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Quando o Botafogo tentou trazer Just Fontaine, já artilheiro da Copa, para o futebol brasileiro

As negociações foram reveladas na época por João Saldanha, técnico do Botafogo, e confirmadas por Fontaine anos depois

Just Fontaine está na história do futebol brasileiro. Ter eliminado o recordista de gols em uma única edição de Copa do Mundo está entre os atestados de força do Brasil campeão em 1958. E o detalhe é que o goleador poderia ter vindo para o país depois do Mundial da Suécia. O Botafogo bem que tentou trazer o craque para o Rio de Janeiro, em negociações confirmadas inclusive pelo técnico João Saldanha. Os rumores circularam na imprensa por algumas semanas, entre julho e agosto de 1958. Entretanto, pretendido também por equipes da Espanha e da Itália, Justo preferiu renovar com o Stade de Reims. Ficou a possibilidade que era recontada também pelo veterano, falecido nesta semana, aos 89 anos.

A notícia não pintou nos jornais à toa. Quem deu a informação da negociação ao Jornal dos Sports foi o próprio João Saldanha, técnico dos alvinegros, em entrevista por telefone. Perguntado sobre quem os botafoguenses poderiam contratar, Saldanha mandou na lata: Fontaine. Algo que foi recebido com incredulidade pelo repórter: “Naturalmente o João está brincando, pensamos com nossos botões”. Entretanto, o técnico reafirmou as tratativas. Garantiu que o Botafogo oferecia 5 milhões de cruzeiros pelo passe.

“Se depender dele, não tenho dúvida que vem. Didi conversou com Fontaine na Suécia. Revelou que gostaria de jogar dois anos no Brasil. E disse a Didi que o Stade de Reims não pediria um absurdo. Vamos encaminhar a proposta. Por 5 milhões, poderá jogar no Botafogo se o Reims deixar. Com isso, o Botafogo reforçará muito sua equipe e, o que reputo muito importante, dará uma demonstração da força do futebol brasileiro”, declarou Saldanha, ao Jornal dos Sports.

Ao Diário Carioca, Saldanha também confirmava a história: “Estão enganados aqueles que subestimam o poder aquisitivo do futebol brasileiro e é para dar uma demonstração de força que tentaremos trazer Fontaine. Ele conversou com Didi e disse que gostaria de jogar dois anos no Brasil, podendo inclusive conseguir uma licença por esse tempo. Didi contou-nos a história. Estudamos o assunto e verificamos que podemos pagar 5 milhões de cruzeiros por seu passe. Não precisamos, inclusive, de sacrifícios pessoais. Podemos comprar Fontaine e outros rigorosamente dentro do orçamento. Tínhamos um timinho e dava prejuízo; agora temos cobras e o time dá lucro. É intuitivo que o saldo aumentará na medida em que as atrações se multiplicarem”.

Era um pós-Copa movimentado para o Botafogo. Afinal, Fontaine não era o único jogador presente no Mundial na mira dos alvinegros. Zagallo desembarcava em General Severiano naquele exato momento, após deixar o Flamengo. Juntava-se a outros três campeões mundiais do elenco botafoguense: Garrincha, Nílton Santos e Didi. Dentro desse cenário, Fontaine também tinha perspectivas de sair do Stade Reims com seu contrato chegando ao fim. Por mais que o passe seguisse preso com os franceses, a badalação do centroavante na Copa do Mundo fez muita gente crescer os olhos.

As principais especulações ao redor de Fontaine envolviam também clubes espanhóis. Era uma mudança que fazia sentido para o marroquino de nascimento, mas filho de mãe espanhola com pai francês. Espanyol e Atlético de Madrid eram os mais citados na imprensa da época, que também registrava certo interesse dos times italianos, com um grande aporte financeiro. Fato é que o artilheiro tinha caminho aberto para seguir os passos de Raymond Kopa, seu companheiro de seleção, que anos antes deixou o Reims para brilhar no Real Madrid.

