Ao erguer a Sul-Americana, Lucho González elevou uma carreira já tão condecorada
Quando Lucho González desembarcou na Arena da Baixada, em 2016, soou como mais uma daquelas apostas mirabolantes que o Atlético Paranaense faz em seu elenco. Sim, havia o reconhecimento por aquilo que o argentino construiu ao longo de sua trajetória. Mas, então com 35 anos, restavam sérias dúvidas sobre o que poderia produzir vestindo rubro-negro. Seu retorno ao River Plate rendeu a conquista da Copa Libertadores, embora o meio-campista tenha permanecido poucos minutos em campo. Até por isso, sua segunda passagem por Núñez não durou os dois anos previstos em contrato. Pois entre altos e baixos no Furacão, o investimento se pagou com juros nesta Copa Sul-Americana. O medalhão se tornou a grande referência na equipe de Tiago Nunes e, com a braçadeira, teve o gosto de erguer mais uma taça continental.
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O passado de Lucho fala por si. O garoto revelado pelo Huracán fez parte de grandes conquistas com o River Plate, onde desabrochou no início da década passada. Transferiu-se ao Porto e esbanjou qualidade técnica em seus anos no Estádio do Dragão. Acumulou taças e se afirmou como um meio-campista completo – combinando dinamismo, elegância e presença física para preencher o campo de área a área. Era um deleite ver o argentino apresentando sua vontade para conduzir os portistas. Não à toa, depois de conquistar o ouro olímpico em 2004, fez parte da seleção argentina que disputou a Copa do Mundo de 2006 – aquela que, no papel, foi uma das mais fortes que a Albiceleste já viu. Depois ainda faria sucesso no Olympique de Marseille, campeão nacional com a capacidade que lhe é característica, antes de retornar ao Porto para mais alguns troféus. De qualquer forma, a idade já exercia o seu peso e a mudança para o Al Rayyan, em 2014, indicava o ocaso.
Lucho fez parte do projeto do River Plate para reconquistar a Copa Libertadores. Na reta final da competição continental em 2015, Marcelo Gallardo resgatou antigos companheiros para rechear o elenco. Tarimba que, enfim, premiou uma geração merecedora do feito sul-americano. O meio-campista estava lá ao lado de Fernando Cavenaghi, Javier Saviola, Pablo Aimar. A vitória diante do Tigres praticamente marcou um ponto final a todos os seus velhos amigos, sofrendo no corpo a exigência de carreiras em alto nível. No entanto, não seria o momento para Lucho se render. Se produziu pouco no Monumental, o Furacão oferecia a confiança de que poderia alcançar ainda mais, a despeito da idade.
Nestes dois anos no Atlético Paranaense, Lucho González não foi um jogador para 90 minutos. Substituído na maioria absoluta de suas aparições, exerceu seu domínio na faixa central apenas em parte do tempo. Da mesma forma, também sofreu críticas por suas atuações – sobretudo no ano passado, oscilando com a equipe. Mas, se ao contratá-lo visando a Libertadores 2017, o Furacão esperava uma experiência internacional que ajudasse o elenco, isso nunca faltou ao meio-campista. Fez boas partidas no torneio continental, sobretudo na agonia diante do Deportivo Capiatá durante a pré e nas vitórias que possibilitou ao longo da duríssima fase de grupos encarada pelos rubro-negros. Até que o ápice acontecesse aos 37 anos, nestes últimos meses redentores na Baixada.
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As características de Lucho González seguem as mesmas, apesar das limitações impostas pelo físico. É um meio-campista muitíssimo empenhado e também com visão privilegiada. Algo potencializado pela parceira firmada ao lado de Bruno Guimarães. O novato não apenas complementou o veterano, como também o auxiliou a recuperar a melhor forma. Associação que valeu bastante na Copa Sul-Americana e ainda mais na decisão. Quando o Atlético era pressionado em Barranquilla, Lucho conferia um pouco de lucidez ao time e permaneceu até os instantes finais no já importante empate. Por fim, nesta quarta-feira, deu cadência à faixa central principalmente no primeiro tempo satisfatório feito pelo Furacão. Não evitou o sufocou na etapa final e saiu aos 29 minutos, substituído por Wellington. Voltaria para erguer a taça, aquela que diminui o barulho dos questionamentos e confirma sua decisão acertada ao se mudar para Curitiba.
Em meio às oscilações dos meses anteriores, Lucho González esteve próximo de deixar o Atlético. No final de 2017, seu contrato se encerrou e as perspectivas para a renovação eram mínimas. O veterano dedicou até mesmo uma carta de despedida à torcida rubro-negra. Pior, o argentino enfrentava uma disputa judicial com a ex-esposa, que chegou a acusá-lo de tentativa de homicídio. O clube ofereceu apoio na questão e também renovou seu vínculo temporariamente, até setembro. A recuperação da guarda compartilhada dos filhos, entrando em consenso com a antiga parceira, se combinou com sua melhor fase na Arena da Baixada. Em agosto, assinou mais três meses de contrato. Até que a noite inesquecível se consumasse na madrugada desta quinta-feira. Durante a coletiva de imprensa, o capitão estava justamente ao lado de um de seus filhos, plenamente leve e plenamente feliz.
Lucho González tem sede de conquistas. Não fosse assim, não teria enfileirado duas dezenas de troféus em sua trajetória como jogador profissional. E o seu senso coletivo se torna essencial, dentro do conceito de grupo. O veterano serve de exemplo por seu companheirismo e por sua generosidade, principalmente aos mais jovens. Uma característica muito bem aproveitada neste elenco do Atlético Paranaense, de tantas promessas que despontam. Além disso, a chegada de Tiago Nunes também auxiliou o veterano dentro de campo. Em uma equipe mais objetiva, ele se encaixou perfeitamente. Que seja um “canto do cisne”, esta Copa Sul-Americana já se tornou um dos grandes momentos na condecorada história do argentino nos gramados.
As boas notícias a Lucho, aliás, se estendem desde os últimos dias. O meio-campista havia renovado o seu contrato por mais um ano. Agora, poderá disputar a Libertadores de 2019 pelo Atlético Paranaense e se reencontrar com o River Plate na Recopa Sul-Americana. O meio-campista terá novas oportunidades para se gravar como uma referência neste time rubro-negro. E o apelido de ‘El Comandante', sobretudo depois do título capitaneado pelo veterano, faz cada vez mais sentido. Um líder com a cara da façanha do Furacão.