá dentro, foi sacrificante, mas nós tivemos essa facilidade. Tínhamos nosso caminhãozinho dentro do campo de treinos 24 horas por dia. Em dois quartos do hotel, a gente tinha um quarto de transmissão, onde narrávamos em off – fizemos muito jogo lá com o Saldanha -, e tinha uma suíte de transmissão que era dentro do outro quarto, que ficava a uma distância de 300 metros de onde estava a Seleção”. Só as instalações causavam algum temor, divertiu-se o narrador ao UOL: “As aranhas do hotel são inesquecíveis [risos]. Era um tormento. Eu tinha que lacrar a porta do quarto com fita durex para que elas não entrassem. Era um animal comum na região que ficávamos, em uma área desértica”.
Gols de Brasil 3×0 Irlanda do Norte, pela fase de grupos da Copa de 1986, na narração de Paulo Stein, com os comentários de Márcio Guedes e João Saldanha. Postado no YouTube por Êgon Bonfim
Na transmissão dos jogos, mais do que Stein, Saldanha era o grande destaque. Sem qualquer rodeio, dava opiniões ardentes. Até começava explicando as táticas – como fez “. Como fez contra a Argélia, protestando contra a atuação ruim da Seleção – ao ser perguntado sobre quem poderia sair para a entrada de Muller, foi curto e grosso: “E eu sei lá? Porra, contra esse time aí? Sai qualquer um! Sai o Casagrande, sai o Sócrates, sai quem quiser! Sai até você, que fica aí me perguntando essas coisas!” E como fez, finalmente, na decisão por pênaltis de Brasil x França que confirmou a eliminação brasileira, ao criticar pesadamente a cobrança de Sócrates: “Me desculpa, um jogador sem condições não pode bater. Quer chegar juntinho da bola, [com] frescura, ficou lá no meio, quis bater… vá tomar banho! Palhaço!”
O que não manchou em nada a ousadia da Manchete, em sua primeira Copa. Ao contrário: para Paulo Stein, a emissora viveu “o auge em 1986”.

SBT-Record
Narração: Silvio Luiz e Osmar de Oliveira
Comentários: Ciro José, Juca Kfouri e João Carlos Albuquerque
Reportagens: Eli Coimbra, Flávio Prado, Jorge Kajuru e Carlos Valadares
Apresentações: J. Hawilla e Rui Viotti/José Luiz Meneghatti e Ivo Morganti
Participação especial: Marcelo Tas
O êxito da aposta no rádio em 1982 valera a pena para a TV Record. Silvio Luiz voltara da Espanha ainda mais popular. Entretanto, era melhor não bobear para 1986. Por isso, além dos contratados da própria Record, Luciano do Valle foi contratado para formar consórcio com a emissora paulistana, via Promoação. De quebra, em mais um duro golpe sofrido pela TV Globo, deixaram-na em outubro de 1982 tanto Ciro José Gonsales, diretor de esportes, quanto José Hawilla, apresentador e chefe de redação de esportes em São Paulo. A princípio, ambos iriam se concentrar na sociedade em uma pequena empresa, comprada em 1980. De negócio para publicidade em pontos de ônibus, viraria uma empresa de placas de publicidade em estádios – e de marketing esportivo também. O nome da empresa? Traffic. Por meio dela, Ciro e Hawilla também fizeram consórcio com a Record, se tornando comentaristas da emissora.
Contratados da Record (sob a direção de Silvio Luiz), Promoação (sob a direção de Luciano do Valle) e Traffic (sob a direção de Ciro José e José Hawilla): o departamento de esportes do canal estava dividido em três. A falta de foco e de unidade prejudicava a emissora dos Machado de Carvalho. Até por isso, tão logo recebeu a proposta da Bandeirantes, na qual teria todo o departamento à sua disposição, a Promoação assinou contrato. E até pacificou a situação da Record: a parceria única com a Traffic estabilizaria de novo as transmissões de futebol, com Silvio Luiz, Flávio Prado e Eli Coimbra, mais Ciro José comentando (no lugar de Pedro Luiz, que fora para a TV Bandeirantes no fim de 1982). Além dos quatro, periodicamente ajudaria nas reportagens um jornalista ainda jovem, vindo da revista “Placar”: Fábio Rocco Sormani, dividido entre Rádio e TV Record. No entanto, o dinheiro ainda era pouco. Mas havia solução. Se a Record tinha tradição esportiva mas não tinha verba para comprar eventos, o SBT falhava na tradição mas tinha o dinheiro – além do mais, o Grupo Silvio Santos ainda tinha ações da Record. A solução estava na cara: um pool entre as duas, durante eventos esportivos. Assim ambas transmitiram os Jogos Olímpicos de 1984. E assim ambas transmitiriam a Copa de 1986.
