Os 90 anos do “Doutor” Rubens: De fenômeno de massa a relíquia esquecida
Prolífico em craques, o futebol brasileiro também é cruel ao lidar com a passagem do tempo. Conforme avança, vai deixando no esquecimento um sem número de nomes tidos como mestres em seu tempo. Foi o caso de Rubens Josué da Costa, meia-armador nascido na capital paulista, mas que se fez ídolo num Flamengo que iniciava sua caminhada rumo a um histórico tricampeonato carioca em meados dos anos 1950.
No caso de Rubens, porém, há um agravante. O jogador de estilo ao mesmo tempo cerebral e malicioso, elegante e abusado, de drible curto e chute potente atingiu o patamar de verdadeiro fenômeno das massas. Mas, em pleno auge, foi tendo seu prestígio minado por problemas disciplinares e uma relação desmedida com o álcool, sendo varrido da memória do esporte dentro de pouco tempo, tornando-se uma relíquia perdida.
Na Gávea, uma transição dolorosa
Tricampeão carioca com um esquadrão lendário treinado por Flávio Costa em 1942/43/44, o Flamengo foi aos poucos perdendo o protagonismo do futebol do então Distrito Federal a partir dali. Nos anos que se seguiram até a virada da década, aquele grande time foi envelhecendo, jogadores históricos como Jayme de Almeida, Pirillo, Perácio e Vevé se aposentaram ou deixaram o clube, Zizinho fraturou a perna duas vezes, e os nomes que chegaram, com raras exceções (como Jair Rosa Pinto, de passagem malograda), não estavam no mesmo nível dos que saíam.
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Tudo culminou na desastrosa temporada de 1950, uma das piores da história do clube, na qual, além de ter perdido Zizinho de maneira tola para o Bangu, terminara em um péssimo sétimo lugar no Carioca, com dez derrotas e apenas sete vitórias em seus 20 jogos. Era necessário realizar mudanças profundas. Para isso, em janeiro de 1951, foi empossado presidente do clube o médico Gilberto Cardoso. Sua primeira providência foi trazer de volta à Gávea o técnico Flávio Costa, que saíra para o Vasco em 1947 e também vinha de dirigir a Seleção Brasileira.
Depois vieram os reforços. Para a defesa, chegou Pavão, da Portuguesa Santista, zagueiro sério e duro, verdadeiro xerife de área. Para o ataque, o clube foi buscar no Internacional o centroavante Adãozinho, o “Negrinho do Pastoreio”, reserva da Seleção na Copa de 1950. Faltava o meio-campo. E os problemas foram solucionados em setembro: o Flamengo realizava um sonho antigo e contratava o armador Rubens, então na Portuguesa paulistana, onde perdera prestígio e espaço após se incompatibilizar com o técnico Oswaldo Brandão.
Um talento promissor paulistano
Rubens iniciara a carreira bem no meio do tri rubro-negro, em 1943, aos 14 anos, quando chegou ao Ypiranga, clube paulistano hoje afastado do futebol profissional, mas que na época era famoso celeiro de talentos. Ao longo de sua história, o clube alvinegro revelaria nomes como o goleiro Barbosa (Vasco), o zagueiro Homero (Corinthians) e o ponteiro esquerdo Rodrigues “Tatu” (Fluminense e Palmeiras). Além de Rubens, que defendia o clube quando foi convocado para defender os paulistas no Campeonato Brasileiro de seleções, em março de 1950.
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O título ficou com os cariocas, mas o futebol do jovem meia-armador encantou a todos. Três meses depois, ele estaria de volta ao Rio, defendendo o selecionado paulista de novos no célebre jogo de inauguração do Maracanã. A Portuguesa correu na frente de todos e contratou o jogador. Mas ele ficaria pouco tempo com os rubro-verdes. Um ano depois, de tanto insistir, o Flamengo acabou pagando Cr$ 625 mil e levando seu futebol para o Rio, identificando-o como o substituto ideal para Zizinho. Sua estreia seria em 16 de setembro de 1951, no clássico diante do Vasco, pelo primeiro turno do Campeonato Carioca daquele ano.
Desde a dramática vitória por 1 a 0 com gol do argentino Agustín Valido nos minutos finais, que dera ao clube o heroico tri carioca em 1944, o Flamengo não sabia o que era derrotar o Vasco pelo estadual. Vencera o clássico seguinte (4 a 3), válido pelo Torneio Relâmpago em abril de 1945, mas depois disso passara 20 jogos em jejum, com 15 derrotas. O chamado Expresso da Vitória cruzmaltino tornara-se a nova e indiscutível potência do futebol carioca naquela segunda metade dos anos 40 e início da década posterior.
