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Uma discussão meio técnica, meio de torcedor, sobre a nova identidade do Athletico Paranaense

Torcedor de futebol é tradicionalista por natureza. Ele se apega a símbolos como uma camisa, um escudo, um nome, um hino ou um estádio e constrói sua relação com seu time em volta disso. Todo grande clube já teve mudanças nesses ícones ao longo de sua história, mas elas são muito esporádicas e a sensação geral é que todos eles “sempre estiveram lá”. Até que vem o Clube Atlético Paranaense e resolve mudar tudo de uma vez. O nome perdeu o acento no É e ganhou um H. O distintivo ficou completamente diferente. A camisa também aparece com alterações significativas.

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A maior parte da torcida, como era de se esperar, rejeitou a novidade. Torcedores de outras equipes também, ou então usaram o tema para chacota. Mas tudo ficou muito dentro do “gostei ou não gostei”, sem se discutir de forma mais detalhada tudo o que o Atlét… ops, Athletico trouxe. E há ideias que valem uma reflexão.

Por isso, conversei com a designer atleticana Gabriela Oliveira para discutir a nova identidade do Furacão com um pé na análise técnica da marca e um no coração da torcida. Não é uma entrevista, é uma conversa mesmo, um debate para discutir o assunto. Confira:

Ubiratan

A nossa tendência como amante de futebol é rejeitar mudanças. A minha posição, e eu não sou torcedor do Athletico, é que não deveriam ter mudado a identidade. A camisa não é tão antiga assim, é de 1988, mas era bonita e não representava um problema de marca na minha visão. O distintivo é mais novo ainda, de 1997, não é como o do Fluminense, que vai lá do começo do século passado ou como o do Corinthians, que é dos anos 40. Mas o escudo do Athletico era bonito, não se confundia com o de algum outro clube brasileiro e tinha boa aceitação entre a torcida. Também não acho que era o caso de mudar. Mas a minha opinião vale pouco, por ser subjetiva e porque não sou torcedor do clube. Então, deixando isso de lado, a ideia de mudar em si não me soa o fim do mundo. Mas o que você acha?

Gabriela

Eu ainda estou meio dividida. Não precisava de novo escudo ou de novo nome, não precisava. Temos uma história muito recente com as camisas de listras verticais e esse novo escudo, circular, é de 1997. É tudo muito novo. Não tem nem tempo para precisar mudar. No design, é normal buscarmos atualizações nas marcas, mas não é bem assim que funciona no futebol. O escudo do Flamengo é de milhões de anos. Teve atualização? Teve, mas não precisa ser feito em um período de tempo tão curto. As pessoas são muito passionais com isso. Muito torcedor não gostou, há algumas poucas reações positivas. Mas, já que foi proposto e quiseram mudar, era para fazer direito. Não recebi o briefing do Atlético para a OZ, a agência que fez o projeto, e não sei até que ponto a Umbro não pode ter um papel nisso também e sei que muita coisa pode interferir no trabalho de design. Falo muito do que imagino que possa ter acontecido pela minha experiência em trabalhar com design. E, em termos de conceito, o que apresentaram é contraditório.

Ubiratan

Como assim?

Gabriela

Eles querem uma justificativa histórica para voltar ao nome do clube original, da década de 1920, da fundação. É válido, mas o conceito visual tinha de acompanhar isso. O escudo não remete a um furacão como argumentam, não tem equilíbrio de design, não tem harmonia. A fonte não condiz com o que é o Athletico, não condiz com a ideia de voltar ao passado. É uma marca muito moderna, muito contemporânea, para um conceito de voltar às origens com o nome e valorizar a história do clube. O escudo fica desequilibrado, sem harmonia. E esse problema de design, de construção de imagem que tem nesse escudo, pode estar interferindo no fato de as pessoas não estarem gostando. Olha, vê um problema, nem sabe dizer o que é, mas fica com uma ideia negativa.

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Ubiratan

E a camisa?

Gabriela

Eu gosto da camisa, achei bonita e atualizar a camisa é muito válido. Toda nova temporada tem camisa nova, algumas com mudanças radicais. O Corinthians, por exemplo, já teve a camisa 2 sem listras. O trabalho que foi feito achei bom. Gosto das listras na parte de baixo, na barriga.

Ubiratan

Dois elementos parecem claros nessa identidade. O primeiro é transformar o nome em algo mais exclusivo, menos “genérico”. O Petraglia já flertou há mais de dez anos com a ideia de fazer o clube ficar conhecido como “Paranaense”, tanto que o domínio chegou a ser “caparanaense.com.br”. Depois ele voltou atrás, não colou. Tentou de novo agora, até foi dito que a ideia da diretoria era reforçar o Paranaense, mas houve rejeição novamente. Esquecendo a tradição, falando apenas no conceito de mudar a marca e torná-la mais exclusiva, até acho que botar o H não foi tão ruim. Do ponto de vista do publicitário que pensou nisso, é um jeito de mudar o nome sem mudar muito. Do ponto de vista do torcedor, pode até parecer ridículo, vira piada para os rivais, mas fica como na Espanha, que tem o Athletic Bilbao e o Atlético de Madrid. Agora, no Brasil, o ATH é o do Paraná, o ATL é de Minas, de Goiás, do Acre… Eu tinha medo de virar um Paranaense Futebol Clube, que chegou até a se espalhar pelas redes.

