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Seleção: já foram 100 anos, e o que fazer nos próximos 100?

A Copa do Mundo era o grande momento para o Brasil abrir suas portas. Havia o temor de que as obras de infraestrutura e os estádios não estivessem prontos, que os problemas cotidianos espantassem os turistas. De uma maneira geral, esses medos acabaram para trás. Porque a forma como país recebeu o Mundial foi muito mais marcante. A integração da população nas ruas foi grande, ajudada pela atmosfera nos estádios e pelo bom futebol em campo. Mas aquela que não era uma grande preocupação se tornou o maior lamento: a seleção brasileira.

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Não que o Brasil fosse favorito absoluto ao título. As previsões eram boas, sobretudo após a conquista da Copa das Confederações. Havia a cobrança excessiva sobre o time que jogava diante da sua torcida e, volta e meia, o tal fantasma de 1950 reaparecia. Mesmo assim, não existia tanto medo de que a Seleção pudesse ser um fiasco. Mesmo tropeçando, a equipe avançava. E quando a chance de vexame parecia próxima a zero (contra um adversário superior, sem dois de seus craques e na fase que os últimos dois anfitriões de peso chegaram), o Brasil surpreendeu. Negativamente.

Por mais que o desastre tenha sido resultado de várias circunstâncias do momento, também se espera a reconstrução. A derrota faz os brasileiros pedirem por uma mudança de atitude da CBF. Já o futebol pouco empolgante também deixa manchas na imagem da Seleção para o resto do mundo. A camisa amarela, que era sinônimo de futebol-arte, deixou a desejar quando mais se esperava dela. Precisa repensar seu próprio futuro.

Não foram só os 7 a 1
Jogadores lamentam a derrota histórica de 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão (AP Photo/Martin Meissner)

Por mais que a Seleção não pratique um futebol que coletivamente pleno há algum tempo, o apelo do “jogo bonito” continua. Nem que seja a partir dos pés dos craques, como foi com Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo e outros gênios que vestiram a camisa amarela nos últimos tempos. Desta vez, o grande bastião do talento era Neymar. E, ainda que o Brasil tivesse o apoio da torcida e se esperava ao menos a imposição sobre os adversários. O time, no entanto, sequer conseguiu ser convincente.

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A Seleção teve problemas evidentes nos dois primeiros jogos, mas conseguiu recuperar terreno contra Camarões. Passou em primeiro, para ser vencido no duelo tático com o Chile. Pesou a sorte dos pênaltis e a Seleção fez sua melhor apresentação contra a Colômbia, ainda que a discussão sobre Neymar e a violência dos times tenha encoberto isso. Para tudo desmoronar contra a Alemanha e, desabado, o time não funcionar contra a Holanda. “A decepção dos estrangeiros com a Seleção foi em toda a Copa”, analisa Tim Vickery, correspondente da BBC na América do Sul. “É algo que extrapola o resultado, que diz mais ao que o time fez dentro de campo, com muitas faltas. Veio desde a vitória sobre a Croácia, a vitória sobre a Colômbia”.

Não quer dizer que o Brasil precise ser refém desse futebol vistoso. Para convencer, também é preciso vencer. E, querendo ou não, são os resultados que fazem a história da Seleção. “É o momento de repensar essa identidade da Seleção, mas não se pode ser escravo disso. É a hora de tentar fazer isso”, pensa Paulo Vinícius Coelho, comentarista da ESPN e colunista da Folha de São Paulo. “Em 2002, a Seleção conseguiu um resultado positivo. Por mais que algumas pessoas critiquem, foi quando o time uniu um futebol ofensivo e que conseguiu bons resultados. Não dá para jogar sempre bonito e ignorar o resultado.” O jornalista ainda ressalta que o futebol no país, de norte a sul, é muito diverso. Mas que o momento seja de tentar recuperar um jeito mais leve de atuar.

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Para Vickery, há ainda uma mudança no próprio conceito da Seleção que precisa ser revisto: “Para recuperar essa admiração, vai precisar de uma mudança brutal no estilo de jogo, o que é difícil. Para mim, o fundo do poço foi quando apontaram o David Luiz na seleção da Copa, um jogador que, além de ter ido mal contra a Alemanha, não fez sua função. Porque é adotar de vez o discurso de time de guerreiros, de ‘queremos raça'. Você está se afastando do conceito do jogo”.

