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CBF criará um problema ao ter Fernando Diniz na Seleção e no Fluminense ao mesmo tempo

Sem sequer respeitar a data Fifa de verdade, a CBF vai colocar Fernando Diniz em um conflito de interesses que será, sem dúvida, questionado

Fernando Diniz será o treinador da seleção brasileira, de forma interina, em contrato assinado por um ano – quando, supostamente, Carlo Ancelotti ficaria livre para assumir o cargo durante a Copa América, segundo declarações do presidente Ednaldo Rodrigues. A informação inicial foi dada pelos repórteres Bruno Cassucci, Cahê Mota e Eric Faria no ge.globo. Na noite desta terça-feira, a CBF confirmou a contratação de Diniz. O que é surpreendente é que ele permanecerá no Fluminense e exercerá os dois cargos ao mesmo tempo, o que tem um enorme potencial para causar problemas, por culpa da própria CBF.

 

O Brasileirão não respeita data Fifa

A CBF diz que o Brasileirão respeita datas Fifa, mas não é verdade. Na verdade, ela só não joga durante a data Fifa, mas joga no dia seguinte ao último dia de jogos, o que faz com que os jogadores não possam atuar nos seus clubes — ou atuem cansados, tendo seu desempenho e até a sua saúde comprometida. Assim, ter jogadores convocados segue sendo um problema para os clubes.

O técnico da seleção brasileira aqui vive um conflito de cobranças. Os clubes reclamam quando seus jogadores são convocados, porque eles acabam perdendo ao menos um jogo, ou no mínimo têm sua situação completamente comprometida, em desempenho ou em saúde. Por isso, era quase um pedido dos clubes para que seus jogadores não fossem convocados.

Clubes com muitos jogadores convocados, dois ou três, acabavam se sentindo prejudicados. Embora não seja comum, é possível que isso aconteça. Especialmente porque os elencos têm jogadores de mais de uma nacionalidade convocados. Até chegou a se criar uma espécie de cota nos tempos de Tite como técnico da seleção, com os cubes sendo limitados a dois jogadores convocados. E mesmo assim, isso não resolvia o problema.

Tite mesmo era acusado por vezes de convocar os jogadores de Corinthians, com quem tinha trabalhado. Também tinha que lidar com reclamações dos clubes quando convocava os jogadores, os tirando dos clubes brasileiros, para ficarem no banco de reservas nos jogos das Eliminatórias.

Fernando Diniz será colocado no meio de um conflito de interesses

Os questionamentos virão. Se Fernando Diniz convocar os jogadores de outros clubes, concorrentes do Fluminense, será acusado de fazer isso para prejudicar os rivais — mesmo que isso soe um pouco absurdo. Mas o Brasil é o país da paranoia e a CBF construiu para si esse problema por nunca ter sido uma entidade confiável, que realmente tenha trabalhado em prol do futebol, e ainda passou anos com acusações de corrupção, algumas comprovadas, como as que tiraram Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e José Maria Marin dos seus cargos.

Mesmo que o técnico convoque os jogadores que ele acha melhor por motivos técnicos, essa situação cria um conflito de interesses que será problemático. Primeiro de tudo, para o Fluminense. Com o time já sofrendo com o desempenho tendo caído, como será com o técnico dividido entre dois trabalhos?

Depois, para os outros clubes: se os dirigentes já reclamavam de terem jogadores convocados por um técnico com prestígio e que era o técnico principal, como Tite, como será com a convocação de um interino que ainda trabalha em um concorrente?

Imagine que Fernando Diniz convoque dois ou três jogadores do Palmeiras, dois ou três jogadores do Flamengo, um do Botafogo e um do Fluminense. A última das três convocações no segundo semestre será antes da 35ª rodada, antepenúltima rodada e reta finalíssima do Brasileirão. Imagine o Flamengo perder Pedro e Ayrton Lucas, o Palmeiras perder Weverton e Raphael Veiga, para pegar jogadores recentemente convocados. Isso não será um problema?

