Brasileirão Série A

Justiça derruba liminar a pedido de Fla e Flu, e Vasco não jogará no Maracanã

Lutando contra o rebaixamento no Brasileirão, Vasco não poderá mandar jogo contra o Atlético-MG, no domingo (20), no estádio

O Vasco não voltará a jogar no Maracanã neste final de semana. A pedido de Flamengo e Fluminense, a Justiça derrubou a liminar que autorizava que o Cruz-Maltino enfrentasse o Atlético-MG no estádio, no domingo (20), pelo Brasileirão.  A decisão aponta “a preservação do campo de futebol onde as partidas são realizadas constitui atividade imprescindível”. O clube de São Januário irá recorrer.

Na decisão assinada pelo desembargador André Luiz Cidra, o Poder Judiciário afirma que, no contrato firmado entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro e a dupla Fla-Flu, “há expressa determinação no sentido de que “observada a disponibilidade de datas, será permitido aos demais clubes do Estado do Rio de Janeiro, realizar partidas oficiais no Maracanã”.

O Vasco requereu judicialmente ter os mesmos direitos que o Fluminense — a quem a sociedade anônima de futebol do Cruz-Maltino chamou de “auxiliar” — no estádio, por se tratar de um bem público. A Justiça teve interpretação diferente, reconhecendo o Tricolor como “interveniente anuente”. De todo modo, com a recusa do Flamengo em liberar a data, foi considerada a vontade do detentor da concessão.

Vasco entrará com recurso por considerar confronto com o Atlético-MG um jogo "maracanizável" - Foto: Reprodução
Vasco entrará com recurso por considerar confronto com o Atlético-MG um jogo “maracanizável” – Foto: Reprodução

A Justiça conferiu ainda a Flamengo e Fluminense o direito de decidir sobre os jogos no estádio do Maracanã. Por fim, a decisão cita que “há outros estádios no Estado do Rio de Janeiro em condições de garantir o direito dos consumidores de produto com padrão adequado de qualidade, como o Engenhão no mesmo Município e outros estádios no interior, de modo que não haverá perigo de a
partida não vir a ser realizada”.

O Vasco esperava a decisão para iniciar a venda de ingressos. O clube não irá desistir do pleito e tentará um recurso por considerar o confronto “Maracanizável”. Esta é a terceira tentativa do clube de atuar no estádio na Justiça, e a primeira a ser negada.

A última tentativa será um recurso ao órgão especial formado por 25 desembargadores. O caso será sorteado a um deles e uma nova decisão deve ser proferida nesta quinta-feira.

Confira a íntegra da decisão:

“É o breve relatório. Passo a decidir.

Presentes os requisitos de admissibilidade dos recursos, não se reconhecendo a existência da prevenção sustentada pela Agremiação agravada, na medida em que o recurso anterior tinha como causa de pedir próxima o abuso de direito por parte dos agravantes, que sem razão relevante teriam obstado a utilização do Estádio do Maracanã em partidas específicas, nada obstante do termo de permissão não pudesse advir qualquer tipo de restrição a outros clubes que tivessem interesse em realizar suas partidas no estádio.

Assim, como para definir a prevenção há necessidade de que exista a real possibilidade de decisões conflitantes, levando-se em consideração o conflito de interesses estabelecido, impositivo é a verificação da causa de pedir e pedido, constatando-se que quanto ao aspecto ativo, identificado pelo direito de utilização do Estádio do Maracanã, com supedâneo nos termos da permissão de uso, há efetiva homogeneidade, no entanto, o aspecto passivo e o pedido das outras demandas tinham como fundamento a negativa injusta de autorização pelos agravantes à realização de pretéritas partidas de futebol, em datas e condições distintas, de modo que, em se tratando de indigitado abuso de direito, este deverá ser objeto de análise e julgamento a cada evento lesivo, notadamente porque não houve determinação expressa em outros feitos de obrigação de não fazer, consistente em autorização incondicional, não exsurgindo, destarte, o fenômeno da prevenção.

Quanto a tutela provisória, sabe-se que a análise dos requisitos autorizadores do pedido deve ser realizada com discernimento pelo magistrado condutor do processo, uma vez conjugadas as exigências da norma específica e dentro de um juízo de legalidade, já que a discricionariedade não mais se sustenta no período de pós-positivismo do Direito, cabendo ao órgão de segundo grau apenas verificar a conformidade da decisão pela adstrição da situação fático-jurídica alegada com os requisitos impostos no CPC, revogando-a se estiver inadequada ou a mantendo se correta, com possibilidade de alteração quantitativa e de gênero em atuação de controle e moderação. A tutela provisória cautelar requerida em caráter antecedente pressupõe para a sua concessão a existência conjunta de fumus bone iuris e periculum in mora, sendo inarredável que pelos termos da permissão de uso, em razão da própria natureza do ato administrativo negocial, deve sempre haver interesse coletivo, de certo que as condições do uso especial do bem público deve guardar submissão as diretrizes definidas pelo Poder Público, tendo neste aspecto sido definido que os outros Clubes poderiam também jogar no Maracanã, nada obstante a administração tenha sido negociada com os agravantes.