Mais do que isso, não é o resultado da Copa de 2014 que destine o Brasil ao fracasso em 2018. Por mais que a goleada tenha sido marcante, há terreno para evoluir. Boa parte do elenco é jovem e tem condições de crescer ainda mais rumo ao próximo Mundial, ainda que outras rivais até sejam mais promissoras – como a própria Alemanha. A questão maior fica sobre esse equilíbrio entre o futebol que será apresentado pelo Brasil e a busca pelo resultado.

Como fica o encanto?
Alemanha abre o placar aos 10 minutos do primeiro tempo com Müller após cobrança de escanteio (AP Photo/Felipe Dana, Pool)

No Brasil, já há algum tempo que não se espera um futebol tão exuberante da Seleção. A pressão por recuperar a taça acabou se tornando mais importante que o estilo de jogo a partir de meados da década de 1980. Por mais que após o penta tenha havido uma esperança de se reviver o jogo bonito, ela se foi embora com Weggis e os problemas do Mundial de 2006. Nesta Copa, maior do que a cobrança era outra vez pela vitória.

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A derrota quebrou o telhado de vidro da Seleção, mas também serve para que ela olhe para fora. O momento, aliás, é propício para se repensar a própria forma como o futebol brasileiro se trata. Algo que, naturalmente, também pode responder a quem quer ver um jogo mais vistoso da equipe nacional. “Não tem que haver desespero depois da derrota por 7 a 1. Ela representa uma série de fatores, uma conjuntura. É preciso se pensar a respeito”, diz PVC. “É a hora de perguntar qual o futuro. Pensar, organizar, tentar representar o futebol brasileiro. Olhar o que está acontecendo, sem pressa. E, do jeito que está sendo feito, foi apressado, porque o Marco Polo Del Nero olhou para a própria sala. É preciso olhar para fora, trazer o que de bom aconteceu na Copa para o Brasil, na organização e na Seleção”.

Neste ponto, Vickery vai ao encontro das ideias do jornalista brasileiro. Para ele, não é difícil que o Brasil consiga dar a volta por cima já em 2018 e conquistar o hexacampeonato. A questão de como o futebol é visto, no entanto, passa também por outros pontos: “A Seleção pode dar a volta por cima na Rússia, mas é difícil que recupere todo o encanto que tinha em quatro anos. A Seleção se perdeu em uma palavra: deixou de pensar ‘como’ faz, apenas ‘o que’ faz. E esse ‘como’ é muito importante”.

O trabalho de base também é fundamental
Alexandre Gallo, responsável pelas categorias de base da seleção, José Maria Marin, presidente da CBF, Gilmar Rinaldi, novo coordenador de seleções, e Marco Polo Del Nero, futuro presidente da CBF (Foto: Ricardo Stuckert / CBF)
Alexandre Gallo, responsável pelas categorias de base da seleção, José Maria Marin, presidente da CBF, Gilmar Rinaldi, novo coordenador de seleções, e Marco Polo Del Nero, futuro presidente da CBF (Foto: Ricardo Stuckert / CBF)

Não dá para pensar em um trabalho de reformulação sem começar pelas categorias de base. A questão maior é uma falta de continuidade que houve no futebol brasileiro nesse aspecto. Ney Franco comandou as seleções menores por dois anos, com bons resultados na formação de jogadores para a equipe principal. O problema é que esse processo foi interrompido para que o técnico fosse liberado ao São Paulo. E Gallo provocou não só uma mudança na chefia, como na própria mentalidade de gerir as divisões inferiores do Brasil.

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Sobretudo, Gallo liderou um movimento para tentar recuperar à seleção brasileira alguns jovens jogadores que tinham migrado para clubes do exterior ainda nas categorias de base. É um caminho, mas apenas complementar. “É preciso um trabalho diferente. Descobrir como os jogadores estão sendo formados aqui, na realidade do futebol brasileiro. Esses garotos precisam ser revelados aqui conforme a necessidade, não tem que ser a prioridade resgatá-los já adaptados ao futebol espanhol, ao italiano. Um projeto de formação”, pondera PVC.

O êxodo de jogadores da base é uma questão já antiga no futebol brasileiro. Não é só isso, porém, que atrapalha o trabalho de formação, mesmo nos clubes. E as seleções de base, que deveriam complementar essa preparação em um nível mais alto, também deixam a desejar. Os resultados do último ciclo, quando o time sub-20 sequer foi ao Mundial da categoria, é um sinal claro de que, tanto quanto faltam resultados, há uma lacuna técnica.