Nas Eliminatórias, cada uma fez sua própria transmissão. A Record com Silvio Luiz, Ciro José (além de comentarista, chefe da cobertura, trazendo a experiência na TV Globo em 1982) e Flávio Prado. O SBT, com a nascente equipe esportiva para o futebol: Osmar de Oliveira narrando, Juca Kfouri comentando e as reportagens de Jorge Kajuru (na época, ainda “Cajuru”, apelido pela cidade natal paulista de Jorge Reis da Costa), todos contratados em 1984. Mas para a Copa do Mundo, todo um projeto de publicidade foi feito já pensando na união de SBT e Record. E a partir dos amistosos preparatórios para a Copa, já em 1986, era lançada a equipe “Unidos Venceremos”, que faria a Copa do Mundo “com emoção em dobro”, segundo o tema publicitário. Silvio Luiz era o narrador, com os comentaristas e repórteres tanto do SBT (Juca Kfouri e Jorge Kajuru) quanto da Record (Ciro José e Flávio Prado). Nos amistosos, Juca e Ciro ainda se alternavam jogo a jogo nos comentários: o diretor da Traffic trabalhou em Brasil 3×0 Alemanha Oriental, enquanto o diretor de redação da “Placar” esteve em Brasil 4×2 Iugoslávia. Mas trabalhariam juntos nos jogos da Seleção Brasileira no Mundial.
A vinheta promocional do SBT para a união com a Record, na transmissão da Copa de 1986. Postado no YouTube por Êgon Bonfim
Além dos cinco nomes mencionados (Silvio Luiz, Ciro José, Juca Kfouri, Jorge Kajuru e Flávio Prado), a união contaria com mais gente na equipe de 50 pessoas enviadas ao México, para mostrar 35 jogos ao vivo – o restante, nos VTs noturnos. Do SBT, vieram dois narradores, Osmar de Oliveira e Carlos Valadares (este, também como repórter); a Record cedeu mais gente – Eli Coimbra e Fábio Sormani como repórteres, Rui Viotti como coordenador geral (voltando a cobrir uma Copa pela televisão, Rui chegou ao México semanas antes da Copa, fazendo boletins informativos para o pool), José Hawilla como apresentador (em sua última aparição à frente das câmeras, antes de se tornar, cada vez mais, J. Hawilla). Era para Fernando Solera, vindo da Bandeirantes em 1982, ter sido mais um narrador da Record, como a foto promocional abaixo mostra. No entanto, Solera foi tirado da cobertura pouco antes da Copa, conforme contou a Flávio Prado numa entrevista no ano passado. Caminho aberto para um santista que já tinha longa trajetória no rádio de São Paulo, mas que faria a Copa pela primeira vez na televisão: João Carlos Albuquerque, já então na Record, como apresentador – e comentarista, durante aqueles dias no México (João esteve, por exemplo, em Argentina 1×0 Uruguai, nas oitavas de final, com Osmar de Oliveira como narrador). Durante a apresentação dos melhores momentos no intervalo, se alternariam nos estúdios em São Paulo José Luiz Meneghatti (Record) e Ivo Morganti (SBT). Coordenando as bases, dois egressos do SBT: Eduardo Zebini e Jordão Pacheco. Todos envolvidos na transmissão de dois jogos diários, mais um VT noturno às 23h, e na mesa redonda diária, avaliando o dia do Mundial.

