Análise tática: As semelhanças e diferenças de Jorge Jesus e Ancelotti, alvos da Seleção
Italiano e português são os favoritos para assumir o Brasil após a demissão de Dorival Júnior

A não ser que aconteça algo muito fora da curva, o novo técnico da seleção brasileira será Jorge Jesus ou Carlo Ancelotti. O italiano, pressionado no Real Madrid, parece ser o preferido e estaria disponível só no fim da temporada europeia, caso realmente saia do clube. Já o português, que não esconde o desejo de trabalhar com a Amarelinha, precisa que a CBF pague a multa rescisória ao Al-Hilal e ficaria à disposição em maio, mais cedo que a outra opção.
Há bons motivos para escolher qualquer um dos dois. O mais experiente, cinco vezes campeão da Champions League à beira do campo, acumula larga experiência no futebol europeu, enquanto o ex-Flamengo possui sucesso no futebol brasileiro e conhece como é ser pressionado no Brasil.
Semelhanças
- Liberdade posicional aos jogadores
- Utilização recente do 4-4-2
- Aglomeração no setor da bola
- Marcação pressão individual
- Amplitude com apenas um homem, alvo de inversões de bola
Diferenças
- Métodos de pressionar (Jesus o tempo todo, Ancelotti a depender do contexto)
- Jesus gosta de sempre ser protagonista no jogo, Ancelotti se adapta
- Gestão de grupo: Jesus disciplinador, Ancelotti mais maleável
- Um é preso a uma formação, outro muda a depender dos jogadores
No que se assemelham e no que divergem Carlo Ancelotti e Jorge Jesus
Mas como eles montam seus times? Suas características táticas combinam com a Seleção? No que são parecidos e no que divergem? São perguntas respondidas neste artigo da Trivela.
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Como jogam os times de Jorge Jesus?

Com a posse de bola
No Flamengo, no Al-Hilal, no Benfica e em quase todos os times que treinou, Jesus mostrou a faceta de um time extremamente ofensivo e que gostava de sempre ter a bola no pé, normalmente escalado em um 4-4-2 (ou 4-1-3-2, a depender da leitura).
Com as equipes saindo pelo chão desde o campo de defesa, o normal era que o primeiro volante (no Fla era Willian Arão) se juntasse aos zagueiros para dar superioridade numérica na saída de três e que os laterais ficassem bem abertos, também com o apoio do segundo meio-campista.
Após superar a primeira linha de pressão, as equipes do técnico português apostavam em aglomerar vários jogadores no setor da bola. Por exemplo, se a posse está com o lateral-esquerdo, não apenas o ponta e o meia daquele lado está dando opção de passe, mas também o volante, o ponta do outro lado e talvez até o centroavante. Dessa forma o portador da bola sempre tem opções para tocar e avançar no campo de ataque.
Outro princípio que aumenta as alternativas de passe são as ultrapassagens e os ataques nas costas da linha defensiva adversária, tão características pelo Rubro-Negro com Bruno Henrique e Gabriel Barbosa em 2019. Enquanto o jogador que tem a posse tem muita opção de passe, normalmente o ponta ou o lateral do outro lado, costuma ficar bem aberto, colado na linha lateral (a chamada “amplitude”), para ser uma opção de inversão de bola.

— Ele transformou o Gabigol, transformou o Bruno Henrique em atacante, mudou o Arão… O time era muito bom, mas ele teve o mérito de conseguir entender a característica individual daquele grupo. Taticamente, é o melhor treinador que eu já tive na minha carreira — elogiou Filipe Luis, treinado por Jesus e hoje técnico do Flamengo, ao Charla Podcast em 2023.
Mesmo que possa criar com paciência contra defesas fechadas, os times de Jesus são ótimos em atacar de forma vertical com as ultrapassagens já citadas. Pode ser um contra-ataque ou após superar uma pressão alta adversária.
Sem a bola
Um fator que contribui nos aspectos ofensivos que Jesus trabalha, mas principalmente defensivos, é a preparação física. A exemplo de como o português se porta à beira do campo, intenso e a todo tempo gritando com seus atletas, ele quer que esse comportamento seja repetido dentro do gramado.
— Jesus trabalha para levar a equipe aos melhores níveis técnicos e físicos. Corro mais aqui [Al-Hilal] do que na Inglaterra. É uma exigência do Jesus. Minha presença no Al-Hilal me ajuda a continuar na seleção de Portugal — explicou o meio-campista Rúben Neves, ex-Wolverhampton e hoje no time saudita, ao jornal português “A Bola”.
Por isso, o Flamengo supervencedor de 2019 ficou tão conhecido pela dedicação e um perde pressiona instantâneo. Ao pressionar também no 4-4-2, os jogadores realizam encaixes individuais: os dois atacantes vão nos zagueiros, os pontas nos laterais e assim por diante. Com isso, o adversário que tem a bola se vê sufocado, sem opções para passe curto e pode perder a posse em uma zona sensível do campo ou optar por um chutão para frente.
Em uma fase mais recuada, quando o rival passa a estar do meio-campo para frente, a formação normalmente é mantida (por raras vezes se defendeu em 4-1-4-1) e os encaixes individuais continuam de forma mais leve, no setor da bola, e sempre com a intenção de roubar a bola o mais rápido possível.
Como todo time que pressiona muito, pode ser suscetível a inversões de bola que peguem jogadores no mano a mano ou que a pressão, especialmente em início de trabalho, não esteja tão bem encaixada e dê espaço para uma saída de bola que leve perigo.
Como Ancelotti prepara seus times?

