Paulo Junior: Torta entre o velho e o novo, Seleção Brasileira mais confunde que explica
Assinatura de Diniz, técnico finalista da Copa Libertadores, vem muito no discurso, mas ainda pouco no campo
A Seleção Brasileira fez um jogo frustrante no Uruguai porque além de perder jogando mal e sem criar chances de gol – e digamos que tomar 2 a 0 visitando um rival histórico até acontece aqui e ali e não tem nada de dramático em termos de placar –, não conseguiu contar para o torcedor, um jogo no mítico Centenário às nove da noite, o que quer da vida, nem apontando sinais para o que vislumbra de novo, nem bebendo da memória da consistência do velho, num meio do caminho insosso, vazio, que deu num justo desespero de quem se ajeitava no sofá na noite de terça-feira: como é que vai sair um gol do Brasil nesse jogo aí?
Esse trajeto ainda torto, interrompido, um hiato entre o que o time tinha de bom e o que agora se pretende melhor, se dá porque o novo treinador tenta, pela primeira vez em sua carreira e numa situação atípica e efêmera, imprimir seu jeito de jogar futebol, marcado e visível de longe, sem tempo para treinar, muito menos escolhendo os jogadores mais bem condicionados a construir esse jogo. Resultou numa exibição que é a mistura entre a pior versão do Brasil de Tite casada com uma hipótese mequetrefe de transformar a Seleção num time de Fernando Diniz.
O técnico interino não começou bem, e usemos os termos corretos, porque não existe um contrato de um ano sem Copa América nem Copa do Mundo que não possa ser tratado como o que é, provisório e tampão, interino, afinal. Diniz é um treinador que só faz sentido se for por seu jeito autoral de montar os times, contracultural até em relação ao que se pratica geralmente na elite do futebol, condição assumida por jogadores importantes da Seleção, mas a dificuldade de fazê-lo bateu à porta na primeira curva mais desafiadora.
Se Danilo está dizendo que passou uma década fazendo um jogo mais posicional na Europa, ou seja, respeitando as zonas do campo para aguardar o momento certo de receber a bola ou progredir, e se Casemiro, trocentos anos titular do Real Madrid, está nos contando que agora (agora!) a posse de bola do time passa mais por seus pés, existe uma mudança de paradigma tentando ser transmitido. Não é uma ideia projetada, não é que foi vendida uma revolução, não é que as pessoas se empolgam com Fernando Diniz ou não reconhecem o valor de Tite. Tem uma mudança. Tem alguém chegando para gente que disputa a Champions League há várias temporadas e sugerindo que eles joguem bola de um jeito diferente.
Acontece que a assinatura do técnico finalista da Copa Libertadores vem muito no discurso, mas ainda pouco no campo. Não há a imersão na rotina dos jogadores, algo que foi muito falado quando de sua contratação, mas que ele, em seu direito, minimizou. Os atletas que trabalham com Diniz em clubes são praticamente unânimes em ressaltar como o treinador lhes encorajou a ficar com a bola, construir sem medo, errar e tentar de novo, recuperar fagulhas inerentes ao início da carreira, achar combinações, se procurar no campo e reviver a intenção primeira do futebol que é cuidar bem da posse, jogar, criar, arriscar. Na Seleção, enraizada em outros parâmetros e com as mesmas cobras criadas de dois ciclos de Copa do Mundo, não houve ainda a mesma aderência.
Ocorre também que há uma transição geracional que pode ser mais complicada do que parecia. Havia uma expectativa de ver Vinicius Junior e Rodrygo desabrochando neste par de jogos de outubro, mas eles ainda não saíram do papel de coadjuvantes diante de uma centralidade em Neymar, um tanto porque a presença do camisa 10 ocupa muito espaço técnico e mental no campo de jogo da Seleção (e talvez nunca veremos um Neymar menos dono do time), outro pedaço porque os jovens atacantes do Real Madrid, lembremos, ainda estão no comecinho de sua carreira como titulares da amarelinha. Vini, protagonista na Espanha, chegou ao Catar ainda disputando a posição no onze.
A ver também como se dará o tratamento a outros trintões como Danilo, que terá 35 anos no Mundial dos Estados Unidos, e principalmente Casemiro, que terá 34. O volante, titular absoluto da Seleção desde a metade do caminho para a Rússia, é quem mais sentiu a diferença do jogo que se busca a partir de agora (Bruno Guimarães também não conseguiu sair do modo Premier League, diga-se), ao mesmo tempo que Diniz foi tímido em promover mais espaço para André ou mesmo abrir um chamado para Danilo, João Gomes e outras novidades no setor. Esse respeito à hierarquia se cruza com o que se deseja no campo. Para dar moral a Vitor Roque será preciso tirar um pouco a camisa de Richarlison, por exemplo. Faz parte do tempo.
Agora, é preciso também dizer que o dilema de Diniz – montar seu time treinando pouco, mediar as referências do vestiário e dar uma resposta rápida à expectativa e ao contrato pequeno – é na verdade um meio dilema, porque ele já fez mais da metade dos jogos competitivos que seu vínculo mínimo permite. Terá mais duas partidas de eliminatórias, em novembro, uns amistosos ano que vem e, em tese, como promete a CBF, passará o chapéu para Ancelotti. Pode chegar o italiano, Marquinhos voar, Casemiro virar Falcão, Richarlison acertar outro voleio e pronto, o foguete do Dinizismo, meio mambembe, terá sido só uma anedota de intertemporada. É estranho porque por todos lados que se olha haverá uma falta, seja de tempo, seja de projeto, seja, desde a pobreza mostrada no Centenário, de firmar esse novo como suficiente para um futuro.
O jogo no Uruguai, como canta Tom Zé, está explicando mais para confundir. Não está claro se a espinha desse grupo de jogadores dará conta de mudar o jeito do time, se Diniz vai optar por bancar um pouco mais sua marca, se deveria dar um passo atrás para primeiro pensar em apenas competir melhor contra a Argentina daqui um mês. No fim das contas os bons sinais contra a frágil Bolívia, quando o talento na frente mais uma defesa adversária acessível deram conta de mostrar que poderia haver um caminho, não foram confirmados quando a exigência subiu um fiapo com Peru e Venezuela, um pouquinho mais com o Uruguai.
Diniz ainda não tirou muito dos velhos jogadores, tampouco viu os novos darem um jeito para vencer os jogos, e tem essa confusão para suprir a demanda de agora entre responder diante de Messi e companhia, mas também seguir pavimentando a sua convicção. A verve típica de Galvão Bueno é uma hipérbole risível – não, não é pior time visto em 50 anos por mal finalizar num clássico truncado em Montevidéu –, mas a frustração faz parte diante de um técnico que está ali porque nos faz projetar mais que a média. A média tem sido perder para o primeiro europeu que se topa no mata-mata mundialista, e é pouco, muito pouco.