Quando Stan Lee inspirou o reerguimento do Palmeiras: O Hulk da Série B em 2003
O Incrível Hulk surgiu em 1962. Stan Lee e Jack Kirby criaram o alter ego de Bruce Banner, protagonista de uma revista em quadrinhos que durou apenas seis edições. Somente meses depois é que o gigante verde realmente emplacou e virou um dos principais símbolos da Marvel. A ponto de, em 2003, lançarem o blockbuster que rendeu mais de US$260 milhões nas bilheterias dos cinemas. O que poucos em Hollywood imaginariam é que, ao mesmo tempo, o personagem também conquistava torcedores nos estádios brasileiros. Por alguns jogos, o célebre herói também virou uma espécie de mascote do Palmeiras, presente ao longo da reconstrução dos alviverdes na Série B.
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A referência ao Palmeiras era óbvia. A cor verde servia de ligação entre Hulk e o clube. Mas como é que surgiu a ideia de levar um grandalhão pintado de verde aos jogos dos palmeirenses na Segundona? A explicação está em Maurício Bonatti, ator e personal trainer. Na época, ele já havia feito um pouco de tudo, trabalhando de cabo da Polícia Militar a bailarino do Clube das Mulheres. Mas, mais importante, atuava como Hulk em festas infantis. E também encarnava o ‘Sonrisal', um dos lutadores do Gigantes do Ringue, programa de telecatch exibido pela Gazeta. O dono do espetáculo era Michel Serdan, também lutador e pai Paulo Serdan, então presidente da Mancha Verde.
Foi o líder da torcida organizada quem convidou Bonatti para representar o Hulk durante as partidas da Série B. Fazia tanto sucesso que participou de toda a campanha, inclusive dos jogos fora de casa. “O Palmeiras estava fodido, aquela situação horrível, e eles acharam que eu me vestir de Hulk para entrar com os jogadores daria um ânimo. Comecei a entrar e o time não perdeu mais. Subia a bandeira de um lado e eu aparecia de Hulk do outro. Virei um talismã. Essa época ninguém apaga da minha vida”, contou o ator, ao UOL, em 2015.
Bonatti tinha 40 anos naquele momento. Usava óleo, loção removedora, soro fisiológico, base compacta e pó fixador para se pintar de verde. Além disso, também colocava lentes brancas e uma peruca. Demorava uma hora e meia para se arrumar. “O meu físico se adapta a esse personagem. Gosto dele, porque só fica bravo em favor de boas causas”, declarou ao Estado de S. Paulo, em 2003. Embora torcesse para o Palmeiras, Bonatti não era dos mais fanáticos e, na época, só conhecia o goleiro Marcos entre os jogadores. Em compensação, sequer cobrava para se apresentar durante as partidas. Ganhava a autorização do clube para entrar no Parque Antárctica ou o ingresso da Mancha Verde aos jogos fora, mas tudo era bancado do seu bolso – exceto a tinta verde.
Ao longo da jornada na Série B, a participação mais marcante de Bonatti aconteceu no jogo do acesso, contra o Sport. Esteve presente no Estádio Gigante do Agreste, em Garanhuns, onde aconteceu o duelo decisivo. A viagem foi possível graças a um piloto palmeirense da Varig, que doou a passagem. “Foi o dia mais feliz da minha vida. Nunca vi tanta gente alegre, tanta gente me aplaudindo. Na hora, me emocionei e acabei indo fazer festa até no meio da torcida do Sport”, apontou ao Estadão.
A relação com a diretoria, todavia, marcou o fim da participação do Hulk nos jogos do Palmeiras. “Fiquei triste no último jogo que fiz. Quando o Palmeiras marcava um gol, todo mundo gritava ‘Hulk, Hulk'. Mas deu dois minutos e veio um telefonema do presidente Mustafá Contursi, pedindo que eu não subisse na marquise, que tirava o brilho dos jogadores. Então, quando precisava desviar o foco, eles me usavam, mas depois não davam mais atenção. Não tive reconhecimento do trabalho. Nunca quis reconhecimento financeiro. Mas os caras do Palmeiras estão cagando e andando, nunca me ligaram para oferecer uma carteirinha, nem para conhecer o estádio novo”, confessou ao UOL.
Quinze anos depois, Bonatti carrega uma tatuagem do Hulk no peito. O ator costuma participar de programas humorísticos, sobretudo no SBT, por vezes vestido como o herói. Já o Palmeiras prefere esquecer os tempos de Série B. Ainda assim, muitos torcedores, especialmente aqueles que eram crianças, são gratos às alegrias proporcionadas pelo Hulk.