A estreia memorável em vermelho e preto
Até a chegada de Rubens ao Flamengo. Naquela tarde de 16 de setembro, até pareceu que o Vasco, líder do campeonato com quatro vitórias em quatro jogos, manteria a escrita ao abrir o placar logo aos dez minutos com Maneca. Foi o tempo do novo reforço rubro-negro se ambientar e começar a chamar o jogo para si. Ele não participaria do gol de empate, marcado por Adãozinho escorando cruzamento do ponteiro Esquerdinha. Mas iniciaria a jogada do da virada, feito por Índio, acertaria a trave em cobrança de falta e dominaria inteiramente o meio-campo.
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Ao fim da partida, já deixava o gramado carregado pelos torcedores. O artífice do fim do jejum era o novo ídolo da massa. “Rubens fez uma estreia auspiciosa. Jogando atrás, na armação do jogo, cumpriu aí um trabalho exato, perfeitíssimo, o que mais se torna notável quando lembramos que era esta a sua segunda oportunidade entre os companheiros. A primeira foi no treino, a segunda em pleno jogo. Grande aquisição do Flamengo”, escreveu a Esporte Ilustrado.
Lembrando o futebol de Rubens, Mario Filho descreveu em um texto delicioso o estilo do meia: “Gostava de dar dribles largos. Parecia que prendia a bola com um barbante amarrado à chuteira. Porque a bola, que ele atirava para a esquerda e para a direita, voltava sempre, logo, aos pés dele. Rubens não andava como qualquer mortal. Levava um pé à frente, devagar, deixava-o pousar na calçada e, depois, trazia o outro, gingando o corpo, como se dançasse. Não era um samba (…). Era um gingar de malandro. De bamba de terreiro”.
O Flamengo não conquistou o título de 1951, que ficou com o Fluminense, mas apresentou nítida evolução em relação aos anos anteriores e voltou a bater os cruzmaltinos no returno, em outra grande exibição de Rubens, autor do segundo gol, cobrando pênalti, na vitória por 2 a 0. No ano seguinte, o time subiria mais alguns degraus e ficaria em segundo, empatado em pontos com os tricolores (o Vasco voltaria a levantar o caneco). E Rubens seria lembrado pela primeira vez para a Seleção Brasileira, convocado para o Campeonato Pan-Americano, no Chile.
O primeiro título e a consagração
Seu auge, no entanto, seria o ano seguinte, quando enfim o Flamengo voltou a ser campeão carioca, título que lhe escapava desde 1944 – e, de quebra, iniciando outro tricampeonato. No início daquele ano, Flávio Costa havia sido recontratado pelo Vasco, deixando o time rubro-negro nas mãos do ex-jogador Jayme de Almeida interinamente. Com ele, o Fla venceria na Argentina o Torneio Quadrangular de Buenos Aires, superando Boca Juniors, San Lorenzo e o rival Botafogo, este derrotado por 3 a 0, com dois gols de Rubens.
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Na volta ao Brasil, o novo treinador já tinha sido escolhido: era o paraguaio Fleitas Solich, que em janeiro levara a seleção de seu país a um surpreendente título sul-americano em Lima, no Peru, ao bater por duas vezes a Seleção Brasileira. O novo treinador, que chegaria para revolucionar o futebol no clube, e Rubens travariam uma dolorosa queda de braço, mas não de início, já que a popularidade do jogador era insuperável no futebol carioca – e em todo o país.
Havia naquele tempo um programa humorístico de enorme sucesso na Rádio Nacional carioca – cujas ondas potentes alcançavam o país inteiro – chamado “Balança Mas Não Cai”, criado pelo humorista Max Nunes, torcedor do America. Um dos quadros do programa trazia um torcedor rubro-negro, o Peladinho, e seu bordão “Mengo, tu é o maior!”. Naturalmente, Peladinho falava em Rubens o tempo todo. Ou melhor, em “Doutor Rúbis”, como o personagem chamava o meia e seu futebol refinado em sua pronúncia peculiar. E o apelido pegou.
Em 1953, o Campeonato Carioca trouxe mudanças em seu regulamento em relação aos anos anteriores. O torneio agora seria dividido em três turnos. Nos dois primeiros, os 12 clubes se enfrentariam no sistema de pontos corridos, com seu líder, ao final das 22 rodadas, garantindo presença na decisão. O terceiro seria disputado apenas pelas seis melhores equipes, apontando o outro finalista. O Flamengo, porém, nem quis saber de final e venceu todas as fases, somando 21 vitórias (e apenas duas derrotas) em 27 jogos.
