Brasil

Maurício Noriega: Lesão de Dudu reacende debate sobre gramado sintético

Futebol lida com a impressão de mais lesões em gramado sintético, como a de Dudu, embora a ciência não embase essa percepção

O lance clássico da lesão de ligamento de joelho provoca arrepios até no mais frio dos torcedores. O pé fica preso, o corpo se projeta e provoca uma rotação abrupta do joelho. A lesão sofrida pelo atacante palmeirense Dudu no jogo contra o Vasco, ruptura de ligamento cruzado anterior do joelho direito, reacendeu a discussão sobre os gramados sintéticos no futebol.

O debate não ocorre apenas no Brasil. Há cerca de três meses a Eredivisie, a liga da primeira divisão da Holanda, decidiu banir os gramados totalmente artificiais a partir da temporada 2025/26. A liga dará um incentivo financeiro de 350 mil euros para as equipes investirem na busca por gramados naturais ou híbridos de alta qualidade. A situação da Holanda não se compara à do Brasil. Na temporada 21/22 havia 18 estádios com grama sintética no futebol profissional holandês, o maior índice do mundo.

Fato é que a ciência ainda não bateu o martelo quanto às lesões serem mais frequentes em gramados sintéticos. Tudo trafega no campo da impressão. Até porque muitos dos dados disponíveis são relativos ao futebol americano, esporte em que a movimentação dos atletas é muito diferente.

Mas entre os atletas do nosso futebol e do americano parece haver uma relutância em relação aos gramados sintéticos. Nos Estados Unidos, um estudo publicado em 2020 pela empresa LQVIA, com dados de 32 times e 30 estádios da NFL, principal liga do futebol americano, apontou que até 2019 havia mais lesões sem contato ocorridas em gramados sintéticos em comparação com terreno artificial.

Mas a partir de 2020 a situação mudou e os números são praticamente idênticos. O índice de lesões em grama sintética foi de 0,42 a cada 100 jogadas na grama sintética e de 0,41 a cada 100 jogadas na grama natural. Em 2021 os índices aferidos foram semelhantes. A evolução da tecnologia dos gramados sintéticos foi determinante.

Outra conclusão, de um estudo feito em escolas de ensino médio dos Estados Unidos, em 2018, apontou que o risco de lesão entre atletas amadores em gramados sintéticos é 58% maior do que em gramados naturais. Segundo o mesmo estudo, a incidência de lesões entre mulheres em gramados sintéticos também é maior.

No Brasil o debate muitas vezes é contaminado pela rivalidade, em especial nos casos envolvendo clubes como Palmeiras, Athletico Paranaense e Botafogo, que utilizam gramados sintéticos em seus estádios, e os rivais São Paulo e Flamengo, especialmente. Mas não existe nada que corrobore as discussões no campo da ciência.

Há casos de lesões de ligamento cruzado anterior ocorridas em gramados naturais. Como os de William Bigode, então no Palmeiras, em São Januário, em 2018, ou mais atrás, de Rodrigo Caio, ainda pelo São Paulo, no gramado do Morumbi. Além de lesões em campos de treinamento, como de Jaílson, do Palmeiras, e Moreira, do São Paulo. Uma das mais impressionantes imagens de lesões de joelho registradas, a de Ronaldo Fenômeno, em abril de 2000, ocorreu num gramado natural perfeito.

Um aspecto ainda pouco abordado pela ciência do esporte em relação a lesões ligamentares no futebol está relacionado às chuteiras. Há alguns anos o ex-goleiro e treinador Emerson Leão fez um alerta sobre os modelos mais modernos de chuteiras, com travas em formatos diferentes que o tradicional, redondo. Segundo ele, essas chuteiras impedem o movimento de rotação no gramado e provocam mais lesões. Alguns especialistas das áreas de fisiologia e movimento corroboram essa suspeita. Mas faltam dados científicos.

Uma questão indiscutível é a diferença de absorção de impacto. Gramados sintéticos são mais duros que os naturais. Por isso muitos jogadores, como Messi e Suárez, se recusam a jogar neles. Embora gramados naturais ruins possam ser potencialmente perigosos para lesões por causa de buracos e irregularidades.

Os gramados sintéticos podem durar até 10 ou 15 anos e demandam um custo operacional menor. Jogadores apontam que o quicar da bola é diferente nessa superfície em relação à grama natural.

Na Espanha, mais de 80% dos gramados utilizados em treinos e jogos das categorias de base do futebol é sintética. O tempo de adaptação é importante. No caso do campo sintético utilizado pelo Santo André, de São Paulo, o cálculo é de 20 dias para adaptação. O que talvez explique as reclamações de quem não joga ou treina nesse terreno frequentemente. Mas não evita as reclamações de quem joga em terreno sintético quando enfrenta campos naturais horrorosos.

Uma rara unanimidade está na evolução tecnológica dos campos sintéticos para o futuro. Aprovados pela FIFA, eles tendem a ficar cada vez mais próximos aos naturais. Principalmente pelo sucesso da adoção do modelo híbrido, em estádios como a Neo Química Arena e o Santiago Bernabeu, com diferentes percentuais de grama sintética e distintas formas de entrelaçamento ao natural.

Foto de Mauricio Noriega

Mauricio Noriega

Colunista da Trivela
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