Flamengo x São Paulo: as finais eletrizantes da Supercopa 1993 e da Copa dos Campeões 2001
As conquistas da Supercopa e da Copa dos Campeões não são as mais badaladas, mas ofereceram jogaços à memória do confronto

*Texto publicado originalmente em agosto de 2022
Flamengo e São Paulo fizeram uma série de duelos marcantes nos últimos anos. O Tricolor se deu melhor nas quartas de final da Copa do Brasil de 2020, quando eliminou os rubro-negros. Nas últimas três temporadas, em compensação, os flamenguistas venceram todos os embates com os são-paulinos – emplacando aí duas goleadas sonoras e dando o troco na semifinal da Copa do Brasil de 2023. O novo confronto decisivo será um imenso tira-teima na final da Copa do Brasil. E serve de deixa para relembrar alguns encontros grandiosos entre os clubes. Não são as finais mais importantes, mas as duas equipes fizeram decisões verdadeiramente eletrizantes na virada dos anos 1990 para os 2000. A Supercopa da Libertadores de 1993 traz uma memória doce aos paulistas, assim como foi a Copa dos Campeões de 2001 aos cariocas.
A Supercopa da Libertadores de 1993
O ano de 1993 foi excepcional ao São Paulo. O Tricolor conquistou o bicampeonato mundial e também o bicampeonato da Libertadores. Na competição continental, o time de Telê Santana chegou a superar o próprio Flamengo nas quartas de final, com os rubro-negros ostentando o rótulo de campeões nacionais do ano anterior. Já o tira-teima entre os dois clubes aconteceu em novembro de 1993, antes que os são-paulinos se consagrassem em Tóquio. A Supercopa da Libertadores reunia todos os times que já tinham sido campeões continentais e teria uma respeitável final entre paulistas e cariocas.
A Supercopa era uma verdadeira celebração às camisas pesadas. Assim, os dois times chegaram à decisão com campanhas respeitáveis. O São Paulo deixou pelo caminho Independiente, Grêmio e Atlético Nacional. Já o Flamengo chegava embalado depois de derrubar Olimpia, River Plate e Nacional de Montevidéu. As duas equipes estavam desgastadas pelo calendário cheio, ambas disputando paralelamente o quadrangular semifinal do Campeonato Brasileiro. Só que o favoritismo era mesmo do São Paulo, diante do trabalho consolidado de Telê Santana no Morumbi. Atrasos de salários e rachas nos vestiários atravancavam o Fla.
Herói na conquista do Brasileirão de 1992, o maestro Júnior tinha se despedido dos gramados e assumido o posto de técnico. Muitos dos companheiros no título nacional seguiam na equipe, numa base bastante jovem. Gilmar Rinaldi, Júnior Baiano, Charles Guerreiro, Marcelinho Carioca e Nélio estavam entre os destaques remanescentes, enquanto o ataque trouxe Renato Gaúcho e Casagrande. Já o São Paulo de Telê Santana repetia uma formação histórica, com várias lendas do bicampeonato mundial. Zetti, Cafu, Ronaldão, Toninho Cerezo, Palhinha, Leonardo e Müller pintavam no 11 inicial, com a ascensão de Juninho Paulista.
O Maracanã abrigou a primeira partida, num franco empate por 2 a 2. O São Paulo começou melhor e pressionou de início. O gol não demorou, aos 16, numa grande jogada de André Luiz pela esquerda para o arremate de Leonardo. O Flamengo melhorou depois disso, arriscando mais contra a meta de Zetti. Quem fez a diferença foi Marquinhos, que partia para cima da marcação. O camisa 8 anotou um golaço aos 36, ao fazer fila e mandar uma sapatada de fora da área, direto no ângulo. Também seria dele o gol da virada, aos dois do segundo tempo. Desta vez, Marquinhos bateu sem tanto perigo, mas Zetti frangou.