Naquele torneio, ninguém jogou mais bola do que o Doutor Rúbis, aclamado pela imprensa como o craque da competição. E olha que a concorrência era forte. Para a mesma posição de meia-armador, por exemplo, havia o banguense Zizinho, o vascaíno Ipojucan e o tricolor Didi. Contra este, aliás, o ídolo rubro-negro viveu um duelo memorável no Fla-Flu que valeu pela decisão do primeiro e segundo turnos, no dia 6 de dezembro.
Com Didi, grandes duelos no Fla-Flu
Um ponto à frente na tabela, o time das Laranjeiras jogava pelo empate, para a alegria de seu técnico Zezé Moreira, conhecido por montar fortes sistemas defensivos. E saiu na frente no primeiro tempo com gol de Marinho num contra-ataque, após um erro da defesa rubro-negra. O Fla ainda conseguiu o empate, que fazia jus a seu domínio das ações, ainda antes do intervalo, numa cabeçada de Índio. E logo no início da etapa final, aos dez minutos, chegaria à virada num gol de antologia de seu maestro em campo, o Doutor Rúbis.
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Rubens apanhou a bola na intermediária e fez fila na defesa tricolor. Passou por Didi, Jair e Edson. E da entrada da área, disparou um petardo que tomou o caminho das redes sem que o goleiro Veludo pudesse esboçar qualquer reação. O meia chegaria a sofrer pênalti claro do lateral Bigode, não marcado pelo árbitro Mario Vianna, mas o placar terminou mesmo em 2 a 1. Foi até pouco: “A equipe rubro-negra manteve-se 90% do jogo com o comando das ações. Deve ter ficado feliz o Fluminense, perdendo só de 2 a 1”, escreveu Luiz Mendes para a Esporte Ilustrado.
Já o jornal A Noite preferiu destacar o duelo do meio-campo: “E Didi, incumbido da ingrata tarefa de marcar Rubens e auxiliar o seu próprio ataque, acabou não fazendo nem uma coisa nem outra levando, inclusive, um ‘baile’ do meia adversário”. Dali, o Fla partiria para o terceiro turno, no qual venceria todos os jogos, a começar por outro 2 a 1 no Fluminense. Em seguida, 2 a 0 no America e no Bangu. Uma goleada de 4 a 1 sobre o Vasco de Bellini, Ademir e Pinga, levou à conquista antecipada do turno – e do campeonato, sem a necessidade de finais. No último jogo, o das faixas, 1 a 0 no Botafogo de Garrincha e Nilton Santos. Gol de Rubens.
Além de coroado o melhor jogador do certame, o meia terminava como o terceiro artilheiro do Fla, com 17 gols marcados em 24 jogos, boa parte deles em cobranças de falta – uma de suas especialidades – e pênalti. Além de incontáveis assistências para o ataque mais positivo do torneio, que balançou as redes nada menos que 77 vezes em 27 partidas. Com a preparação para a Copa do Mundo da Suíça prestes a começar, era natural que se cogitasse sua convocação para o grupo que iniciaria os treinamentos e amistosos.
Na Seleção, pouco aproveitado
Curiosamente, na mesma tarde de 20 de janeiro de 1954 em que o Fla recebia suas faixas de campeão antecipado e derrotava o Botafogo pela última rodada do terceiro turno do Carioca, o Maracanã sediava uma grande festa. Além das homenagens aos rubro-negros e a celebração do dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) fazia ali a apresentação oficial os novos uniformes com os quais a Seleção jogaria na Suíça, com camisas em tom amarelo ouro, calções azuis e meias brancas.
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Por ironia, o novo técnico do escrete seria Zezé Moreira, treinador do Fluminense contra o qual Rubens fizera grandes exibições no campeonato, e que cedera aos apelos de imprensa e torcida, convocando o meia para a fase de preparação. Em março, ao analisar os relacionados, o jornalista David Nasser, de O Cruzeiro, escrevia para a revista sobre o craque rubro-negro: “Frio, calculista, 100% driblador, bom passador, faz da bola um ioiô como diz o meu amigo [o radialista Oduvaldo] Cozzi e dono de um canhão certeiríssimo. Atualmente o melhor cobrador de penalidades. Uma arma secreta que Zezé poderá usar a qualquer momento”.
