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Por que cada gol da Alemanha é um desastre sentimental

Já houve momentos futebolísticos piores. A goleada de 6 a 0 para o Coritiba, pela Copa do Brasil de 2011, coincide com o pior porre de vinho que já passou pelo meu cérebro (meu travesseiro nunca superou essa tragédia do parmerismo). O 2 a 2 entre Palmeiras e Sport, pelo Campeonato Brasileiro de 2009, certamente contribuiu para os 10 quilos que perdi durante 3 meses na Inglaterra – era meu aniversário de nascimento, aniversário de um mês da morte do meu avô e a prova definitiva de que o Palmeiras fazia um esforço sobre-humano para não ser campeão.  Também há os rebaixamentos, as humilhações, os jogos bizarramente perdidos e os gols do Romarinho. Se meu futuro certificado de óbito for honesto, o Palmeiras constará como “causa mortis” (em prestações, é verdade, mas precisa constar).

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O 7 a 1 é diferente. Eu não superei o 7 a 1. Até tentei fazer piada, dar umas risadas. Vi vários vídeos com os movimentos aleatórios do David Luiz, correndo pelo campo como se estivesse num Carnafacul ao som de “Bebeu água? Não! Tá com sede? Tô! Olha, olha, olha, olha a água mineral. Água mineral. Água mineral. Água mineral. Do Candeal Você vai ficar legal”. Mas a única trilha sonora do meu 7 a 1 particular é… Los Hermanos (não me julguem). Comecei esse 8 de julho de 2015, o aniversário da goleada no Mineirão, com esses versos (eu aguento o bullying, pode vir):

“O quanto eu te falei
Que isso vai mudar
Motivo eu nunca dei
Você me avisar, me ensinar
Falar do que foi pra você
Não vai me livrar de viver
Quem é mais sentimental que eu?
Eu disse e nem assim se pôde evitar”

A seleção está pra mim como a Laura está para o Rob – o narrador mau humorado, caótico, rabugento e irônico de “Alta Fidelidade”, livro do Nick Hornby que rendeu uma belíssima adaptação para o cinema. A Laura (o 7 a 1) troca o Rob (o Brasil) pelo Ian (o vizinho do andar de cima que, na minha adaptação particular, é a Alemanha). Não que o Rob seja um santo. Tal como a CBF, ele não quer nada com nada, tem uns amigos meio bobos (é amigos mesmo, não é “zagueiros da seleção brasileira”) e é tão confiável quanto um cartola da organização. E, tal qual a seleção, seus inúmeros defeitos nunca vão conseguir superar suas qualidades (ok, é um clichê e… MAIS UM GOL DA ALEMANHA).

Ah, mais algumas diferenças: o Rob também não surrupia medalhas, nunca foi pego numa operação da Justiça Americana, não diz que sua loja de discos é a Inglaterra que deu certo e não fala que o fim do seu relacionamento foi um apagão de alguns minutos.

Mas vamos voltar ao item “por que não consigo fazer piadas com o 7 a 1”, “por que nunca vou conseguir te superar, ó 7 a 1”. Porque eu me importo com a seleção brasileira. Eu sei, eu sei, eu sei de tudo isso que vocês vão falar. Eu não deveria me importar, mas tenho um apego sentimental pelo time.

Sou filho da geração de 1994 – antes, durante e depois da Copa do Mundo dos EUA. Minha primeira memória futebolística é a eliminação do Brasil pela Argentina na Copa de 1990. Meu pai me pegou na estação de trem, comprou umas bandeirinhas do Brasil na banca de jornal, me deu um guaraná, me comprou uma coxinha e me levou para a casa do meu avô, em Pirituba (o meu bairro favorito de São Paulo). Tenho só uns borrões de memória, mas lembro bem do meu avô arremessando gloriosamente uma almofada na televisão.

