Futebol perpetua violência de gênero e repete diariamente que mulheres não são bem-vindas
Repórter da Trivela comenta mais uma semana de manchetes inundadas por notícias tristes para as mulheres que consomem futebol
Nesta semana, mais uma vez as manchetes dos jornais foram inundadas por notícias tristes para as mulheres que acompanham futebol. Do apoio financeiro de Neymar pai a Daniel Alves, preso sob acusação de estupro por uma jovem na Espanha, à contratação de Pedrinho pelo Santos, poucos meses depois do atacante ser denunciado por agressão contra a namorada, o esporte perpetua a violência contra a mulher.
R$ 800 mil para ajudar um amigo acusado de estupro
Depois que o portal UOL divulgou o apoio financeiro a Daniel Alves, Neymar pai confirmou em uma entrevista o valor de R$ 800 mil enviado para o ex-lateral da Seleção Brasileira. A quantia foi encaminhada para que ele pudesse pagar o “atenuante de reparação de dano causado” à Justiça da Espanha.
A família Santos também colocou sua assistência jurídica à disposição de Daniel, que segue preso na região metropolitana de Barcelona enquanto aguarda o julgamento por acusação de estupro.
O código masculino é uma ordem nos vestiários, uma espécie de contrato, no qual cada parte tem sua responsabilidade. É difícil ver um companheiro detonar outro ou até mesmo se levantar para contestar a possibilidade de um crime. Na verdade, o que acontece é normalmente o contrário.
Grande parte dos jogadores e homens do ambiente futebolístico se tornam verdadeiros advogados para defender um amigo, mesmo que ele seja acusado com provas claras, condenado – até em última instância em alguns casos – por violentar uma mulher. Afinal, pode ser a vez dele ser defendido amanhã.
Com esse pensamento, como as mulheres podem se sentir seguras dentro de um estádio, por exemplo? Ou mesmo perto de um atleta.
“Bora ver se é brabo em campo igual é em casa”
Os comentários no anúncio da contratação de Pedrinho nas redes sociais são um esgoto a céu aberto. As frases machistas são muitas, além das “brincadeiras” com a violência doméstica denunciada pela ex-namorada, Amanda Nunes, em abril de 2023.
– Bora ver se é brabo em campo igual é em casa – escreveu um torcedor.
– Ponta agressivo, parte pra cima sem medo – comentou outro.
– Vem, Robinho. O muro está baixo – acrescentou um indivíduo.
Meses depois de conseguir uma medida protetiva contra Pedrinho, Amanda voltou a aparecer nas redes sociais do jogador e, segundo o depoimento de pessoas próximas ao círculo dos dois, eles estão juntos novamente, ao mesmo tempo em que o Ministério Público estacionou o processo contra ele. Por conta disso, o clube alvinegro se sente confortável em contratá-lo.
A verdade é que boa parte das mulheres que sofrem violência doméstica reatam com seus agressores. Segundo dados da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, em 2019, o número de medidas protetivas em vigor foi superior a 5 mil.
No entanto, cerca 20% a 30% das mulheres, depois de voltarem com seus parceiros, solicitaram a revogação dessas medidas à Justiça. São casos sempre muito claros de mulheres que não conseguem quebrar o ciclo de violência.
Mesmo assim, isso não chancela a inocência do agressor e nem a culpabilização da vítima. Violência contra a mulher não pode ser motivo para piadas. Sendo uma mulher que consome futebol quase 12h por dia, ver esse ambiente ser tão agressivo para mim e minhas semelhantes é doloroso. E no fim das contas… Essa foi só mais uma semana não sendo bem-vinda. Resta saber se há como virar esse jogo.
Violência contra a mulher é crime
A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226).
Se você foi vítima de violência doméstica ou conhece alguém que esteja em situação de risco, disque 180. A Central de Atendimento à Mulher presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias aos órgão competentes.
O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.
O serviço funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel. O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros países.