Brasileirão Série A

Slimani no Coritiba é uma história inusitada com gosto de nostalgia pela Copa de 2014

Slimani vem de bons números com o Anderlecht, além de seguir como uma referência na seleção da Argélia

A seleção da Argélia ainda desperta lembranças bastante carinhosas de muitos brasileiros que se encantaram com as Raposas do Deserto na Copa do Mundo de 2014. Os africanos causaram sensação no Mundial do Brasil, numa campanha que quase deixou a Alemanha pelo caminho nas oitavas de final. E a casa dos argelinos no país, sem dúvidas, foi Curitiba. Por lá a equipe empatou com a Rússia por 1 a 1 e garantiu a classificação no Grupo H. A torcida paranaense abraçou os magrebinos, fazendo ecoar o grito de “1, 2, 3, viva l'Algérie”, e até volta olímpica o time deu na Arena da Baixada. Nove anos depois, as memórias se tornam mais vivas quando Islam Slimani, autor do gol decisivo da Argélia naquele jogo, está de volta ao Paraná. Será um rolê aleatório e tanto sua aventura com a camisa do Coritiba na sequência do Brasileirão.

Slimani virou alvo do Coritiba em meados de junho, quando o clube procurava jogadores livres no mercado de transferências. O argelino atendia aos requisitos, ao final de seu contrato com o Anderlecht. Existiam outras propostas na mesa do centroavante, mas o interesse do Coxa se tornou crucial. Como não tinha vínculo com outro clube, o veterano de 35 anos ainda poderia ser inscrito no Brasileirão até meados de setembro. Com quase um mês de antecipação, o final da novela é feliz. No domingo, os alviverdes tinham publicado as primeiras mensagens sobre Slimani nas redes sociais (inclusive com o mapa errado da Argélia) e confirmaram o pré-contrato. Já nesta quarta-feira, ocorreu a oficialização.

Há uma enorme expectativa da torcida do Coritiba com Slimani. A massa alviverde também abraçou o rolê aleatório e recepcionou com carinho o veterano. Cerca de 500 torcedores estiveram presentes no aeroporto em Curitiba para transmitir seu calor ao medalhão. Slimani assinou com o Coxa até dezembro de 2024. Um dos seus objetivos é se manter em forma para os compromissos da seleção argelina, visando a Copa Africana de Nações no início do próximo ano. O atacante permanece como um nome regular nas convocações, inclusive entre os titulares. Esteve presente na última Data Fifa.

Em seu site oficial, o Coritiba publicou até mesmo a primeira declaração de Slimani: “Com essas cores fiz história, o verde e branco faz parte da minha vida. Curitiba é uma cidade onde fui muito feliz, fiz um gol na Copa do Mundo. Na Turquia fala-se muito do Coritiba devido à idolatria que o Alex possui em ambos os países, soube da história do clube, das conquistas e da tradição. Agradeço a confiança do CEO Carlos Amodeo e do Head Artur Moraes, junto com essa grande torcida quero fazer história no Coxa”.

Uma carreira de altos e baixos por clubes

(AP Photo/Steven Governo)

A característica de jogo de Slimani não depende necessariamente de sua idade. O centroavante sempre se marcou por ser um jogador com presença de área e um fortíssimo jogo aéreo. Poderá continuar se destacando nesse sentido no Couto Pereira. Obviamente, há um impacto dos 35 anos em seu rendimento e ele deixou de figurar nas ligas mais prestigiadas da Europa. Mesmo assim, terminou a temporada com ótimos números no Campeonato Belga pelo Anderlecht e continua rendendo bem com a seleção da Argélia.

A história de Slimani é bastante interessante. O jovem não chegou a passar por categorias de base de grandes clubes e estourou quando estava na quarta divisão do Campeonato Argelino, pelo JSM Chéraga. Seus gols chamaram atenção do Belouizdad, uma das forças da primeira divisão local, que o contratou. O garoto correspondeu à confiança e em pouco tempo chegou à seleção da Argélia. As chances com as Raposas do Deserto deram uma visibilidade ainda maior e abriram as portas na Europa. O Sporting o contratou por €300 mil em 2013/14. Um investimento que se multiplicou por 100 em apenas três anos.

Quando desembarcou em Portugal, Slimani era visto como um jogador que precisava se aprimorar. Não era exatamente técnico e tinha dificuldades com fundamentos, reflexo de sua própria história fora das categorias de base. Entretanto, sabia fazer gols. E, com o Sporting, o artilheiro viveu o melhor momento de sua carreira por clubes. Slimani fez boas temporadas no Estádio José Alvalade, aos poucos conquistando seu espaço entre os titulares. Vindo do banco, o africano conseguiu anotar gols importantes, sobretudo contra Porto e Benfica. Já teria grande influência na conquista da Taça de Portugal em 2014/15. E seu ápice aconteceu em 2015/16, sob as ordens de Jorge Jesus, com direito a 27 gols pelo Campeonato Português.