Gabriela

Não acho ruim trazer o H para remeter o passado e transformar o nome do clube em algo mais único. Todo torcedor atleticano paranaense já sofreu chacota ouvindo “Atlético de verdade é o Mineiro”. Vários mineiros brincam com isso, e o Petraglia até falou isso recentemente. Então, tudo bem colocar o H, mas o visual não acompanha isso. É para voltar ao passado com a nomenclatura original, com “Club Athletico”, mas devia ter um acompanhamento visual que não funcionou.

Ubiratan

Então, e o segundo elemento que me parece claro é o uso da listra diagonal. Pegaram o pretexto do furacão, e concordo que soou meio forçado, mas já foi o suficiente para justificar o uso da listra diagonal. O Athletico não é listra horizontal como o Flamengo e o Atlético Goianiense, também não é vertical como o Milan, o Vitória, o Bayer Leverkusen. É o time da listra diagonal. Nenhum time minimamente importante do mundo é rubro-negro listrado em diagonal. O distintivo novo tem alguma coisa dos distintivos dos anos 80 e o dos anos 90, com o CAP no alto à esquerda e as listras, só que agora elas são diagonais.

A sacada do diagonal me parece boa, mas acho que houve pequenos problemas na finalização. As listras são desalinhadas à direita para ficar a forma do F de “furacão”, mas acho que não há uma leitura imediata e, como o escudo não tem um contorno para enclausurar as listras, fica parecendo que houve algum erro. E outra coisa que acho que a torcida está estranhando: qual o distintivo novo do Athletico? Foram apresentadas três versões, uma para cada situação: com tudo preto no fundo vermelho, com tudo vermelho no fundo preto e com CAP preto e listras que variam quando há fundo branco. Qual é o padrão? No site é o do fundo branco, mas no Twitter está com tudo vermelho no fundo preto. As pessoas ainda estão estranhando isso, parece que são três distintivos. Elas acabarão se acostumando e entendendo qual é o que vale, mas fica esse estranhamento no primeiro momento. Fiquei com a sensação que, com pequenos ajustes, o conceito da equipe de design ficaria mais redondo e a percepção da torcida seria outra.

Gabriela

Concordo que a listra diagonal é interessante. O escudo tem coisa interessante, mas poderiam ter trabalhado melhor para ter encontrado uma harmonia. A fonte que escolheram para o “CAP” não tem leitura fácil e não tem peso, o que tem peso no escudo são as listras. E apresentarem várias versões do distintivo também causa estranhamento inicial, tira ainda mais a cara de escudo de futebol e traz mais a ideia de marca de empresa. Quando fazemos uma proposta de um novo design para uma empresa, criamos várias aplicações possíveis para a marca, de acordo com produto ou mídia em que ela estará exposta: em fundo escuro, em fundo claro, em uma cor só, colorida. Um escudo de futebol é um pouco diferente, não costuma ter tanta variação, e o Athletico aparecer com versões diferentes pode ter feito as pessoas rejeitarem um pouco mais, até porque o torcedor está acostumado com um distintivo preto e vermelho com detalhes em branco. Por isso, como opinião de torcedora, acho que o distintivo que tem mais parece o oficial é o da camisa branca, com listras rubro-negras. Mas eu gosto da camisa vermelha com distintivo preto.

É realmente uma questão de refinamento de projeto. Os dois conceitos, de remeter à origem para dar exclusividade no nome e o das listras diagonais, são interessantes, mas ficaram díspares. Faltou fechar o conceito para uma coisa única.

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Ubiratan

Em relação à camisa, essa nova aparece com quatro listras diagonais na barriga. Mas, convenhamos, desenho de camisa muda todo ano. Imagino que eles tenham apresentado a versão da próxima temporada. Mas acho que a camisa de 2020 diz muito mais sobre o que é o novo padrão para o uniforme do Athletico do que a camisa que vimos agora. A camisa de 2019 tem um desenho feito especificamente para vender os conceitos do novo design: camisa vermelha com quatro listras pretas em diagonal, porque o negócio agora são listras diagonais.

Mas o futuro é qual? É deixar de ser rubro-negro listrado para se tornar um rubro-negro de camisa predominantemente vermelha com calções pretos? É um caminho possível. Esse padrão é pouco comum no futebol brasileiro, tem só o Brasil de Pelotas. Tinha também o Colorado, mas o clube já virou o Paraná há décadas e talvez não haja mais memória emotiva em relação a isso. Além disso, rubro-negro listrado já tem vários, vertical ou horizontal.

Ou será que a camisa do Athletico segue listrada, mas agora com listras diagonais? Nesse caso, essa primeira camisa calhou de ter o vermelho predominando, mas as demais serão mais equilibradas entre as duas cores. Só em 2020 vamos ver de verdade qual a nova camisa do Athletico. Não dá para julgar só por essa, temos de ver no futuro o que será realmente a nova identidade aplicada na camisa.