Como ser indiferente a um time que leva seu avô a jogar um treco na TV? Não dava para ficar tomando chá, fazendo de conta que nada acontecia, que aquilo era só um jogo, só entretenimento e todas aquelas frases de quem tem o coração gelado. Aquilo era futebol – e aquela cena se repetiria em trocentos outros jogos do Palmeiras e do Brasil até que meu avô mandasse um “beijo, tchay” para esse mundo  –  e ele se despediu do planeta com o Palmeiras na liderança do Campeonato Brasileiro de 2009 (ele sempre foi um sujeito esperto).

Depois da Copa de 1990, sofri mais uma decepção – o Palmeiras perdeu o Paulista de 1992 para o São Paulo e as duas únicas coisas que eu tinha vontade de fazer eram: 1) ficar embaixo da cama chorando em posição fetal por uma semana; 2) espancar todos os meus coleguinhas de terceira série que ficavam cantando “parabéns pra você” por causa da fila de títulos do Palmeiras. Para sorte da minha vida social, não cai em nenhum desses buracos – e por causa de ligações bonitas dos meus avós.

As coisas começariam a mudar em 1993 – Palmeiras campeão paulista e brasileiro, Brasil classificado com o maior jogador que meu coração (e não o meu cérebro, são coisas diferentes) viu jogar: Romário deu uma sambada na cara da sociedade, fez dois no Uruguai e, sim, estávamos nos EUA.

Eu ainda lembro, de cabeça, o resultado de cada um dos jogos e o número de cada jogador que participou daquela campanha. Eu tinha 12 anos. A seleção de 1994 ficou marcada na minha cabeça como tatuagem nos meus neurônios. E as cenas, meu amigo, minha amiga… Lembro da minha avó rezando o terço no quarto, sozinha, na hora dos pênaltis – e vindo ver se o Romário tinha feito o dele na final. Lembro de ficar chutando uma bola de capotão sozinho na garagem na hora do intervalo porque, já naquela época, eu não tinha muito preparo emocional para jogos desse naipe. Lembro do abraço no meu tio corintiano – a seleção era o único time que fazia gols e a gente podia comemorar juntos.

Aquele biênio 1993/1994 foi a redenção do Palmeiras, da seleção, do futebol… Eu poderia ter me tornado um hooligan por conta das gigantescas doses de emoção boleira que recebi na veia sem anestesia. Se não fosse meu apreço pela Enciclopédia Britânica, minha incapacidade de golpear seres vivos com pedaços de madeira e algumas pessoas que merecem todo o  amor que houver nessa vida, nessas horas eu poderia estar, sei lá, jogando pedras no CT do Palmeiras.

O tempo passou. Minha relação com a seleção mudou. Com o futebol também. Eu sei, é o time da CBF, feito por todos esses figurantes de filme B de máfia. Mas a Copa de 2014 parecia o cenário perfeito para, pelo menos por algum tempo, recuperar os laços emocionais perdidos em anos de bandalheira e amistosos inexpressivos contra times exóticos em campos perdidos mundo afora. Eu queria gostar da seleção, eu queria retomar esse amor gostoso de 1994.

Mas ai veio o 7 a 1, um fora de proporções adolescentes, daqueles em que você leva uma pedalada cruel da pessoa amada no pátio da escola, com todo mundo vendo você explodir em lágrimas por dentro do seu corpo. No caso do Brasil e Alemanha, foram sete foras – e eu nunca superarei. Cada lance é um chute no fígado.

Eu tinha muitos planos para o resto da Copa. Todos eles se foram, e a narração de Galvão Bueno “MAIS UM GOL DA ALEMANHA” ressoa na minha cabeça em looping infinitivo a cada relance do time de amarelo na TV. Não consigo mais assistir jogos da seleção, confesso. É como voltar ao lugar em que a sua humilhação foi decretada e ficar se refastelando com ela.

Por isso, admiro muito vocês, pessoas fortes, que conseguem fazer piada com o resultado. Sério, queria ter esse preparo emocional. Eu, futebolisticamente, não tenho. Esse 7 a 1 vai continuar sendo um osso de galinha na minha garganta por muitos e muitos e muitos anos.

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