Brasil

Jornalistas e influenciadores discutem: A torcida do Palmeiras ficou mimada?

A Trivela entrevistou 18 pessoas, da cobertura do Palmeiras e outros clubes, para discutir a questão

Os cantos de “Muita folga pra pouca obrigação” vieram do Gol Norte do Allianz Parque, onde ficam as torcidas organizadas. Mas as vaias, no intervalo de Palmeiras 1 x 0 Grêmio — 0 a 0 àquela altura –, vieram de todos os setores.

Os resmungos e xingamentos espalhados a cada erro de Rony — e não foram poucos — se fizeram presentes até sua saída de campo. Quando Felipe Ânderson foi substituído, novas vaias. Assim como ocorrera com Mayke, no empate por 2 a 2 com o Fortaleza, duas rodadas antes.

Tal atitude não é incomum nos estádios, mas não é corriqueira para o Palmeiras, que desde 2020, vem conquistando um título de grande expressão por ano.

No jogo contra o Atlético-MG, em Campinas, a Mancha Verde chegou a cantar que “O Brasileiro virou obrigação”, em alusão às eliminações na Copa do Brasil e na Copa Libertadores.

Mas é justo cobrar títulos importantes todos os anos? O Palmeiras realmente tem obrigação de levantar troféus em toda temporada? (Lembrando que o time já conquistou o Campeonato Paulista neste ano). Ou o palmeirense ficou mimado, mal-acostumado?

Histórico turbinado pelo presente

A Trivela entrevistou jornalistas e influenciadores e personalidades ligados ao Palmeiras, para entender a visão daqueles que acompanham o clube de perto. Mas também ouviu quem está do lado oposto, para entender qual é a percepção mais ampla.

A maior parte das pessoas ouvidas pela reportagem tinha uma visão parecida. Em maior ou menor escala, quase todos evitaram usar o termo “mimada”. Mas disseram enxergar uma postura de muita exigência.

Contudo, a maioria disse entender o porquê de tal comportamento, pensando nos últimos anos do time, que teve muitas conquistas e subiu seu sarrafo.

André Hernan: acontece até no Manchester City

— Não sei se a palavra é mimado, não sei se eu colocaria como mimado, mas acho que o Palmeiras está passando por um processo que vários outros clubes passaram ou passam. O Manchester City agora, por exemplo, está quatro jogos sem vencer, e a torcida está pedindo a saída do Guardiola, ou se fala numa saída do Guardiola. Olha isso, quem diria? — disse o jornalista André Hernan, do UOL, Prime Video e do time Betano Brasil.

— É natural os torcedores dos clubes muito vencedores e muito vitoriosos nas últimas temporadas não conseguirem digerir bem quando seu time não consegue superar rivais que nos anos anteriores você atropelou — pondera.

Pep Guardiola em coletiva antes do jogo Sporting x Manchester City pela Champions League 2024/25. Foto: Icon Sport
Pep Guardiola em coletiva antes do jogo Sporting x Manchester City pela Champions League 2024/25. Foto: Icon Sport

Rodrigo Vessoni: a visão do outro lado

Com a autoridade de quem está sempre do lado oposto, Rodrigo Vessoni também observa o fenômeno alviverde:

— Toda torcida que ganha títulos em sequência muda seu comportamento, é algo quase natural, passando a ver um mísero insucesso como o fim do mundo, além de não enxergar mérito dos adversários — afirma.

— O modo ‘perdemos para nós mesmos' é ligado automaticamente. E a do Palmeiras parece passar por esse momento após tantos canecos levantados — diz o jornalista do Meu Timão, Canal Goat e BandSports.

A naturalidade também é algo visto por Luiz Gonzaga Belluzzo

Ex-presidente do Palmeiras, que afirma já ter visto essa situação no passado. Para ele, contudo, não se trata de mimo.

— Foi mais ou menos isso, na Era Parmalat também, nos anos 1990. Quando vem uma sequência de muitos títulos, a torcida passa a se portar desse modo. É natural — diz o economista.

Jorge Nicola: também acontece nos outros clubes

O jornalista Jorge Nicola, do BandSports, Rede 98, Donos da Bola e R7, é mais um a ver naturalidade no fenômeno. E prevê mais críticas, dependendo de com o Campeonato Brasileiro terminar. Mas é rápido para dizer que não se trata de uma exclusividade palestrina.