Mas talvez a grande novidade da união entre SBT e Record em 1986 não tenha vindo de nenhum desses nomes, e sim de um colaborador. Marcelo Tas entrou na equipe para fazer o seu personagem Ernesto Varela (“o repórter que não amarela”, dizia o complemento), na primeira participação de humor durante uma Copa do Mundo na televisão brasileira. Famoso pelas perguntas indiscretas – mas pertinentes – que fazia aos entrevistados, de modo aparentemente desavisado, Ernesto Varela fazia a cobertura do ambiente que cercava a Seleção Brasileira e a Copa, acompanhado do cinegrafista Valdeci – interpretado pelo hoje cineasta Fernando Meirelles, sócio de Tas na produtora Olhar Eletrônico. Impossível não rir de sua entrevista que irritou Nabi Abi Chedid, diretor de futebol da CBF, chefe da delegação brasileira hospedada em Guadalajara.
Como não podia deixar de ser, a transmissão de Brasil x França teve muito drama. No pênalti perdido por Zico no tempo normal, Silvio Luiz lamentou: “Meu Deus do céu, meu Deus do céu!”. Já antes da disputa de pênaltis, ao ver Sócrates se encaminhando para abrir a série brasileira, Juca Kfouri opinou: a torcida poderia contar com o 1 a 0 na série de cobranças, pois o meio-campista jamais perdera um pênalti decisivo, e não seria ali que iria perder. Pois perdeu. E Silvio Luiz, entre o irritado e o provocador, lembrou: “Juca Kfouri acabou de dizer que Sócrates nunca tinha perdido um pênalti decisivo…”. Juca aceitou: “Não falo mais nada, me ‘demito'”. Na mesa redonda diária do SBT-Record, Juca criticou duramente a displicência de Sócrates no pênalti.
No dia seguinte, o fechamento da história. Ao chegar ao Bosque Primavera, concentração brasileira durante a Copa, o comentarista (e diretor de redação de “Placar”) ouviu que Sócrates desejava falar com ele. Amigo íntimo do jogador, Juca chegou reclamando: “Sempre lhe elogiei e você não se importava. Bastou eu lhe criticar, que você se doeu”. Sócrates fechou: “Não, não… o que você fala ou deixa de falar sobre mim não tem importância. Só queria dizer que é exatamente por você me conhecer tão bem que eu esperava que você notasse coisas que ninguém nota. Que notasse, por exemplo, que numa disputa por pênaltis, eu geralmente sou o último a bater, e já ia tranquilo para a cobrança, por ter visto como o goleiro se comportava e quais cantos escolhia. Desta vez, fui o primeiro. Enquanto ia bater, pensei em várias coisas: como ia bater, como a torcida devia estar… isso me desconcentrou, e você não notou”.
Mais algumas partidas até a final, e o pool SBT-Record se desfez para nunca mais. E as duas emissoras tomaram caminhos diferentes: o SBT viveu um raro momento em que teve popularidade durante as Copas do Mundo. A Record só voltaria a elas em 1998, num momento totalmente distinto de sua história.
Vinheta da TV Globo para a abertura das transmissões da Copa de 1986.
Globo
Narração: Osmar Santos, Galvão Bueno e Luiz Alfredo/Fernando Sasso
Comentários: Zagallo e Rubens Minelli (participação de Mazzola)
Reportagens: Roberto Thomé, Luiz Fernando Lima, Ernesto Paglia, Carlos Nascimento, Francisco José, Ilze Scamparini e Reginaldo Leme
Apresentações: Leo Batista, Isabela Scalabrini/Fernando Vannucci
Como a saída de Luciano do Valle já era relativamente prevista, Galvão Bueno foi promovido paulatinamente a locutor principal da Globo, entre 1982 e 1983. Narrava os jogos da Seleção Brasileira (com fugazes substituições por Fernando Sasso, já então símbolo na Globo Minas com seu “‘tá no filó!” com que narrava os gols) e as corridas de Fórmula 1 – na época, tão ou mais vistas do que as partidas no campo. Paralelamente, no rádio de São Paulo, Osmar Santos já caminhava para ser um dos nomes mais marcantes da história do veículo no estado bandeirante – tanto em sua passagem pela Jovem Pan, entre 1972 e 1977, quanto e principalmente na Rádio Globo cujo departamento de esportes chefiava desde 1977.
