Brasileirão Série A

Pesquisa da UFPB mostra que 48% dos jogadores foram infectados com a COVID-19 no Brasileirão 2020

Estudo mapeou os casos de Covid-19 durante o Brasileirão 2020 e expôs que o nível de contágio é alto, apesar dos protocolos criados

Quatro pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba, UFPB, realizaram um estudo que mapeou os casos de Covid-19 durante o Campeonato Brasileiro 2020. Os dados revelaram que 48% dos jogadores da Série A foram infectados pela doença. A pesquisa foi realizada com 625 jogadores de 20 clubes, com idade média de 25 anos. No total, 302 atletas testaram positivo no exame RT-PCR feito pelos clubes.

Se compararmos ao nível de contágio na população geral no mesmo período, o ano de 2020, o futebol pode ser considerado uma atividade de risco. Segundo o virologista Marcelo Moreno, pesquisador do Departamento de Fisiologia e Patologia da UFPB, o estudo mostra que o risco de se contaminar com o vírus é 13 vezes maior para jogadores de futebol comparados à população geral. No período do estudo, eram 7,7 milhões de casos, ou 3,6% da população brasileira em geral, de 2011,8 milhões de pessoas.

Mesmo olhando os dados atuais, o risco ainda é muito alto. Dados divulgados pelo consórcio de veículos e imprensa nesta terça-feira, 1º de julho, mostram que o Brasil tem registados 16.547.674 casos, o que sobe a porcentagem de infectados na população geral para 7,5%. Ainda muito inferior ao índice dos jogadores no Brasileirão 2020.

“Os clubes se tornaram centros superdisseminadores, não somente entre os que convivem com suas dependências, mas também com os externos, pois os jogadores infectados circulam em seus ambientes familiares e sociais. Quantas pessoas esses atletas podem ter infectado?”, questiona o professor Marcelo Moreno.

Para ele, o futebol é uma atividade esportiva que deveria ter sido interrompida durante a pandemia pela sua maior propensão de contágio. Moreno também discorda da realização da Copa América no Brasil, como foi confirmado na segunda-feira. O Brasil surgiu como sede depois da competição ser retirada da Colômbia pelos protestos no país. Em seguida, foi a vez da Argentina deixar de ser a sede pelo agravamento da pandemia. O Brasil, também enfrentando uma pandemia que assola o país, vai sediar um torneio que nunca teve sentido ser jogado.

O estudo mostrou que o clube mais afetado, em números totais, foi o Fluminense, com 26 dos 27 jogadores infectados em algum momento do Campeonato Brasileiro. O segundo colocado no ranking foi o Athletico Paranaense, com 20 dos 21 jogadores infectados. Os dois têm um percentual de 95% de infectados. Os clubes com percentual mais baixo de infectados foram o São Paulo, com três de 30 jogadores, e o Sport, com três entre 29. Em ambos os casos, o percentual de infectados ficou em cerca de 10%.

Como há uma diferença muito grande entre os times, o pesquisador acredita que seria preciso investigar como cada clube atuou. “Será que os procedimentos de contenção, como uso de máscaras ou distanciamento coletivo, foram feitos corretamente? Será que o teste PCR foi feito no intervalo correto? Por mais medidas que tenham tomado, claramente não foram eficientes”, disse o professor da UFPB.

A análise epidemiológica do professor Marcelo Moreno contou ainda com a participação da estudante de biologia da UFPB, Marina Ribeiro, e do professor do Departamento de Virologia da UFRJ, Fernando Portela. Não foram registrados casos graves da doença entre todos os infectados, provavelmente, segundo o estudo, porque os jogadores são jovens, saudáveis e atletas, o que reduz o risco, embora não o elimine. A hipótese do estudo é que o alto contágio entre os jogadores favoreceu a disseminação do vírus fora dos times.

“Marcelo Moreno explicou ainda que é possível atribuir a incidência de casos no Brasileirão à combinação entre aglomeração nos centros de treinamento dos clubes e uma eventual vulnerabilidade imunológica à Covid-19 (e outras infecções respiratórias) que atinge atletas de alto rendimento. A prática extenuante de exercícios pode levar a uma redução nos níveis de Imunoglobulina A (IgA), proteína encontrada nas mucosas do sistema respiratório e digestivo e que protege contra infecções”, diz a reportagem divulgada pela UFPB a respeito do estudo, assinada por Milena Dantas.

Um dos motivos para a volta do futebol em julho de 2020 era a criação de diversos protocolos para que tornasse a prática mais segura. Ao que parece, isso não foi suficiente, como, aliás, é comum com esses tantos protocolos que se criaram para a volta de tantos negócios, estrangulados com o fechamento e sem apoio dos governos. Mais do que qualquer protocolo, o mais importante é que o processo de vacinação seja acelerado para reduzir o risco de doenças graves e, assim, poder retomar as atividades econômicas. Afinal, mesmo que os jogadores não tenham se tornado casos graves, como não há monitoramento extenso dos casos, não se sabe quem eles podem ter contaminado – e eventualmente, se isso levou a casos graves. Há um risco que não é medido porque o Brasil, como outros países que lidaram mal com a pandemia, não fez o mapeamento dos casos para tentar impedir o espalhamento do vírus.

Considerando que a Copa América aumenta a circulação internacional de pessoas no Brasil, a ideia de trazer o torneio ao país não parece uma boa ideia. O estudo indicou algo que vai além: o nível de contágio que aconteceu no Campeonato Brasileiro 2020 indica que ele, além de Libertadores e Sul-Americana, deveriam estar sob escrutínio e sob crítica se deveriam acontecer. No mínimo, os protocolos deveriam ser revisados e aperfeiçoados, porque os riscos ainda estão mais altos do que deveriam.

Como outras tantas outras áreas, seria preciso que CBF, Conmebol e até Fifa agissem para suportar clubes e jogadores, tal como os governos devem suportar os negócios e trabalhadores. As ações nesse sentido foram insuficientes até aqui. Diante das dificuldades em fazer isso, jogar futebol se tornou um risco necessário a tantos jogadores espalhados por estadual, Copa do Brasil e até no Brasileiro. A sobrevivência financeira dos jogadores e clubes ficou em xeque na pandemia, como dos comércios, das indústrias e de todos os negócios paralisados.

Sem o suporte governamental, como aconteceu na Inglaterra para os clubes menores, ou apoio maior de CBF e Conmebol, a volta se torna imprescindível. Mas nada disso vale para a Copa América, uma vez que a nem as federações nacionais estão em crise, muito menos as confederações como a Conmebol. Até porque não são elas que pagam os salários dos jogadores. Sendo assim, a Copa América deveria ser cancelada e o futebol jogado pelos clubes precisaria de protocolos muito mais rígidos, com fiscalização mais intensa dos seus organizadores e dos governos envolvidos, atuando em conjunto. Na América do Sul, sabemos que isso não acontece, seja pela incompetência da Conmebol, da CBF ou dos governos nacionais. Resta, então, cobrar mais cuidado em todos os envolvidos, torcer para que a vacinação aconteça o mais rápido possível para reduzir de vez os números de tragédia que continuamos a ver diariamente.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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