Vickery analisa principalmente pelo que se vê hoje na seleção principal, em relação ao estilo de jogo de toque de bola que marcou o futebol da Seleção durante o auge da ‘magia amarela’: “O Brasil é exportador de matéria-prima, mas não consegue formar um jogador que faça o time jogar. O Brasil não joga bem coletivamente. E não tem um Xavi, um Schweinsteiger, um Iniesta. A Seleção sempre contou com os volantes que tocavam melhor a bola, mas hoje não tem ninguém assim”.

Como fica a marca?

Marco Polo Del Nero (à esq.), presidente da Federação Paulista, e José Maria Marin

Os resultados, obviamente, também tem um impacto não só na Seleção como marca de futebol, mas também comercialmente. Porque, independente dos desmandos de dirigentes, a CBF se tornou uma máquina de fazer dinheiro nos últimos 25 anos – embora o destino desse dinheiro seja dúbio e nem sempre surta resultados nas raízes do futebol. O resultado muda um pouco a relação do Brasil com seus patrocinadores, mas está longe de fazer a equipe nacional perder o seu apelo.

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“O impacto da derrota vem mais pela maneira como perdeu. Os questionamentos maiores sobre a marca são mais no Brasil, não vejo isso mundialmente. A marca continua muito forte, ainda que o Brasil não seja mais o principal protagonista do futebol mundial”, coloca o jornalista Erich Beting, editor-chefe do Máquina do Esporte e dono de um blog no UOL sobre negócios do esporte. “A maioria dos contratos de patrocínio foram renovados recentemente, antes da Copa. As marcas não querem perder essa relação com a Seleção, é interessante para terem exposição no exterior, pelas ações que podem ser ativadas”.

Mesmo assim, essa questão da identidade do futebol brasileiro ainda tem certo peso na relação com as marcas. A Nike, essencialmente, vendeu por algum tempo a imagem do ‘joga bonito’ brasileiro, algo que diminuiu na medida em que a empresa americana se estabeleceu no mercado do futebol e passou a depender menos da Seleção. De qualquer forma, a imagem rege parte dessas relações comerciais: “A fama da Seleção continua, independente do resultado. É um ativo que vale muito a pena, por ser uma equipe pentacampeã, por ser uma camisa mundialmente famosa, pelo apelo que tem. Mas, se não apresentar esse tipo de jogo, pode haver um problema de longo prazo”, complementa Erich Beting.

A hora de repensar essa identidade

Neymar comemora: decisivo para o Brasil (AP Photo/Bernat Armangue)

Diante de todas as dúvidas, ainda assim, há uma certeza: este é o momento para a Seleção e o futebol brasileiro olharem para si. O Brasil se empolgou com a Copa do Mundo que sediou, e pode ir além se aproveitar a oportunidade para também pensar sobre o que acontece dentro de seus estádios depois do torneio. Se os legados de infraestrutura são menores do que o imaginado, no futebol ele pode ir além.

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Há, é claro, os entraves políticos da CBF. A atual organização da entidade não faz crer em nenhuma mudança brusca de direção. “O grande ponto é que a CBF precisa definir uma identidade da Seleção e passar a fazer valer. Um dos grandes problemas hoje é a falta de identidade, algo que acaba definido pela imprensa e pelos patrocinadores”, coloca Erich Beting. “Não acho que haverá uma mudança do nível, não existe esse nível de preocupação com a identidade. A CBF não trabalha sobre isso e a mídia não discute profundamente o assunto. Não existe um planejamento”.

Mesmo que a CBF continue com sua atual hierarquia e que os projetos que tentam revolucionar o futebol brasileiro (com mudança de calendário e outras mudanças mais drásticas) não aconteçam plenamente, há saída. Para PVC, o caminho é achar um meio termo: “A questão é fazer. É fazer acontecer. E dá para fazer com o que o futebol brasileiro tem hoje. É preciso aproveitar a Copa para o mundo ver o Brasil e para o Brasil se descobrir. Vá aos jogos, assista aos jogos, lote as arquibancadas. Se você tirar o público estrangeiro, foram 35 mil brasileiros por jogo da Copa. É uma ótima média. Você tem que parar para discutir como vai trazer esse público, como vai fazer isso”.

Sobretudo, porque a oportunidade é única. “A chance está na mesa, você tem que trabalhar sobre ela. O cavalo está passando, e está encilhado. Mas ninguém subiu nele ainda”, conclui.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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