A vontade de muitos, porém, acabou quase frustrada. Embora chegasse a levar Rubens para o Mundial, Zezé só o utilizou uma vez e num amistoso, a goleada de 4 a 1 sobre o Millonarios de Nestor Rossi e Adolfo Pedernera no Pacaembu. Defensor do clássico sistema WM (diferente do 4-2-4 já utilizado pelo Flamengo de Solich), Zezé preferia escalar Didi na meia-direita e o jovem Humberto Tozzi ou o vascaíno Pinga na esquerda. Além disso, como na época as substituições em jogos oficiais não eram permitidas, o meia não teve chance de entrar em campo na Suíça.
Mesmo assim, Doutor Rúbis voltou ao seu povo com o prestígio intacto. E foi outra vez o condutor do Flamengo em mais uma campanha vitoriosa, num campeonato que manteve o regulamento do ano anterior. O time começou arrasador. Na oitava rodada, no clássico diante do Vasco que marcaria a estreia de outro futuro ídolo rubro-negro, um garoto alagoano chamado Dida, o meia anotou um golaço em cobrança de falta, a bola sinuosa fazendo a curva ao redor de Barbosa e entrando no canto esquerdo, perto do ângulo do arqueiro cruzmaltino.
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A perícia na bola parada era outro ponto em comum entre Rubens e Didi, e a comparação entre os dois era frequente então. Sobre ambos, o ex-atacante Evaristo de Macedo, que jogou ao lado dos dois, comentou tempos mais tarde: “Rubens era um jogador incrível, um doutor mesmo em matéria de futebol. Suas qualidades eram inúmeras. Protegia a bola como ninguém, driblava fácil, lançava bem e tinha um chute de uma precisão fora do comum. Na posição dele, na época, talvez nem o Didi fosse melhor, pois Rubens chegava mais na área para concluir. Era também um grande artilheiro. Acho que ele era até mais dinâmico que o Didi. Mas eram dois fenômenos”.
O bicampeonato que virou samba
A equipe de Solich só foi sofrer a primeira derrota na 17ª partida – somando aquele campeonato ao anterior, o time chegou a ficar 34 jogos seguidos sem perder – e chegou à última rodada do returno com a conquista daquela fase garantida. No terceiro turno, depois de um empate com o Fluminense na estreia (3 a 3), o time venceu todos os outros jogos – 3 a 2 no America, 2 a 0 no Botafogo, 2 a 1 no Vasco e 5 a 1 no Bangu – e levantou o bicampeonato, novamente com apenas duas derrotas em 27 jogos, mas uma vitória a menos que no ano anterior (20 contra 21).
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O título levou o compositor Wilson Batista, um dos gigantes da música brasileira daquele período e flamenguista fanático, a escrever o famoso “Samba Rubro-Negro”, no qual citava nominalmente o meia e dois outros expoentes daquela equipe e fez sucesso estrondoso no Carnaval de 1955: “Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá / Vai haver mais um baile no Maracanã / O Mais Querido tem Rubens, Dequinha e Pavão / Eu já rezei pra São Jorge / Pro Mengo ser campeão”.
A popularidade de Rubens era tamanha que, em novembro de 1955, quando a editora Bloch lançou a histórica revista Manchete Esportiva, uma das principais publicações do país em seu tempo, o meia foi escolhido para figurar na capa da primeira edição. Vestido de toga e capelo, como um verdadeiro acadêmico, o Doutor Rúbis matava uma bola no peito sobre a legenda: “Dr. Rubens, bacharel de letras e salames” – este último termo, uma gíria da época para dribles.
“Era realmente um autêntico ídolo. A torcida o adorava. Tinha a cara do povão. Era um homem simples, sem grande cultura, mas possuía muita vivacidade e sempre fazia observações pertinentes. Ele era um jogador muito inteligente. Sua visão de jogo era impressionante e, numa fração de segundo, resolvia uma jogada e decidia a parada”, comentou o velho companheiro de clube Evaristo de Macedo. Naquele momento em que virou capa de revista, no entanto, Rubens já começava a assistir a sua carreira sair dos trilhos.
O declínio acelerado
Fleitas Solich não era entusiasta do futebol cadenciado, lento e filigranado dos grandes virtuoses, então quase onipresente no Brasil. Preferia o jogo veloz, intenso, objetivo, sem firulas e sobretudo coletivo. Costumava dizer que “o meio-campo é por onde a bola passa, não onde ela fica”. Gostava menos ainda de jogadores que não se esforçassem nos treinos. Mas, acima de qualquer outra coisa, tinha verdadeira ojeriza aos atletas que cultivassem hábitos considerados boêmios. Em outras palavras: detestava cigarro e bebida.