Gabriela

Tem também uma outra questão que é o patrocinador. A gente vê ela toda linda, com as listras diagonais, mas como vai ficar quando entrar o logotipo da Caixa no meio do peito? Vai ficar em cima das listras, vai perder um pouco da identidade das listras. Em 2020, acho que não explorarão as diagonais. Elas ficarão só no escudo, não vejo um uso tão forte das diagonais nos próximos anos. Quem sabe se não usarão o degradê que fizeram na camisa de 2001, ou então excluam de vez as listras e façam um tom sobre tom. Dá para usar? Dá, mas pode ficar repetitivo e isso é prejudicial até para a Umbro como venda de camisas. Mas, realmente, essa primeira camisa ficou muito como um display para a nova identidade e eu acho que teremos um problema no conceito quando entrar a marca do patrocinador. Em 2020 o trabalho de design será bem mais puxado, pois reforçará a nova marca e a transformará em algo mais condizente com os anos passando. Terá de surpreender mais ainda que a de 2019.

Ubiratan

Mas, no geral, achei que há boas sacadas como o diagonal, transformar o Athletico no time da listra diagonal. Para quem não tem relação de torcedor com o clube, o H pode soar interessante, fica diferente, não confunde. Mas esqueceram de colocar o torcedor no processo. Talvez se as mudanças fossem graduais…

Gabriela

Não participei de nenhum processo de criação, de nenhuma pesquisa com sócio-torcedores (já fui, não sou mais), mas deveriam ter demorado um pouco mais para ir entendendo um pouco mais as vontades dos torcedores. Acho também que podiam contratar uma agência paranaense. Por que contratar uma agência paulista para fazer um projeto de identidade de um clube paranaense? O Paraná é um grande pólo de design no Brasil, talvez o segundo maior, atrás apenas de São Paulo. E absolutamente não falo por mim, pois sou paranaense, mas trabalho em São Paulo desde 2009. Mas, como torcedora, senti falta do lado passional no resultado final. Ficou muito frio, muito reto, muito sem emoção. Talvez uma equipe paranaense pudesse identificar esses detalhes que faltaram. No mínimo, pareceria que os responsáveis seriam também atleticanos.

E foram muitas mudanças ao mesmo tempo para a gente absorver. É um novo escudo, uma nova proposta visual, um novo nome. Se as mudanças tivessem sido feitas gradativamente, primeiro uma coisa, depois a outra, talvez não tivesse tanta rejeição. De qualquer forma, mudar o nome parece menos pior que mudar o escudo, menos de 15 anos depois de mudar outro escudo. O clube está em uma crescente desde os anos 90, está numa situação melhor que seus rivais locais, chegando a uma final continental… Como os resultados em campo estão bons, talvez as pessoas não rejeitassem tanto uma mudança de nome. E depois vem a outra, do escudo.

Ubiratan

O que você achou da ideia de apresentar a nova identidade na véspera da final da Copa Sul-Americana?

Gabriela

Foi péssimo, ficou uma sensação de anti-clímax. Espera passar a final, deixa a torcida feliz com o título e depois traz a tristeza da mudança de marca.

Ubiratan

Há uma parte da torcida que adora o Petraglia por recuperar o clube, por entrar em choque com a Globo, por ser inovador e tal. E outra parte que odeia o Petraglia por ser contra as organizadas, por tratar torcedor como cliente, por gourmetizar o público da Arena. O quanto você acha que a opinião da torcida sobre a diretoria não influenciou a percepção geral das mudanças? Essas mudanças são podem reforçar a opinião que as pessoas já tinham sobre a diretoria do clube?

Gabriela

Tem muito a ver, sim. A maioria da torcida não gosta muito do Petraglia. É comum um clube ter atrito com suas organizadas, mas a briga do Athletico com a Fanáticos é em outro nível. O estádio era um caldeirão, algo bem passional. Eu mesma me tornei atleticana depois de assistir um jogo no estádio, por conta do clima, do som da bateria da torcida. E o Petraglia foi banindo isso. Foi o caso da nova identidade do clube. A ideia de mudar a marca não foi tão bem aceita pela torcida e ele insistiu. As pessoas falam para ele não fazer, e ele vai lá e faz. Se fosse uma outra diretoria, talvez mudança de nome, de escudo e de camisa fossem mais bem aceitas.

Foto de Ubiratan Leal

Ubiratan Leal

Ubiratan Leal formou-se em jornalismo na PUC-SP. Está na Trivela desde 2005, passando por reportagem e edição em site e revista, pelas colunas de América Latina, Espanha, Brasil e Inglaterra. Atualmente, comenta futebol e beisebol na ESPN e é comandante-em-chefe do site Balipodo.com.br. Cria teorias complexas para tudo (até como ajeitar a feijoada no prato) é mais que lazer, é quase obsessão. Azar dos outros, que precisam aguentar e, agora, dos leitores da Trivela, que terão de lê-las.
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