Com o passar dos dias, porém, a vinda de Fontaine para o Botafogo passou a ser noticiada em outros moldes. O Stade de Reims não estava disposto a vender em definitivo seu principal craque. Com isso, o centroavante poderia desembarcar no Rio de Janeiro por empréstimo de um ano – “para satisfazer aos desejos do jogador”, noticiava o carioca O Jornal. O centroavante seria adicionado ao elenco botafoguense que planejava uma excursão à União Soviética.

E as expectativas dos alvinegros não demoraram a perder forças com o tempo. Primeiro, porque a oferta de 5 milhões passou a ser apontada como de 3 milhões. Depois, porque o jogo duro do Stade de Reims era um fato. Ao Jornal do Brasil, Saldanha confirmava que seu clube havia enviado uma proposta aos franceses, para garantir os serviços do artilheiro por dois anos. A resposta? Que Fontaine era “invendável”. Assim reportava a nota: “Os dirigentes do Stade de Reims, clube a que pertence Fontaine, recusaram a proposta, salientando que o artilheiro da Copa do Mundo não tem preço e, ainda, que não pretendem se desfazer de um jogador que agora conta com um prestígio imenso por todo o mundo desportivo”.

Logo seria confirmada a renovação de Fontaine com o Stade de Reims. A pretensão dos dirigentes franceses era rivalizar com o Real Madrid mais uma vez na Copa dos Campeões da Europa, com a participação garantida do clube no torneio após conquistar o Campeonato Francês de 1957/58. Depois da assinatura, o atacante pôde seguir às férias na paradisíaca Côte d'Azur. O Jornal do Brasil inclusive publicou aspas de Kopa, jogador merengue na época, que dizia: “Fontaine foi um louco de permanecer no Reims. Não só o Brasil, como Itália e Espanha desejavam contratá-lo, e por muito dinheiro. Ainda não consegui compreender sua atitude”.

Fontaine não apenas disputou a Copa dos Campeões de 1958/59, como também alcançou a decisão com o Stade de Reims. Perdeu o troféu para o Real Madrid de Kopa, mas ao menos conseguiu ser artilheiro do torneio continental, com dez gols anotados. Na temporada 1959/60, Kopa retornou ao Reims após três temporadas na Espanha. Mas não que o nome de Fontaine estivesse livre das especulações, apontado até mesmo como desejo dos madridistas. E, mesmo que os rumores envolvendo o Brasil diminuíssem, a Revista do Esporte publicou em 1959 que, em conversa com um semanário belga, o franco-marroquino afirmou que “se dependesse de sua vontade, estaria jogando num clube brasileiro e escolheria um quadro em que atua o extraordinário Didi, um mestre do futebol”. Didi que, inclusive, jogaria no Real Madrid em 1959/60.

No fim das contas, Fontaine não teria a chance de sair do futebol francês depois de se consagrar na Copa do Mundo. Em março de 1960, o craque sofreu uma dupla fratura na perna que abreviou sua carreira quando tinha apenas 26 anos. Perdeu a Eurocopa de 1960 e passou por uma longa recuperação. Já na temporada seguinte, o centroavante fraturou a perna de novo. Sua aposentadoria bastante precoce dos gramados ocorreu em 1962, aos 28 anos. Ficou apenas o desejo de extrapolar fronteiras, para quem só teve três equipes em sua trajetória profissional – a US Marocaine em seu país natal, além de Nice e Stade de Reims na Division 1.

Já em 2013, ao SporTV, Fontaine confirmou a história: “O Botafogo ligou para o presidente do Reims porque queria me contratar. A transferência, infelizmente, não aconteceu porque Kopa já havia saído alguns anos antes para o Real Madrid. E o presidente não queria que outro atacante da equipe saísse. Tanto que eu tinha um contrato de três anos, assinado. Nesse período de ‘indecisão', eu quebrei minha perna e não pude seguir com a minha carreira. Eu gostaria muito de ter jogado no Brasil, porque adoro o futebol brasileiro”. Certamente o futebol brasileiro também adoraria ter contado com Fontaine.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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