Com a posse de bola
Diferente de Jesus, que tem uma característica muito marcante e trabalhos parecidos, Carlo Ancelotti é conhecido por ser um técnico adaptativo às características dos jogadores e que entrega coletivamente o que o presidente quer, como detalhou em várias passagens do livro “Liderança Tranquila” (2018). Até por isso, é tão vencedor e é o único na história a conquistar as cinco principais ligas da Europa, além de recordista em títulos da Champions.
Sua capacidade de adaptar é perfeitamente vista nas últimas três temporadas pelo Real Madrid, quando implementou três sistemas diferentes de jogo. Com Karim Benzema, o italiano não abriu mão de usar o clássico 4-3-3.
Já após a saída do francês em 2023 e sem um substituto, o treinador formou uma dupla de ataque com Vinicius Júnior e Rodrygo em um sistema 4-3-1-2, sendo Bellingham o meia atrás dos atacantes. Depois veio o 4-4-2, visto no fim da última temporada e consolidado na atual com a chegada de Kylian Mbappé.

Sobre características táticas ofensivas, há também adaptação. Óbvio que a saída de bola, pelo chão, pode ser a principal saída pela qualidade dos jogadores, mas as equipes de Carletto não têm vergonha de sair jogando pelo alto para evitar arriscar sofrer um gol caso perca a bola.
Com as linhas mais avançadas, existe muita semelhança no que implementa Ancelotti e Jorge Jesus. O italiano também gosta de ter superioridade numérica ao aglomerar jogadores no setor da bola e sempre deixar um lateral bem espetado no setor oposto, para poder ser alvo de inversões se necessário. A ideia de Carlo é sempre extrair o melhor do indivíduo, suas características criativas.
Há também uma forte aposta em ataques rápidos. Vini Jr foi uma arma fatal nas últimas edições da Champions, não à toa se colocou entre os melhores jogadores do planeta.
— Acredito fortemente na criatividade dos jogadores quando eles têm a bola e não gosto de deixá-los obcecados por formas predefinidas, deixo isso por conta deles. Claro que temos que trabalhar sem a bola, mostrar comprometimento e foco, vou insistir mais nesses elementos do ponto de vista tático. Mas a criatividade é fundamental, especialmente com jogadores como os nossos, que têm tanto talento — disse Ancelotti aos canais oficiais do Real Madrid, em 2024.
Sem a bola
Novamente, não há uma formação fixa de Ancelotti na hora de recompor. Recentemente, o Real Madrid fecha no 4-4-2, como ataca. No entanto, neste mesmo trabalho no clube merengue, usou o 4-1-4-1.
A pressão também é adaptativa a depender do contexto do jogo. Time em vantagem no placar ou sem necessidade imediata de gol? O bloco de marcação fica em uma altura baixa/média, com os atletas não sendo tão agressivos. E se a equipe estiver perdendo? Aí, sim, pressão desde a saída de bola rival e encaixes individuais, como faz Jesus.
As linhas defensivas baixas do Real Madrid com até seis jogadores formando a defesa em duelos marcantes contra o Manchester City nos últimos anos já foram alvo de críticas e o levaram a ser taxado de “retranqueiro“. Projetando sua capacidade adaptativa na Seleção, é improvável que o italiano implemente algo parecido pela pressão para que o Brasil “jogue para frente”.
Ancelotti ainda tem um terceiro fator, fora dos aspectos táticos: a gestão de grupo. Como quase ninguém no futebol mundial, o treinador sabe lidar com os egos do vestiário, se conectar com os jogadores e criar laços.
— [Ancelotti] É como um pai. Ele pode se aproximar de você e perguntar por que não está contente. Ele é como um tio, você pode falar com ele sobre qualquer coisa, são completamente diferentes — disse Robert Lewandowski, que trabalhou com Carlo no Bayern de Munique, em entrevista ao ex-jogador Rio Ferdinand no ano passado.

Essa capacidade de gerir grupos, por vezes, é até uma forma de inferiorizar o técnico de 65 anos e diminuir seus méritos táticos. “É apenas um gestor de grupo, não um estrategista”, dizem críticos.
— Ancelotti é unanimemente respeitado entre os jogadores. Não apenas Ronaldo ou Vinicius Jr., mas todos que jogaram por ele — exaltou o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, à agência de notícias “Reuters”, em 2023.