Técnico é pressionado por convocações de jogadores no Brasil

Ao mesmo tempo, o técnico da seleção brasileira também é pressionado, seja pela imprensa, torcedores e até opinião pública como um todo, a convocar mais jogadores do Brasil. É comum vermos críticas às convocações porque “fulano no Brasil está jogando muito mais”. Houve quem dissesse que Ramon Menezes, o técnico interino que comandou a Seleção nas duas últimas datas Fifa, deveria ter convocado Tiquinho Soares, centroavante do Botafogo, pelo momento que vive.

Tudo isso é um problema para lidar, mas ele se agrava ainda mais quando pensamos que o técnico irá trabalhar de forma concomitante no seu clube. Fernando Diniz já vive um momento complicado no Fluminense, com o time precisando corrigir problemas. E será neste momento que ele terá que dividir as atenções entre Campeonato Brasileiro, Libertadores e Copa do Brasil e os jogos do Brasil nas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Tentativa de agradar a opinião pública, mas com atraso?

Há poucos meses, Fernando Diniz era tratado como um dos melhores técnicos do Brasil, provavelmente atrás apenas de Abel Ferreira, que tem sido o melhor a trabalhar por aqui nos últimos três anos. O bom trabalho no Fluminense no Brasileirão de 2022 e o bom início de 2023, com o Campeonato Carioca conquistado jogando um grande futebol, o colocou no holofote. Seria um nome para a seleção?

Provavelmente o nome dele seria muito mais aceito se tivesse sido o escolhido antes mesmo do Brasileirão, quando vinha do trabalho de sucesso no Carioca. Só que a CBF queria, e queria muito, Carlo Ancelotti. Ainda quer, na verdade, e dizem que já fechou para 2024.

Eis que Fernando Diniz será colocado em uma situação, digamos, curiosa. Ele será um interino até que Ancelotti assuma, se é que vai assumir mesmo. Sim, coloco em dúvida, porque quem diz que ele será o técnico é a CBF. Ancelotti segue dizendo que o objetivo é o Real Madrid. Já chegou a dizer que fica até 2030 se o Real Madrid quiser.

Como a informação da CBF é passível de desconfiança, e se Ancelotti não vier, no fim das contas, nem em janeiro, nem em junho? E se ele não for demitido do Real Madrid, como parece que a CBF torce para acontecer? Ficará Fernando Diniz no comando? A CBF confia nele para isso? São questões.

Também dá para pensar por uma chave otimista. O Brasil tem seis jogos até o fim do ano pelas Eliminatórias. Digamos que o time comandado por Diniz vá muito bem, tenha um desempenho excelente e vença todos, ou quase todos os jogos. Faça uma grande partida contra a Argentina, por exemplo, um dos adversários do Brasil em novembro. Será que a CBF manterá Diniz? Continuam sendo questões difíceis de responder. O que sabemos, a essa altura, é que a situação é bastante inusitada.

Em 1998 e 2000, Seleção compartilhou técnico com clubes

Alguém dirá que o Brasil já viveu isso antes. É verdade e aconteceu duas vezes em momentos próximos, em 1998 e 2000. Em 1998, Vanderlei Luxemburgo assumiu a seleção brasileira e conciliou o trabalho no Corinthians até o fim daquele ano. Só que há várias diferenças: Luxemburgo era uma unanimidade como melhor técnico do Brasil, era o técnico principal da seleção brasileira. Havia menos essa desconfiança em relação a convocados, embora já existisse. Agora, o problema é muitas vezes maior.

Em 2000, a situação foi parecida. Émerson Leão, que dirigia um time histórico do Sport, assumiu a seleção brasileira. Assim como no caso de Luxemburgo, ficou conciliando os dois cargos por um semestre. Leão duraria pouco no cargo, sendo demitido no ano seguinte, 2001, em um período que a CBF parecia muito perdida no que fazia (qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência).

O mundo também era outro em 1998 e em 2000 e dividir seleção e clube era menos incomum. Hoje, é raríssimo. Nas principais seleções, isso simplesmente não acontece. As demandas de jogos de seleções acabam sendo grandes. Na história da seleção brasileira, tivemos muitos casos de trabalhar em clubes e seleção ao mesmo tempo, mas isso ficou em um passado bem distante. Uma época que não tínhamos pressões tão grandes no calendário como hoje. É difícil fazer qualquer paralelo com Fernando Diniz no momento.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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