Slimani se transformou no reforço mais caro da história do Leicester em 2016/17, comprado por €31 milhões. Era um negócio de peso para a equipe que acabara de conquistar a Premier League, como potencial companheiro de Jamie Vardy e ainda um compatriota a Riyad Mahrez. Entretanto, o rendimento do argelino no King Power foi baixo. Anotou apenas sete gols na Premier League e um na Champions, atrapalhado pelas lesões. As Raposas não fariam muita questão de segurar Slimani e passaram a emprestá-lo sucessivamente a partir de 2018. O artilheiro se tornou um andarilho da bola. Defendeu Newcastle e Fenerbahçe, até brilhar um pouco mais com o Monaco em 2019/20. Ao final de seu contrato com o Leicester, assinou com o Lyon para a temporada 2020/21.

Desde então, Slimani não teve grande continuidade por clubes. O centroavante era um mero reserva do Lyon. Acabou assinando com o Sporting em janeiro de 2022 e nem a volta para casa recuperou seu melhor. Já na temporada passada, o veterano defendeu duas equipes diferentes. No primeiro semestre ficou no Brest e foi mal, com apenas um gol em 16 partidas pela Ligue 1. Conseguiu se sair bem melhor no Anderlecht, a partir de janeiro. Numa campanha fraca dos violetas pelo Campeonato Belga, Slimani ao menos anotou oito gols em dez partidas. E fez a diferença na Conference League, especialmente pelo gol que eliminou o Villarreal nas oitavas de final. O problema é o tempo parado, numa temporada que se encerrou em abril para seu time. Desde então, Slimani só jogou pela seleção.

Lenda da seleção da Argélia

Slimani, da Argélia (Foto: Divulgação)

Slimani é um dos jogadores mais simbólicos da história da seleção da Argélia. Sua maior distinção está no fato de ser o maior artilheiro das Raposas do Deserto em todos os tempos, com 41 gols, cinco a mais que Abdelhafid Tasfaout. Também é um jogador muito querido no contexto local, pelo empenho com a camisa alviverde e por ser uma das raras crias da liga nacional, num elenco que geralmente tem seus principais talentos entre os descendentes de argelinos que nasceram na França. Além do mais, a lista de serviços prestados por Slimani com as Raposas do Deserto é enorme.

Slimani disputou a Copa Africana de Nações em 2012, mas seu primeiro grande momento pela Argélia aconteceu na Copa do Mundo de 2014. O centroavante foi uma das lideranças na campanha mágica que as Raposas do Deserto tiveram no Brasil. O artilheiro marcou seu primeiro gol e deu uma assistência nos 4 a 2 sobre a Coreia do Sul. Depois, também balançou as redes da Rússia com uma cabeçada que valeu vaga nas oitavas de final. Slimani passou em branco contra a Alemanha, mas atormentou os adversários ao lado de outros talentos como Yacine Brahimi e Sofiane Feghouli.

Slimani não disputou outra Copa do Mundo, mas continuou como um nome constante na seleção da Argélia. Teve a chance de participar de seguidas edições da Copa Africana de Nações e conquistou o título em 2019. O centroavante era reserva naquele time, com seu único gol anotado na fase de grupos contra a Tanzânia. Também converteu seu pênalti na disputa contra a Costa do Marfim nas quartas de final. Mais recentemente, o veterano recuperou seu lugar como titular.

A Argélia não se classificou para a Copa do Mundo de 2022, mas Slimani esteve entre os destaques do time nas Eliminatórias. As Raposas do Deserto arrebentaram na fase de grupos e o veterano anotou sete gols, incluindo quatro na vitória sobre Djibuti. A classificação argelina, todavia, dependia do duelo contra Camarões na fase final. Slimani anotou o gol no triunfo por 1 a 0 na ida, mas não evitou a dramática derrota por 2 a 1 na prorrogação do reencontro. Durante os últimos meses, o atacante continuou presente nas convocações. Inclusive disputou a Data Fifa de junho, mas sem contribuir com gols.

Faro de gol é algo que não se perde. Que Slimani não seja o atacante mais refinado, há mostras recentes suficientes para acreditar que ele pode deixar seus tentos no Coritiba. A carreira do argelino é irregular para ver o copo meio vazio, enquanto a falta de uma sequência competitiva nos últimos meses também pode complicar um pouco sua chegada ao Couto Pereira. Mas não deixa de ser legal ver um herói de sua seleção, de um país totalmente fora do radar dos clubes brasileiros, pintando na Série A. No mínimo, a passagem de Slimani pelo Coxa vai ser carisma. Resta saber se ele vai resgatar a magia daqueles dias de 2014, quando seu nome se tornou bastante conhecido em Curitiba.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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