Porém, em 1983, com o espaço no rádio já conquistado e firmado, Osmar começou a ter participações mais constantes na televisão. Se até então apenas fora narrador de alguns VTs noturnos de partidas de equipes paulistas, naquele ano Osmar não só seguiu narrando os VTs. Também passou a apresentar o “Globo Esporte” para São Paulo. Mais: também se tornou o comentarista esportivo do “Jornal da Globo”. Mais ainda: passou a narrar alguns eventos, como a Corrida de São Silvestre, na qual registrou a vitória do mineiro João da Mata, no último dia de 1983. Assistindo à corrida no Paraná, o hoje presidenciável Álvaro Dias pensou durante os festejos de réveillon: “É ele, tem que ser ele”. Para quê?
Para animar o comício da campanha por eleições presidenciais diretas, em Curitiba, já em 1984. Começava ali o momento que tornaria Osmar uma das pessoas mais conhecidas do Brasil naquele ano. Claro, a participação ancorando as massivas manifestações populares que apoiavam a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, até sua rejeição em abril de 1984. Mas seguiu nos jogos que ainda narrava, líder de audiência na Rádio Globo paulista. Seguiu nas suas aparições no “Jornal da Globo” e na edição paulista do “Globo Esporte”. Seguiu num programa que começou a apresentar nas tardes de domingo, na própria Globo: o “Guerra dos Sexos”, disputa entre casais. E seguiu na sua primeira grande participação numa cobertura esportiva televisiva: os Jogos Olímpicos de 1984.
Osmar narrou grandes momentos nas competições olímpicas – era dele, por exemplo, a voz da medalha de ouro de Joaquim Cruz, nos 800m do atletismo. No entanto, foi criticado. A razão foi dada por Marco Mora (1946-2018), editor da Globo naquela cobertura: “Ele tinha carisma, empatia com o público, era bem humorado, mas a verdade é que ainda não estava preparado para a televisão. Ele narrava como se estivesse no rádio, atropelava as palavras, errava demais o nome dos atletas estrangeiros”, opinou Mora em “Osmar Santos: o milagre da vida”, biografia escrita por Paulo Mattiussi (Sapienza, 2004).
Assim, Galvão Bueno ainda foi a voz dos jogos da Seleção Brasileira em 1985. Mas Osmar merecia uma aposta. E ela viria justamente na Copa de 1986: foi convidado pela Globo não só para narrá-la, mas para ser o narrador nas principais partidas. O que causou certa discordância interna: “Houve muito bate boca, muita confusão, mas eu fiquei de fora. O Armando Nogueira era a favor do Galvão e o Boni a favor do Osmar” revelou em 2015 ao UOL Luiz Alfredo – terceiro narrador da Globo, à qual chegara em 1984, vindo da Record.
A novidade, no entanto, não ficava só em Osmar. Nem nas transmissões em campo. Se a principal novidade tecnológica na cobertura da Globo para 1982 fora a “assinatura” do jogador brasileiro que marcava gol nas partidas, a estreia de 1986 entraria definitivamente para as coberturas globais. Quando ocorressem lances polêmicos nas partidas, Fernando Vannucci (ancorando os intervalos, dos estúdios no Brasil) pediria auxílio do “tira-teima”: uma máquina importada da Itália transformava as imagens em vídeos, para que se notasse um eventual impedimento, ou uma bola que havia entrado – como ocorreu no Brasil 1×0 Espanha da estreia.

E se faltasse algo mais para animar a torcida além das narrações de Osmar Santos, nos jogos da Seleção Brasileira, a Globo apostou num personagem para simbolizar os adeptos. Criado pelo produtor e videomaker José Antonio de Barros Freire, o Barrinhos, Araken (o “showman”) se vestia de verde e amarelo, tanto nos materiais publicitários antes da Copa quanto em esquetes gravados e exibidos para provocar os adversários após as vitórias brasileiras, unindo-se às bailarinas sob o som de “Mexicoração”, o tema musical da TV Globo para aquela Copa. Só não foi assim contra a França, obviamente. Para constar, o esquete de Araken em caso de avanço brasileiro às semifinais já estava gravado (até foi exibido, de vez em quando). Um pelotão de soldados do exército de Napoleão ameaçava fuzilar suas dançarinas, mas todos se agachavam de costas, a certa altura. Araken olhava maroto para a câmera, e dizia: “Foi assim que Napoleão perdeu a guerra…” Ato contínuo, chutava uma bola que derrubava todo o pelotão, para comemorar com as dançarinas.