Ficou (mimada). Mal acostumada, como a do Flamengo. E é normal que seja assim. No início da década passada, uma temporada com título do Paulista não seria ruim como é hoje. Mas o patamar alviverde mudou. O time é o segundo mais rico do pais, só tem folha salarial menor que a do Flamengo (há empate com Botafogo e Corinthians) e investiu quase R$ 200 milhões em reforços — diz Nicola.

— Diante de tudo isso, terminar 2024 com eliminações nas oitavas de Copa do Brasil e Libertadores, um eventual vice no Brasileiro e só o Paulista certamente vai render críticas gerais — disse.

André Galvão: ‘A resposta é sim'

O repórter do SBT e comentarista e apresentador na Rádio Transamérica não tem receio de usar o termo “mimada”. Mas também vê o fenômeno como natural e presente nas arquibancadas de outros clubes:

— Sim, a resposta é sim (a torcida ficou mimada). Mas é natural. Eu entendo que é absolutamente normal quando uma torcida está com barriga cheia. Isso vale para todas as torcidas. Já foi assim com a torcida do Corinthians. No período em que o Corinthians estava ganhando tudo, ali Libertadores, Mundial, o Campeonato Paulista não era comemorado da mesma forma — diz ele.

— Isso aconteceu com mais evidência aqui para nós de São Paulo, com a torcida do São Paulo, que também foi o clube que mais ganhou títulos importantes durante um período longo da história recente. Então, eu vejo com naturalidade. Uma torcida de barriga cheia é uma torcida que fica, por consequência, mimada. Ela não aceita que o time passe o ano, por exemplo, sem ganhar títulos importantes — afirma.

Alexandre Silvestre: sentimento não pode chegar à diretoria

Outro a citar o São Paulo como exemplo foi o repórter da TV Gazeta, Alexandre Silvestre. Hoje setorista do Palmeiras, mas com muita vivência no rival Tricolor, Silvestre vê semelhanças e faz um alerta:

— Precisa tomar cuidado para não cair na tentação que envolveu o São Paulo anos atrás [com a questão do “Soberano”]. A soberba nunca é legal. Se achar acima de tudo e de todos é perigoso. Você se acomoda e pode perder o foco de continuar evoluindo. Foi o que aconteceu com o rival de muro, que se sentou em cima de um período glorioso, de 2005 a 2008, e deu no que deu — disse.

— Até zombou o Palmeiras com as bananas do Aidar, e passou vergonha adiante, com o crescimento do Palmeiras. Se esse sentimento ficar só na arquibancada, ok. Pecado mortal é envolver os dirigentes e depois o departamento de futebol. Nesse ponto, com Abel Ferreira no controle do vestiário, acho pouco provável. Mas não ponho minha mão no fogo em nível de dirigente — diz.

Abel Ferreira durante a derrota do Palmeiras para o Corinthians (Foto: Vinicius Nunes/Agência F8/Gazeta Press) Agencia F8/Agencia F8
Abel Ferreira durante a derrota do Palmeiras para o Corinthians (Foto: Vinicius Nunes/Agência F8/Gazeta Press)
Agencia F8/Agencia F8

Alex Müller: questão geracional e mudança do perfil do torcedor

Algumas pessoas ouvidas pela reportagem tomaram o cuidado de segmentar os diferentes comportamentos. Alguns, como Alex Müller, comentarista na TV Gazeta e apresentador na Rádio 9 de julho, compararam a experiência dos palmeirenses de hoje com a de outras épocas:

— Eu sou de um tempo em que eu vi o Palmeiras ficar 16 anos, quase 17, na fila, e sonhava com um título paulista. E quando o Palmeiras foi campeão em 93, eu dizia, à época, com 18 anos, que eu poderia morrer, porque eu já tinha visto o que eu queria na minha vida — disse.

— E esse ano, se o Palmeiras não for campeão brasileiro, ele vai terminar o ano com um título paulista, e hoje falamos que é um ano fracassado. E naquela ocasião, era a glória. Então é só fruto das conquistas que o Palmeiras teve. E é o espírito de um time grande — completou.

Mário Marra: ‘Relação quase comercial'

O comentarista da ESPN, vê o fenômeno que ocorre no Palmeiras como reflexo de um comportamento típico da geração atual de torcedores.

— Eu entendo o movimento, não só do torcedor do Palmeiras, como sendo o do torcedor que passou a tratar o clube numa relação diferente. Não tanto na relação de fidelidade e às vezes numa relação quase que comercial. “Eu pago, vocês têm que me entregar, tem que vencer, tem que…”. E isso é muito distante do que a gente aprendeu, né, e do que é a história — disse ele.