O anticlímax para os rubro-negros, porém, foi a expulsão de Júnior Baiano dois minutos depois, ao acertar Cafu com um carrinho por trás. O segundo tempo se abria aos dois times. O Flamengo não abdicava do ataque e tinha em Nélio uma de suas principais peças. O São Paulo também acreditava no empate e Gilmar chegou a fazer milagre contra Palhinha. Num momento difícil para o Fla, em que Leonardo quase marcou, os refletores do Maracanã se apagaram e o jogo permaneceu paralisado por 18 minutos. Nem isso esfriou os tricolores, que aproveitaram bem as entradas de seus reservas, em especial de Juninho Paulista. O garoto garantiu a igualdade aos 43, ao completar um cruzamento rasteiro de Cafu. Ficava uma sensação de oportunidade perdida aos flamenguistas, pela vitória que escapava.
Uma semana depois, o Morumbi recebeu outra partida agonizante, com novo empate por 2 a 2. O Flamengo abriu o placar logo aos nove minutos, num escanteio que Renato Gaúcho completou de peixinho após desvio. Era uma etapa inicial mais pegada, em que o São Paulo até conseguiu ser mais perigoso na tentativa de empate, por mais que o Fla não deixasse de incomodar nas escapadas de Renato. Para o segundo tempo, Telê mandaria seu time para frente, com a entrada de Juninho Paulista no lugar de Toninho Cerezo.
O São Paulo chegava bem mais, mas Renato Gaúcho perdeu grande chance de anotar o segundo para o Flamengo. Fez falta, já que o empate tricolor não tardou, numa tabela pela esquerda que Leonardo concluiu na entrada da área, tirando do alcance de Gilmar. Dando muitos espaços, o Fla tomava pressão e dependia das defesas de Gilmar. Ainda assim, Zetti também foi providencial numa batida de Nélio do outro lado. A virada são-paulina, de qualquer forma, estava mais madura e aconteceu aos 35. Juninho escapou no meio da zaga e arrematou por baixo de Gilmar. A sorte dos rubro-negros era contar com o talismã Marquinhos. Seria dele o novo empate, aos 38, num tiro cruzado de fora da área que entrou no canto.
Durante os minutos finais, o São Paulo parecia mais inteiro para o terceiro e Guilherme desperdiçou uma chance na pequena área, de carrinho. Com o novo empate, o título seria definido mesmo nos pênaltis. Haveria o duelo entre Zetti e Gilmar, dois goleiros de Seleção e com uma relação conturbada nos tempos em que jogavam juntos no Morumbi. Melhor para o são-paulino, com uma pitada de sorte. Marcelinho Carioca mandou na trave a segunda batida rubro-negra. Os tricolores converteram todas, inclusive Müller, que teve a responsabilidade de fechar a série. Triunfo por 5 a 3, que garantia uma “Tríplice Coroa Continental” ao São Paulo, depois de levar a Libertadores e a Recopa também em 1993. O Mundial seria celebrado em poucos dias.
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A Copa dos Campeões de 2001
O Flamengo teve uma revanche continental na menos prestigiada Copa Ouro, que venceu em decisão contra o São Paulo em 1996. Sávio anotou os três gols na vitória por 3 a 1 sobre os tricolores. Já em 1997, os flamenguistas deixariam os são-paulinos pelo caminho na semifinal do Torneio Rio-SP. Em nível de emoção, a final que se equiparou à da Supercopa de 1993 aconteceu em 2001, na extinta Copa dos Campeões – torneio que reunia campeões regionais e alguns estaduais, valendo vaga na Libertadores. Seriam dois embates trepidantes entre um Flamengo tricampeão carioca, com a magia de Petkovic na inesquecível vitória sobre o Vasco, e um São Paulo vencedor do Rio-SP, na campanha que marcou a explosão de Kaká.
O Flamengo passou por Bahia e Cruzeiro nas fases anteriores da Copa dos Campeões. Zagallo dirigia a equipe que mesclava pratas da casa e medalhões. Petkovic, Edílson, Beto e Gamarra eram as estrelas ao lado de novatos como Júlio César, Juan e Reinaldo. Leandro Ávila foi desfalque na ida por suspensão. Já o São Paulo tinha o comando de Nelsinho Baptista. Também possuía uma mistura interessante, com figuras de relevo como Rogério Ceni, França, Luis Fabiano, Kaká, Belletti e Júlio Baptista. Ceni, entretanto, vinha em litígio com a presidência e tinha sua saída especulada na imprensa. Os tricolores acumulavam quatro vitórias na campanha, passando por cima de Sport e Coritiba nas fases anteriores.
