Renato Paiva, ex-Bahia, se recusa a chamar como cultura o resultadismo brasileiro — e está certo
Primeiro técnico da SAF do Grupo City, Renato Paiva detalhou como 'expectativas irreais' o incomodaram no Brasil
Há pouco mais dois meses, o técnico português Renato Paiva pediu demissão do Bahia. À época, o português alegou não aguentar a pressão da torcida e imprensa por resultados, não vistos em seu trabalho, visto que o Tricolor Baiano estava à beira da zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro. Nesta terça-feira (21), em texto ao Coaches' Voice, Paiva deu mais detalhes do que incomodou no período de nove meses no Brasil, principalmente o que chamou de expectativas “irreais”.
O mister dividiu sua passagem pelo Bahia em dois pontos, um que considera extremamente positivo, que é a qualidade de jogadores e técnicos, a competitividade e os estádios lotados, e outro, menos agradável, sobre como a expectativa dos torcedores em relação à temporada do clube não era conforme a realidade.
Infelizmente, é comum que se conviva com expectativas irreais no futebol brasileiro. Uma vez, dois torcedores do Bahia vieram conversar comigo em um shopping. ‘Mister, temos que ser campeões’. Enquanto eu dizia que lutaríamos para isso, mas que era necessário respeitar o Vitória, eles me interromperam. ‘Não, mister, não estamos falando do campeonato baiano. Temos que ganhar o Brasileirão’. Essas expectativas irreais se transformam em atitudes surreais. Muitos brasileiros dizem que é ‘cultural’, mas eu me recuso a chamar isso de cultura
Renato Paiva trata essa “cultura” (aspas dadas pelo próprio técnico) como algo negativo não apenas aos técnicos, mas também para todo o ecossistema do esporte no país.
– Com um olhar estrangeiro, de quem respeita a história e o potencial do Brasil, digo que essa ‘cultura' não faz mal apenas aos treinadores. Faz mal ao próprio futebol brasileiro – explicou.
O técnico português ainda detalhou o otimismo que tinha na equipe antes de sair. Segundo ele, naquele momento, era visto um trabalho, uma ideia, porque o Bahia estava dentre os times que mais finalizavam e o que menos sofria chutes, mas, no Brasil, “só se olha para os resultados”.
– A minha sensação é que o Bahia estava em evolução quando saí. Era visível que a equipe jogava cada vez melhor. O Bahia era a sexta equipe, entre 20, que menos chutes a gol concedia ao adversário. E era a quinta com mais finalizações. Ou seja, em termos coletivos, havia um trabalho, uma ideia. No Brasil, porém, só se olha para os resultados. E, de fato, os resultados não eram bons – desabafou.
A saída do técnico de 53 anos aconteceu em 3 de setembro, quando empatou em 1 x 1 com o Vasco e ficou a um ponto do Z4 do Brasileirão. Paiva finalizou o período pelo Bahia com aproveitamento de 49% em 51 jogos, construído por 20 vitórias, 15 empates e 16 derrotas. Em abril conquistou o Campeonato Baiano, único título no Brasil, caindo nas quartas de final da Copa do Brasil ao ser superado nos pênaltis pelo Grêmio e na primeira fase da Copa do Nordeste.
O português garantiu que não seria demitido pelo Grupo City e se sentiu respaldado do início ao fim da gestão, vinda de Manchester. Ele ainda detalhou como é trabalhar em um dos mais vencedores conglomerados de clubes no futebol.
É importante deixar claro que o Grupo City não iria me despedir até o final do campeonato. Não havia qualquer ameaça de demissão. Pelo contrário, senti muita confiança e apoio vindos de Manchester. Trabalhar em um clube do Grupo City é diferente. Há diretrizes que você deve seguir, orientações que precisam ser respeitadas. O estilo de jogo tem que ser em função de alguns parâmetros definidos por eles, e nós estávamos claramente dentro do que era exigido. Mas senti que era o momento de ir embora. A pressão era muito grande e eu não queria aquele ambiente para os meus jogadores.
O ex-técnico do Independiente Del Valle afirmou que não aceitará assumir qualquer projeto e que quer “uma equipe que dispute títulos”.
A situação do Bahia pós-Renato Paiva, agora com Ceni
Se comparado ao cenário antes de Renato Paiva, o Bahia regrediu na luta contra o rebaixamento no Brasileirão. Nesse momento, o Tricolor de Aço, comandado por Rogério Ceni desde 14 de setembro, está em 17º lugar, com 38 pontos, dois a menos que Vasco e Cruzeiro, os dois primeiros acima do Z4 e com um jogo a menos (se enfrentarão nesta quarta-feira, 22).
Com Ceni, são cinco vitórias, um empate e seis derrotas, aproveitamento de 44%, marcando 16 gols e sofrendo 18. Nas quatro rodadas finais, o Bahia enfrenta Corinthians (fora), São Paulo (casa), América-MG (fora) e fecha o Brasileirão contra o Atlético-MG, na Arena Fonte Nova, em Salvador.