Confusão na torcida do Atlético-MG durante a final da Copa do Brasil (Foto: IMAGO / Fotoarena)

— O Atlético-MG perde uma final de Copa do Brasil, e o torcedor sai revoltado porque perdeu. Perdeu jogando bola, perdeu por 1 a 0, era uma final. Eu vi o Atlético-MG cair para uma segunda divisão, e o torcedor cantar o hino. Muitos anos depois, essa página foi virada: perde um título, e o torcedor sai quebrando o estádio.

— Eu acho que é além do ser mimado ou não. Acho que a gente está vivendo uma mudança no perfil do torcedor aqui no futebol brasileiro — crava.

Danilo Lavieri, colunista do UOL

— Muitas vezes fico com a impressão de que quem compra o ingresso quer comprar a certeza dos 3 pontos e não é assim que funciona.

— Claro que há espaço para melhorar, mesmo quem é campeão pode melhorar. Mas há um longo caminho entre apontar evolução e pedir a cabeça do Abel ou Anderson — acrescenta o colunista, que vai na mesma direção.

Gian Oddi: É natural, mas é justo?

Também nessa mesma linha, Gian Oddi, companheiro de canal de Marra, talvez tenha feito a ponderação que melhor resume a questão: natural ou não, faz sentido tanta cobrança sobre o Palmeiras atual?

— Existe  uma geração que desde que começou a acompanhar o futebol só vê o Palmeiras vencer e que acha que precisa ser assim todos os anos — diz.

— Eu acho que recentemente, nas eliminações das Copas, a torcida do Palmeiras, ou parte dela, deu demonstrações muito legais de reconhecimento mesmo nas derrotas para Botafogo e Flamengo.

— (Mas) as críticas que a gente ouviu no intervalo do jogo contra o Grêmio são exageradas. Reclamar das folgas, do pouco trabalho é algo absolutamente incoerente para esse grupo de jogadores e para essa comissão técnica — afirma.

Candidato à presidência não vê desse modo

Candidato à presidência do clube, Savério Orlandi não vê a questão desse modo. Em que pese o viés político e de candidatura de sua posição, o ponto de visto é outro e destoa completamente de todos os ouvidos.

— Não vejo a torcida do Palmeiras como mimada. Pelo contrário, tem sido um apoio e tanto para o time conquistar os últimos títulos. O que vi reduzir neste ano foram os avanços para fases mais decisivas em campeonatos como a Libertadores e a Copa do Brasil, e não ligo isso à torcida, que, na prática, até aplaudiu o time nessas eliminações — diz Savério.

— O que ocorre em campo tem muito mais a ver com uma gestão financeira que faz, hoje, o clube social bancar o departamento de futebol, mesmo com negociações vultuosas de fenômenos como Endrick e Estevão. Isso compromete os investimentos no time e afeta o desempenho em campo, não uma torcida que se acostumou a encher o Allianz Parque e ser parceira do time em decisões — afirma.

William Correa, comentarista no Canal do Paulo Massini, tem opinião semelhante:

— O Palmeiras sempre foi exaltado por ter uma torcida apaixonado nos extremos de amar, mas ser também exigente na mesma medida. Vejo a torcida com um comportamento bem diferente desde a final da Libertadores de 2021, muito mais paciente e apoiando mesmo em eliminações, firmando-se como um dos principais pontos da fase vitoriosa recente do time — diz ele.

— Em 2024, inclusive, aplaudiu a equipe após as precoces eliminações na Libertadores e na Copa do Brasil. Mais do que normal, depois de uma derrota em Dérbi com flagrante ineficiência nas chances que criou, vaiar depois de um primeiro tempo de 0 a 0 com outras várias chances desperdiçadas contra o Grêmio. Mais do que não ser mimada, a torcida é necessária para o Palmeiras. Tanto que, quando o time foi para Barueri, sentiu falta.

Outras opiniões sobre a questão:

Maic Costa, setorista de Cruzeiro na Trivela: ‘Jogadores são humanos'

— Enxergando a situação do Palmeiras de fora, a impressão que dá é de ingratidão, com diretoria, jogadores e comissão, porque são poucos os torcedores de outros clubes que não trocariam os últimos quatro anos do clube deles pelos últimos do Palmeiras.

— Mas quando se tira essa régua de comparação, é plenamente compreensível que o torcedor tenha o direito de cobrar, porque é um reflexo do sucesso e da organização do clube dele. O problema é que isso pode gerar uma pressão desnecessária em momentos que o apoio seria fundamental. Os jogadores são humanos e não personagens de videogame.