Aparições do personagem Araken na programação da TV Globo, antes da Copa de 1986
Esquete de Araken exibido logo após Brasil 3×0 Irlanda do Norte, na primeira fase da Copa de 1986. Postado no YouTube por Êgon Bonfim
O esquete de Araken que seria exibido em caso de vitória brasileira sobre a França
No resto da equipe da TV Globo para as transmissões, os jornalistas seriam deixados de lado, em detrimento dos técnicos. Se não fora o escolhido para treinar a Seleção naquela Copa, Zagallo foi o escolhido para ficar ao lado de Osmar Santos nas transmissões (“Eu iria falar quando tivesse algo importante para ilustrar. Combinei com o Osmar Santos que eu daria uma batida no braço dele e entraria para comentar. Isso combinamos na hora e ficou perfeito”, contou Zagallo ao jornalista Alberto Léo, em seu livro “História do jornalismo esportivo na tevê brasileira). Junto a Galvão Bueno e Luiz Alfredo, nos jogos secundários, estaria outro treinador: Rubens Minelli, que ficou conhecido pelos bonecos que usava num minicampo para exemplificar táticas, nas aparições em estúdio. Houve ainda algumas participações especiais: José João “Mazzola” Altafini participou de algumas partidas da primeira fase, enquanto o Brasil x França das quartas teve aparições fugazes de Just Fontaine e Eusébio. Inclusive, vendo o Itália 0x2 França que decidiu o adversário brasileiro nas quartas de final, Telê Santana, técnico da Seleção, também comentou o jogo para a emissora dos Marinho, no Estádio Universitário da Cidade do México.
Fora do estádio, os repórteres Francisco José e Carlos Nascimento descreviam o ambiente e a chegada dos torcedores nos jogos do Brasil. Houve remanescentes de 1982 – como Reginaldo Leme, acompanhando a Alemanha na última Copa em que trabalhou pela TV Globo, e Ernesto Paglia, novamente cobrindo a Itália. Acompanhando a Seleção, dois repórteres: Luiz Fernando Lima e Roberto Thomé, em sua primeira Copa pela emissora. Havia ainda o auxílio de Ilze Scamparini e Lucas Mendes, em reportagens gerais. No Brasil, Oliveira Andrade (trabalhando na rede nacional da Globo desde o início daquele ano) apresentava o “Globo Esporte”, com Isabela Scalabrini e Léo Batista apresentando as notícias dos estúdios no México. No “Jornal Nacional”, Fernando Vannucci apresentava as notícias da Copa. Finalmente, após os dois jogos exibidos ao vivo por dia, um programa noturno arrematava toda a cobertura e tudo que ocorria no torneio: era o “Copa 86”, apresentado por Vannucci, com as participações de Carlos Alberto Torres e José Roberto Wright nos comentários, além de esquetes humorísticos com João Kléber e Chico Anysio. Dos 52 jogos da Copa, foram 30 ao vivo, sem VTs noturnos – os jogos não mostrados tinham os lances posteriormente exibidos no “Jornal Nacional” e no “Copa 86”, narrados por Fernando Sasso.
