O discurso de Luxa dá a deixa para as torcidas fazerem um Fla-Flu histórico: de luta por mudanças
Vanderlei Luxemburgo merece aplausos. Você tem o direito de gostar ou não do treinador do Flamengo, é do jogo. Mas é preciso admitir: ele acertou o tom em sua reação à punição arbitrária dada pela federação carioca. Sua posição dura está acima de qualquer questão clubística – ainda que os chefões do futebol no Rio de Janeiro pareçam levar assim, após a rebelião de Flamengo e Fluminense. Luxa foi áspero ao peitar os dirigentes, que decidiram puni-lo por uma crítica à regra que limita o uso de juniores no estadual. Mas a resposta do treinador vai além da suspensão no Fla-Flu do domingo. É a firmeza que se espera na briga contra os desmandos que o futebol brasileiro vive.
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O discurso e a mordaça de Luxemburgo se tornam simbólicos para o momento, por mais que em alguns momentos possam soar como demagogia. A motivação principal para a reação são os interesses da equipe e do próprio treinador, é claro. Entretanto, ele se coloca contra uma arbitrariedade dos dirigentes. Em décadas nas quais a subserviência ao sistema sempre imperou no futebol brasileiro, enquanto clubes e federações mantinham laços fraternais, levantar a voz contra os chefões até espanta pela raridade da cena. E as imagens de Luxa enfatizam a briga encabeçada por Flamengo e Fluminense: não dá para ficar à mercê da vontade das federações, que atendem apenas os seus interesses, prejudicando os clubes maiores e iludindo os pequenos sem oferecer estrutura alguma.
Para mudar, é preciso lutar. E isso se aplica a qualquer âmbito da sociedade, não só ao futebol. Se as mudanças se fazem necessárias, não dá para esperar que elas aconteçam apenas pela boa vontade da CBF ou das federações. O problema é que, quase sempre, os clubes se alinhavam ao poder das instituições. O levante de rubro-negros e tricolores expõe principalmente a vontade para fazer acontecer. Pode até ser que os resultados não sejam os ideais, que a cisão prometida no Carioca de 2016 não aconteça. No entanto, se os clubes seguirem firmes em sua postura, o estadual pode ser diferente no próximo ano. Mais maleável para os projetos dos grandes e menos sufocante para a sobrevivência dos pequenos. É preciso criar um calendário sustentável, o que não acontece neste momento.
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Luxemburgo já afirmou que não estará no Maracanã ao domingo. A torcida, porém, não deve se esquecer do discurso do técnico – nem mesmo os tricolores. O boicote até poderia trazer prejuízo à federação, mas ele já acontece de maneira espontânea a cada rodada, e o torcedor não pode se privar de sua paixão justamente em um raro momento de graça no estadual: o clássico. Seria interessante ver o contrário, as arquibancadas lotadas como se espera em um Fla-Flu. As duas torcidas abraçando a causa justa defendida por seus dirigentes e se levantando contra o coronelismo da federação.
Apesar da rivalidade, Flamengo e Fluminense se uniram em alguns momentos importantes. Um dos mais notáveis aconteceu em 1984, quando as duas torcidas se posicionaram a favor de Tancredo Neves, na primeira disputa presidencial (indireta) que colocaria um civil no poder após 21 anos de ditadura militar. Embora alguns jogadores do Flu tenham manifestado apoio a Paulo Maluf, o opositor de Tancredo e herdeiro político do regime naquele momento, a torcida tricolor renegou os seus ídolos e defendeu a democracia. “Maluf é a corrupção, Tancredo é a solução”, dizia uma das faixas.
O Fla-Flu deste domingo, de certa forma, também se insere em um momento de efervescência no país. Algo que também respinga sobre o futebol, e que pode fazer o clássico deste domingo ter uma representatividade enorme para o esporte. As relações institucionais a partir das federações estão desgastadas e os torcedores também estão insatisfeitos. Dois combustíveis para a mudança estrutural que tantos pedem. Além de querer, é preciso fazer, e está é uma excelente oportunidade, justamente em um dos maiores clássicos do país. As arquibancadas podem se juntar a essa briga.
Abaixo, alguns trechos mais marcantes do discurso de Luxemburgo. A declaração na íntegra pode ser conferida nesta reportagem, de Cahê Mota e Felippe Costa, no Globo Esporte. Além disso, o vídeo de Diogo Dantas com o momento em que Luxa põe a sua “mordaça”.
“Eu me senti prejudicado e não tem motivo para estar em um local onde não exercerei meu direito de trabalho. Vou ver o jogo como torcedor”.
“O direito do povo brasileiro foi conquistado através de lutas para quebramos a ditadura, direito de se expressar sem repressão. Não pode, em 2015, em um órgão importante do Rio de Janeiro, voltarmos a viver um momento de ditadura. Começamos lá atrás com a queda de um presidente e está na constituição o direito de liberdade de ir e vir, que não pode ser quebrado. Eu me senti violentado e agredido como cidadão”.
“Já fiz muitas coisa que mereci ser punido. O que fiz foi buscar o melhor para o povo brasileiro. Em um momento onde tomamos uma derrota de 7 a 0 (7 a 1), busquei um caminho. Não me posicionei contra nenhum dirigente, mas contra qualquer federação que impeça jovens de jogar futebol”.
“Não podemos buscar através do futebol a moralidade de um segmento que não tem moral. Como cidadão brasileiro, venho repudiar. Vou continuar sendo da forma que sempre fui e vou seguir criticando o que achar que deve ser criticado. Nunca fui de ficar atrás de nada. Vou continuar buscando viver em um país melhor e que minhas filhas e meus netos encontrem um processo democrático ainda melhor. Não vão me calar de jeito nenhum. Se quiserem me tirar do Carioca, que me tirem. Só vou me posicionar quando tiver o meu direito de liberdade”.