Brasileirão Série A

Três técnicos da nova geração começam Brasileiro embalados por títulos estaduais

Tempo. A comódite mais valorizada dos tempos modernos, tempos apressados, ansiosos e intensos, é escassa na profissão de treinador de futebol no Brasil. Poucos conseguem tê-lo para desenvolver trabalhos de médio prazo. Os que conseguem são geralmente os consagrados e vitoriosos. Os apelidados como “medalhões”. Mas como chegar a esse status se a demissão paira na cabeça de qualquer novato na primeira eliminação, no máximo na segunda?

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Técnicos iniciantes participam de um ciclo vicioso difícil de ser quebrado. Não têm experiência em clube grande, nem títulos importantes, e por isso, sofrem mais pressão do que os treinadores renomados. Sob essa pressão e sem respaldo, não conseguem desenvolver o trabalho que gostariam de desenvolver e ficam suscetíveis a se perderem ao tentar equilibrar suas convicções com o resultado. Com frequência, acabam fracassando e, sob pressão e sem respaldo, são descartados com facilidade e perdem a chance de adquirir experiência em clube grande e títulos importantes, que lhe dariam respaldo e aliviariam a pressão.

Existe uma renovação de treinadores em voga no futebol brasileiro há alguns anos. Basta notar que, dos 20 técnicos da primeira divisão, apenas três já foram campeões do Brasileirão. Paulo Autuori, no longínquo 1995, Abel Braga, em 2012, e Cuca, o último vencedor, que acabou de assumir o lugar de Eduardo Baptista, um desses semi-iniciantes. Mano Menezes, no Cruzeiro, Dorival Júnior, no Santos, Renato Gaúcho, no Grêmio, Vágner Mancini, na Chapecoense, e Ney Franco, no Sport, têm bastante rodagem e costas mais largas que o resto do pelotão.

Os outros tentam quebrar o círculo que tritura treinadores jovens e ideias frescas no futebol brasileiro. Trabalhos acima das expectativas em clubes modestos é um sinal. Bom desempenho ajuda. Alcançar objetivos secundários, como classificar-se à Libertadores, mais ainda. Mas o que realmente passa confiança ao torcedor e, consequentemente, à direção, é a imagem do capitão levantando um caneco. Zé Ricardo, Roger Machado e Fábio Carille conseguiram construir esse lastro nos tão espezinhados, pela crítica e por seus organizadores, campeonatos estaduais.

Zé Ricardo
Zé Ricardo, técnico do Flamengo (Foto: Getty Images)
Zé Ricardo, técnico do Flamengo (Foto: Getty Images)

O Flamengo tem um projeto ambicioso sendo tocado pela gestão Eduardo Bandeira de Mello. Com as contas saneadas, sobrou dinheiro para investir na equipe. O elenco é muito bem e plenamente capaz de conquistar grandes títulos em 2017. O primeiro já veio: o Campeonato Carioca foi o primeiro troféu vencido pelo clube rubro-negro em três anos. Importante para o clube, muito mais importante para o técnico Zé Ricardo.

Não seria surpresa encontrar torcedores do Flamengo pensando que a diretoria comprou um Porsche para um motorista iniciante. Zé Ricardo foi efetivado, em julho do ano passado, depois da saída de Muricy Ramalho e passou várias rodadas com a interinidade circulando em seu pescoço. Precisou justificar a aposta com bons resultados e bons desempenhos. Assumiu a equipe na quarta rodada do Brasileirão e conseguiu 19 vitórias, 10 empates e 6 derrotas em 35 partidas, um aproveitamento de 63% que fez o Flamengo passar uma boa parte do torneio como o principal perseguidor do Palmeiras.

Pesou contra a eliminação para o Palestino, na Copa Sul-Americana, mas os sinais eram bons. Tanto que Zé Ricardo ganhou a oportunidade de começar a temporada e disputar a Libertadores. É líder do grupo mais difícil da atual edição do torneio sul-americano e entregou o troféu que seus torcedores tanto queriam. Mais do que isso, deixa sua marca na equipe. Com a lesão de Diego, buscou alternativas e encontrou uma boa: dois laterais esquerdos, com Trauco mais avançado. Até repetiu no outro lado, em algumas ocasiões, com Rodinei e Pará. Um trabalho autoral, referendado pelo título carioca, que lhe dá confiança para o início do Brasileirão.