Trecho do “Globo Esporte” em 12 de junho de 1986, horas antes de Brasil 3×0 Irlanda do Norte, às 15h de Brasília, último jogo da Seleção na fase de grupos da Copa de 1986. Postado no YouTube por Êgon Bonfim
Os gols da Seleção Brasileira nas partidas da fase de grupos, pela TV Globo, com Osmar Santos e Galvão Bueno narrando. Postados por Ted Richard Paiva Sartori
Tudo certo, em tese. Na hora de ir ao ar, ficou difícil manejar o equilíbrio entre Galvão Bueno e Osmar Santos como o locutor principal. Nada de desentendimentos internos entre ambos, mas apenas dúvidas. Por exemplo: no Itália 1×1 Bulgária do jogo de abertura, Galvão fez a locução da cerimônia pré-jogo, e Osmar narrou “. O narrador paulista era escalado nas partidas esperadas – como União Soviética 6×0 Hungria, mostrado em detrimento de Argentina 3×1 Coreia do Sul -, mas não agradava. Redator e crítico de cinema da “Folha de São Paulo”, Inácio Araújo publicou em 4 de junho de 1986: “Três anos de experiência teriam sido o bastante para a Globo notar que, em vez do locutor cheio de ânimo do rádio, teria um burocrata que indica o nome dos jogadores e descreve vagamente o que se passa em campo. A Globo não pensou assim e mandou Osmar ao México como locutor encarregado de transmitir as principais partidas. Acostumado a criar imagens para suprir a ausência de imagens, na televisão Osmar Santos parece achar sua função francamente enfadonha, de tal modo que permanece em silêncio durante boa parte do tempo. Quando entra com as expressões que fizeram sua fama no rádio, é sem convicção (…)”.
Para piorar, o destino prejudicaria o principal narrador da Globo naquela Copa. Marco Mora lamentou na biografia do paulista de Osvaldo Cruz: “Ele sabia que aquela era a sua grande oportunidade. E se preparou como nunca. Estudou o estio dos concorrentes, começou a se policiar para não levar os vícios do rádio para a tevê e organizou um verdadeiro banco de informações sobre todas as seleções da Copa. Pena! Todo esse esforço não serviu para nada. Quando chegou ao México, ele teve uma crise de hemorróidas, ficou quase todo o tempo em tratamento no hotel (…)” Foi justamente essa crise que fez com que Galvão Bueno conseguisse narrar seu primeiro jogo da Seleção Brasileira pela Globo, em Copas: o 1 a 0 brasileiro na Argélia, com gol de Careca. Osmar voltou na transmissão seguinte, mas muito se cogitou que sua ausência tivesse sido causada pelas discordâncias internas.
Galvão Bueno abre a transmissão de Brasil 1×0 Argélia, com o bigode que ostentou entre 1985 e 1986 (que voltou rápido em 1988), junto ao comentarista Zagallo
No decorrer da Copa, quem se tornou estrela na Globo foi Fernando Vannucci. Se ainda era mais sóbrio na apresentação dos melhores momentos dos jogos e dos notíciários em 1982, o mineiro já havia inaugurado o “Alô você” e suas brincadeiras em 1986. Mas seu momento marcante veio na hora da tristeza: ao apresentar os lances de Brasil x França no “Jornal Nacional” posterior à eliminação brasileira, naquele 21 de junho de 1986, Vannucci tinha os olhos marejados. Recebeu cartas e telefonemas dos telespectadores, numa massiva demonstração de admiração. Coroando esses, um bilhete de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, vice-presidente de operações da Globo: “Vannucci: o Brasil pode até perder essa Copa, mas você já a ganhou”. Começava ali seu momento de maior popularidade.
E Osmar Santos? Retornou. Narrou os jogos principais – o resto da campanha brasileira, o Argentina 2×1 Inglaterra, a final da Copa -, mas ficou a impressão de que “nas poucas vezes que conseguiu trabalhar, não rendeu o que se esperava”, como Marco Mora lamentou no livro sobre a vida do narrador. Numa metáfora futebolística, Osmar tivera um pênalti para bater. E errara. Voltaria a ter chances na televisão, mas não na Globo. Nesta, a partir de então, com as boas atuações, Galvão Bueno passaria a ter o espaço e a confiança que tanto buscava, para se tornar o símbolo global.
O compacto de Brasil x França, com a narração de Osmar Santos para a TV Globo, apresentado por Fernando Vannucci para o “Copa 86”, resumo noturno da emissora sobre o dia na Copa
Na próxima parte: em coberturas atingidas pelo Plano Collor, a Globo sofre mais, a Bandeirantes vive seu auge, o SBT arrisca com uma equipe menor, e a Manchete se aflige com o drama de João Saldanha