A Copa dos Campeões, embora decidida em dois jogos, era realizada no Nordeste. A primeira partida aconteceu no Almeidão, em João Pessoa. O Flamengo venceu num memorável 5 a 3. Mais aceso, o Fla deu trabalho para Rogério Ceni desde os primeiros minutos. O gol saiu aos 15, quando Reinaldo driblou o goleiro e rolou para Edílson escorar. A resposta do São Paulo veio três minutos depois, com o empate de Luís Fabiano, após cruzamento de Gustavo Nery. Nada que amedrontasse os rubro-negros, ainda melhores, até o segundo gol aos 24. Agora Edílson foi o garçom, com uma bicicleta que Reinaldo completou de cabeça. Infernal naquela tarde, Reinaldo ainda entregaria um bolão para Beto fuzilar o terceiro aos 37.
O Flamengo seguiu mais perigoso no segundo tempo. Marcou o quarto gol antes, com Edílson, num erro de Jean. O zagueiro tentou afastar, carimbou o atacante e a bola entrou. O São Paulo precisava acordar e descontou aos 14, num escanteio. Júlio César saiu mal e Rogério Pinheiro marcou de cabeça. O Tricolor cresceu e empilhou chances. Carlos Miguel acertou a trave e Júlio César salvou com duas defesaças, até que o terceiro tento são-paulino fosse assinalado em mais um escanteio, completado por Luís Fabiano. O relógio marcava 27 minutos e o confronto parecia aberto. Aos 35, porém, o Flamengo cravou o quinto. Edílson fez jogadaça pela direita e cruzou. Rogério Ceni desviou e a bola bateu em Rogério Pinheiro, num gol contra do zagueiro.
Para o segundo jogo, o São Paulo promoveu as entradas de Kaká e Carlos Miguel na equipe titular, após energizarem o time no segundo tempo. Já o Flamengo tinha a importante volta de Leandro Ávila no meio. Em Maceió, os tricolores deram a resposta com a vitória por 3 a 2, insuficiente para garantir o troféu. O primeiro tempo seria bastante animado, apesar da escassez maior de gols. Os são-paulinos tinham mais presença ofensiva, mas pecavam na pontaria. Os flamenguistas buscavam os contra-ataques e até deram mais trabalho a Rogério Ceni. O primeiro gol, de qualquer maneira, foi tricolor. Aos 40, Kaká deu uma linda finta na entrada da área e bateu na gaveta, permitindo que seus companheiros acreditassem.
O Flamengo voltou mais forte para o segundo tempo. O empate aconteceu aos dois minutos, numa falta que Petkovic cobrou para a área e Juan definiu de cabeça. Edílson, inspirado naquelas finais, só era parado na força. Garantiu que Petkovic anotasse o seu aos 13, numa linda falta endereçada rumo ao ângulo. Foi quando o Tricolor desmoronou, com a expulsão de Luis Fabiano na sequência. Os paulistas voltaram a empatar aos 20, num pênalti convertido por França, e o jogo virou uma trocação, com Rogério fazendo defesas importantes para evitar o terceiro do Fla. Mesmo com um a menos, o São Paulo virou de novo aos 44, num tiro certeiro de França. Todavia, Fabiano também seria expulso e os rubro-negros só não empataram de novo porque Fábio Augusto carimbou a trave. O agregado, de qualquer forma, beneficiava os cariocas. Nas comemorações, Zagallo era um dos mais emocionados, ao ser campeão na cidade onde nasceu.
O título da Copa dos Campeões levou o Flamengo para a Libertadores de 2002, num retorno à competição continental após nove anos – desde a eliminação para o São Paulo em 1993. Já nas duas últimas décadas, os reencontros de rubro-negros e tricolores em mata-matas foram bem raros, restritos apenas aos cruzamentos recentes na Copa do Brasil. É ver se essa final de 2023 faz jus a uma história bastante rica entre os dois oponentes.