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Fumante de três maços de cigarro por dia e bom de copo, Rubens previsivelmente estaria na mira de Solich. E não só dele. Conta-se que, em 1954, durante as Eliminatórias, a Seleção estava em Santiago e os jogadores ganharam uma tarde de folga. Perto da hora de retornarem, Zezé Moreira conversava com Luiz Mendes no hall do hotel quando percebeu, pelo reflexo em uma vidraça, que o jogador chegara carregado pelos colegas, de tanto que bebera. O meia escapou de ser cortado, mas este teria sido um dos motivos de seu pouco espaço no time.
Outra história envolvendo Rubens era a de que, durante uma excursão do clube a Curitiba, Solich teria flagrado o jogador fumando e bebendo em um bar com torcedores, e mandado-o de volta ao Rio imediatamente. Foi a gota d’água. Na mesma época, o meia começou a sofrer de inchaço no joelho esquerdo, chegando a operar o menisco. Foi a ocasião que o treinador queria para sacá-lo do time e lançar os garotos da base que pediam passagem, como Paulinho e Duca. Na longa campanha do tri, entre agosto de 1955 e abril de 1956, Rubens fez apenas seis jogos.
No rival, tentando-se reerguer
Os médicos do Flamengo diagnosticaram o problema crônico no joelho de Rubens como um derrame, demandando nova operação. Enquanto isso, Paulinho, seu jovem substituto, firmava-se até mesmo como um goleador: sagrou-se artilheiro do time e do Campeonato Carioca, com 23 gols. O Doutor Rúbis havia perdido espaço. Na temporada 1956, jogou apenas amistosos, antes de ser emprestado ao Santa Cruz. Em 1957, fez uma única partida. Marginalizado, comprou seu próprio passe e aceitou um convite para jogar no Vasco no segundo semestre.
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Na Colina, viveu seus últimos momentos de brilho, participando das conquistas do Torneio Rio-São Paulo (chegou a marcar o gol no empate em 1 a 1 com o Flamengo, crucial para o título) e do Campeonato Carioca – embora, na reta final deste, ele não tenha mostrado o mesmo pique, perdendo a vaga no time após a derrota para os rubro-negros por 3 a 1 que forçou o primeiro dos dois triangulares extras que ficaram conhecidos como “supersupercampeonato”. Seu substituto, o jovem Roberto Pinto, marcaria o gol do título, em outro 1 a 1 com o Fla.
Rubens ficou em São Januário até o fim do ano seguinte, quando foi dispensado. Aos 31 anos de idade, voltou ao seu estado de São Paulo, assinando com a Prudentina, onde penduraria as chuteiras em 1963. Mais tarde, chegaria a trabalhar como auxiliar técnico do amigo Marinho Rodrigues, ex-companheiro de Flamengo, no Atlético Junior de Barranquilla, antes de largar de vez o futebol. Em 31 de maio de 1987, vitimado por um câncer pulmonar, o velho Doutor Rúbis viraria saudade. A rotina de fumante, que lhe roubara o prestígio no Flamengo e a idolatria da massa rubro-negra, terminaria por lhe tirar também a vida, aos 58 anos.
Lembrando o velho craque
A mudança de perfil do futebol brasileiro, as portas fechadas na Seleção e a súbita descida de seu pedestal de ídolo, do qual acabou destronado pela ascensão de nomes como Dida no panteão rubro-negro, fizeram de Rubens um jogador quase esquecido, do tipo o qual nos falta a dimensão histórica para entender o tamanho da paixão e da identificação dispensada a ele pela torcida naqueles anos da década de 50. Mas muitos que viram o meia atuar nas tardes do Maracanã têm doces recordações de seu jogo. Como o historiador e pesquisador Ivan Soter, que também o descreveu em seu livro “Quando a bola era redonda”.
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“Sim, a bola já foi protagonista. Quando ela ficava com Rubens, o doutor Rúbis, ficava feliz. Rubens tinha um elástico mágico que a prendia a seus pés. Os adversários, hipnotizados, olhavam a bola nos pés de Rubens. Parados. Rubens se mexia, todos se mexiam para o lado que Rubens tinha se mexido. Ele só esperava que alguém ousasse roubá-la. Até que um sujeito do outro time, mais desavisado, avançasse desequilibrando a natureza morta pintada no gramado. Era a hora do drible. Só então a bola saía do lugar. Para continuar nos pés de Rubens”.
Quinzenalmente, o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas. Para visualizar o arquivo, clique aqui.
Confira o trabalho de Emmanuel do Valle também no Flamengo Alternativo e no It’s A Goal.