Em razão disso, nas demandas anteriores, foi constatada a inexistência de justa causa na recusa dos Agravantes em relação a pretensão do agravado, motivo dos pronunciamentos judiciais favoráveis. Na hipótese em exame, ao contrário das demandas precedentes, os agravantes destacam elementos fáticos relevantes a evidenciar que a recusa não foi abusiva, uma vez que a partida que o agravado quer realizar no Estádio do Maracanã ocorrerá poucas horas depois de outra partida agendada há muito mais tempo, em que o mandante é o Fluminense Futebol Clube, que ocorrerá na noite de sábado, enquanto o jogo que o agravado quer realizar no estádio será na manhã de domingo.

Não há necessidade de uma análise mais aprofundada para se constatar a exiguidade de tempo para operacionalização entre uma partida e outra, considerando-se a necessidade de higienização, limpeza, reposição de estoque de alimentação e outras providências que teriam que ser feitas durante a madrugada, além da real possibilidade de ofensa ao gramado pela realização de dois jogos em período de tempo tão curto, notadamente quando as condições climáticas não se
mostram favoráveis, consoante se extrai das previsões dos especialistas.

Não se olvide que a preservação do campo de futebol onde as partidas são realizadas constitui atividade imprescindível, já que se trata de espetáculo esportivo com ingressos comercializados, tendo do outro lado milhares de consumidores que possuem direito básico de recebimento de serviço ou produto com qualidade, sendo a precariedade do campo de jogo fator de depreciação.

Lei n° 14.597/23 (Lei Geral do Esporte) que disciplina os direitos do espectador em seus artigos 143 e seguintes, indicando a higiene, alimentação e a qualidade das instalações físicas das arenas esportivas como direitos inarredáveis, de sorte que a qualidade do gramado e a verossímil dificuldade de promover-se a higienização e renovação de estoque de alimentos, por si só, já induz a intelecção de que a pretensão da agravada não deve ser acolhida.

Ademais, como já salientado supra, os espectadores são consumidores e tal definição advém do art. 142 do diploma legal indicado ao dispor que: “as relações de consumo em eventos esportivos regulam-se especialmente por esta Lei, sem prejuízo da aplicação das normas gerais de proteção ao consumidor”.
Com efeito, há necessidade de se exercer o diálogo necessário entre as fontes, viabilizando-se a aplicação simultânea e sistemática de coerência entre a Lei Geral do Esporte e do CDC, identificando-se na concessão do pleito cautelar irrefragável prejuízo para os consumidores, que tem direito elementar de garantia de serviço e produto com padrões adequados de qualidade (art. 4º, II, d, do CDC), podendo ser considerado defeituoso, pelo modo de fornecimento, o espetáculo que venha a ser prejudicado pelo gramado que não permita a prática do esporte.

Pelos motivos apresentados, não reconheço da análise feita em cognição sumária a ocorrência de extrapolação das limitações jurídicas pelos agravantes para impedir ou não autorizar a realização do jogo do Agravado no Estádio do Maracanã. Não se trata no caso em exame de limitação meramente potestativa, vedada no ordenamento jurídico, mas restrição devidamente fundamentada de proteção dos consumidores, de modo que não verifico a figura do abuso de direito e, destarte, não identifico a probabilidade de êxito da demanda cautelar, faltando assim o fumus boni juris a apontar para a orientar o pronunciamento de concessão do efeito suspensivo ativo pretendido.

Ainda quanto aos pressupostos exigidos para a cautelar antecedente, deixo de identificar ainda o periculum in mora, uma vez há outros estádios no Estado do Rio de Janeiro em condições de garantir o direito dos consumidores de produto com padrão adequado de qualidade, como o Engenhão no mesmo
Município e outros estádios no interior, de modo que não haverá perigo de a partida não vir a ser realizada.

Ante o exposto, com fulcro no art. 995, p. único do CPC, DEFIRO O EFEITO SUSPENSIVO ATIVO PARA CASSAR A DECISÃO RECORRIDA.

Comunique-se ao Juízo acerca da presente decisão, a teor do art. 1.019, I, do CPC⁄2015, ficando dispensado do encaminhamento de informações, salvo se reputá-las relevantes. Após, ao Agravado, para, querendo, oferecer contraminuta, na forma do art. 1.019 II do novo CPC.

Proceda-se o apensamento, a fim de possibilitar o julgamento simultâneo dos recursos.

Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.

DES. ANDRÉ LUIZ CIDRA
R E L A T O

Foto de Caio Blois

Caio BloisSetorista

Jornalista pela UFRJ, pós-graduado em Comunicação pela Universidad de Navarra-ESP e mestre em Gestão do Desporto pela Universidade de Lisboa-POR. Antes da Trivela, passou por O Globo, UOL, O Estado de S. Paulo, GE, ESPN Brasil e TNT Sports.
Botão Voltar ao topo