Fábio Carille
Fábio Carille, do Corinthians (Foto: Divulgação)
Fábio Carille, do Corinthians (Foto: Divulgação)

Fábio Carille está desde sempre no Corinthians. Em 2010, foi alvo de gafe de Andrés Sánchez (“Carille? Não sei quem é Carille”) e acompanhou de perto um dos períodos mais gloriosos da história do clube de Parque São Jorge. Foi interino em quatro jogos ano passado, com uma vitória, um empate e duas derrotas, e se falou que poderia ser efetivado. A direção acabou contratando Oswaldo de Oliveira apenas para demiti-lo pouco depois, e Carille foi, enfim, confirmado como técnico principal do Corinthians.

Mas ainda era com uma aura de última opção, que Carille tinha a missão de dissipar. O começo foi complicado, com muitas vitórias por 1 a 0 e uma derrota para o Santo André, em casa. O primeiro ponto de virada foi derrotar o Palmeiras, com um a menos. Acabou invicto nos clássicos, com um categórica vitória sobre o São Paulo, no Morumbi, pelas semifinais do Paulistão, e atropelou a Ponte Preta na decisão estadual.

Em comparação livre, guardadas todas as devidas proporções, como a equipe de Tite, em 2015, o Corinthians vai pouco a pouco melhorando no setor ofensivo, o que não significa que chegará a jogar no nível de desempenho daquele time, muito menos que conquistará o título. No entanto, se esse desenvolvimento seguir, o Timão pode fazer um bom papel no Campeonato Brasileiro e estender o trabalho de Carille por mais tempo do que talvez até ele mesmo imaginava.

Roger Machado
Roger Machado, do Atlético Mineiro (Foto: Getty Images)
Roger Machado, do Atlético Mineiro (Foto: Getty Images)

Roger Machado chamou a atenção com o seu trabalho no Novo Hamburgo. No Campeonato Gaúcho de 2015, foi eliminado pelo Grêmio, nas quartas de final, mas o Imortal precisou disputar os pênaltis para avançar. Tanto que, uma vez que Luiz Felipe Scolari foi demitido, o clube tricolor foi buscar justamente Roger para treinar a equipe no Campeonato Brasileiro.

E saiu melhor do que a encomenda: sem altos investimentos, com muitos jovens e jogadores que eram contestados, o Grêmio foi terceiro colocado do Campeonato Brasileiro e se classificou à Libertadores. Roger fez o futebol de Douglas renascer, com um esquema em que o veterano armador participava das ações ofensivas e era poupado da recomposição. O Grêmio atuava com toques curtos e rápidos, sempre para frente. Um futebol bonito de se ver.

O segundo ano de Roger não foi tão bom. Não conseguiu conquistar o Campeonato Gaúcho e foi eliminado pelo Rosario Central, nas oitavas de final da Libertadores. O desgaste fez com que pedisse demissão em setembro, com 58,8% de aproveitamento e um trabalho muito bem feito que o colocou, mesmo nos estágios preliminares da sua carreira, entre os nomes mais cobiçados do mercado de técnicos.

Seu nome chegou a ser cogitado no campeão brasileiro Palmeiras, mas o Atlético Mineiro chegou primeiro. A missão era complicada. Sem um currículo recheado para lhe dar segurança, precisava reformular a maneira meio maluca e até inconsequente de jogar do Galo, diante de uma torcida que estava acostumada com aquele estilo e viu grandes feitos serem conquistados por meio dele. Precisava da confiança da diretoria. E de resultados.

Não dá para reclamar da primeira fase do Campeonato Mineiro: nove vitórias em 11 jogos. No entanto, uma das derrotas foi para o Cruzeiro, a segunda no ano, já que houve outro clássico vencido pela Raposa na Primeira Liga. Demorou um pouco para engrenar na Libertadores, com um empate com o Godoy Cruz, uma vitória suada contra o Sport Boys e derrota para o Libertad. Além dos resultados, não jogou bem em nenhuma dessas partidas.

Mas a equipe vem evoluindo. Ganhou sem problemas do Libertad, no Independência, goleou o Sport Boys, fora de casa, apesar de jogadores importantes como Fred e Robinho terem sido poupados, e derrotou o Cruzeiro na decisão do Mineiro. Deu o troco nas derrotas que mais o haviam pressionado, no começo do ano, e garantiu o primeiro título da sua carreira. Um troféu para colocar no currículo e para mostrar aos críticos se as coisas começarem a dar errado no Brasileirão, embora haja poucos sinais de que isso possa acontecer.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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