Julia Mazarin, repórter do Nosso Palestra: ‘Criticar quando achar que deve'

— Acredito que mimada não é a palavra… Acho que ficou, sim, mal acostumada diante dos títulos vencidos, da noção de “imperdível”, do discurso de “contra tudo e contra todos”. Mas é normal. Torcida tem que ter expectativa mesmo, tem que acreditar nas coisas do modo mais louco possível, e tem que cobrar quando acha que tem que cobrar.

— Tem que criticar e protestar quando achar que deve. Na atual temporada, até demorou, vide o péssimo desempenho do Palmeiras em alguns jogos. O time não vai ganhar sempre, mas tem que pelo menos demonstrar a vontade disso. Então não é questão de ser mimada, mas ficou mal acostumada com coisas que o próprio time refletiu.

Fábio Lázaro, setorista de Corinthians na Trivela: ‘O torcedor tem direito'

— Mimada não, mas mal acostumada. Só que as outras torcidas colocam uma pecha de que o palmeirense também não pode reclamar. “Ah, só porque você não ganhou um título, ou um ano, ou um campeonato, enfim, você não pode reclamar”. Mas você pode reclamar, sim, como torcedor, como consumidor do produto. O torcedor tem completo direito de reclamar.

— É natural o torcedor ficar mal acostumado, não só por conta dos títulos sequentes, mas das boas campanhas. A Libertadores desse ano não foi um vexame, mas foi muito aquém do que o Palmeiras vinha fazendo desde 2020.

Paulo Massini, do Canal do Paulo Massini e do BandSports: ‘Birra traz perseguição' 

— A torcida do Palmeiras, não toda, mas uma parte está realmente muito mimada e o mimo, ele traz birra e a birra traz perseguição. É possível a gente entender que o time pode mal e bem, é possível a gente entender que é preciso olhar para o que está acontecendo no futebol brasileiro, mas é inacreditável como essas pessoas não consigam olhar para a história do clube e perceber o que foram esses dez anos, os quatro do Abel, principalmente.

João Kerr, repórter do Verdazzo: ‘Natural em todos os times'

— Eu diria que sim, a torcida ficou mimada, assim como a torcida do Flamengo também virou uma torcida um pouco mimada em relação à exigência de resultados e tudo mais. Acho que dá para resumir com essa palavra mimada. Mas acho que isso é uma coisa natural com todos os times, isso já aconteceu com São Paulo também, está acontecendo com o Palmeiras e com o Flamengo. O que destaca essa torcida é o Palmeiras cobrar um valor astronômico pelo ingresso no Allianz Parque, e esses valores fazem com que o público seja esse público mais corneteiro, mais chato mesmo. Então, o ambiente no Allianz Parque transmite um exemplo de uma parte da torcida do Palmeiras que é ainda mais mimada, ainda mais justamente por causa desse preço do ingresso

Isabela Labate, host da Libertadores e da Sul-Americana, e repórter no Camisa 21: ‘A torcida criou expectativa'

É normal, quando um time começa a vencer, sempre disputar títulos e se estruturar, que a torcida fique mais exigente, porque ela também se acostuma a ver o time no topo. E, nesse ano, acho que teve um ingrediente especial que foi o Palmeiras investir mais. A torcida criou uma expectativa porque não era de costume da diretoria do Palmeiras, nos últimos anos, gastar dinheiro com contratação. Aliado a isso, o Palmeiras ter caído muito cedo nas copas, acabou frustrando muito o torcedor do Palmeiras. Talvez tenha um pouco realmente de mimo, vamos dizer assim, porque se acostumou a ganhar títulos, e é preciso entender, em especial no Brasil, que o time não necessariamente vai ganhar títulos em todas as temporadas. Tem um pouquinho sim, né, da torcida acabar ficando mimada. Mas, por outro lado, também entendo a frustração e a cobrança.

Foto de Diego Iwata Lima

Diego Iwata LimaSetorista

Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, Diego cursou também psicologia, além de extensões em cinema, economia e marketing. Iniciou sua carreira na Gazeta Mercantil, em 2000, depois passou a comandar parte do departamento de comunicação da Warner Bros, no Brasil, em 2003. Passou por Diário de S. Paulo, Folha de S. Paulo, ESPN, UOL e agências de comunicação. Cobriu as Copas de 2010, 2014 e 2018, além do Super Bowl 50. Está na Trivela desde 2023.
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