Brasileirão Série A

Palmeiras: como relação entre Leila e Mancha ruiu, do Carnaval à medida protetiva

Presidente do Palmeiras era nome de consenso na torcida e hoje é protegida da Justiça contra dirigentes da agremiação

Era outubro de 2019. A cena pode ser vista em vídeos espalhados pela internet. Feliz e sorridente, Paulo Serdan, conselheiro do Palmeiras, presidente de honra da escola de samba Mancha Verde e da torcida organizada Mancha Alviverde, de microfone em punho, olha para a plateia na quadra da torcida e dispara:

“Rapaziada, de verdade, eu só estou no Conselho do Palmeiras ainda por causa dela. Porque, se não, já teria abandonado aquele nojo lá. A única esperança do Palmeiras mudar é essa mulher presidente do Palmeiras. Se isso não acontecer, vocês esquecem. Nós vamos continuar naquela p…, eles roubando o Palmeiras, a gente não tendo respeito como torcedor”, discursou Serdan.

Naquele dia, o dirigente da organizada estava inaugurando a quadra poliesportiva da sede da agremiação, batizada com o nome da mulher citada por ele no discurso, a hoje presidente do Palmeiras, Leila Pereira. A quadra de futebol society, anexa à quadra Leila, também era inaugurada naquele dia, batizada como José Roberto Lamacchia, o marido de Leila e grande apoiador de sua entrada na política alviverde.  

Corta para 13 de setembro de 2023. Jorge Luis Sampaio Santos, presidente da Mancha, além de Thiago Mello e Felipe de Mattos, dirigentes da torcida, estão proibidos de chegar a até 300 metros do local de trabalho de Leila, bem como de se aproximar de sua residência e da sede da Crefisa, devido a uma medida protetiva

Em nota oficial, a Mancha afirma não ter recebido a notificação e estranhou o fato de a imprensa ter acessado a sentença antes de pessoas envolvidas na questão.

O mandado emitido pelo Justiça de São Paulo, pode inviabilizar, por exemplo, que Jorge, Thiago e Felipe compareçam aos jogos do Palmeiras, se a Justiça entender que o camarote da presidência, que fica a menos de 100 metros do local onde a torcida se concentra no Allianz Parque, pode ser considerado como local de trabalho de Leila. 

“Como a gente não recebeu a notificação da Justiça, se isso for verdade, a gente vai ver o que cabe ou o que não cabe. As reportagens falam em local de trabalho e a residência dela. Precisa ver se o Palmeiras caracteriza o trabalho dela”, disse à Trivela, Jorge Luis, o presidente da Mancha.

A medida, ainda que careça de compreensão e notificação oficial, coloca mais uma pedra sobre uma relação que nasceu por interesses políticos, se manteve por interesses econômicos e esportivos mas que ruiu diante de um impasse clubístico quase ideológico, iniciado por conta de uma posição dura de Leila em defender um colaborador seu de longa data e total confiança. 

Leila foi até a Mancha Verde em 2017

Serdan conta para quem quiser ouvir: foi Leila quem o procurou. Levada a ele pelo ex-presidente Arnaldo Tirone, ela quis comunicar a Paulo que tinha pretensões políticas no Palmeiras. O passo foi estratégico: a Mancha era rompida com ex-presidente Paulo Nobre, grande rival político de Leila  e única pessoa com força política para rivalizar com ela em um possível pleito político. 

Segundo Serdan contou ao R7, Leila disse que sonhava grande, que queria montar grandes equipes para o clube. E ali, nasceu uma relação de proximidade entre a Mancha e a então patrocinadora do clube.  

Naquele primeiro ano, Leila doou, via renúncia fiscal (Lei Rouanet) R$ 250 mil para o Carnaval da escola. Em 2018, triplicou o valor, que chegou a R$ 750 mil Em 2019, R$ 1,9 milhão, quando veio o primeiro título da escola no Carnaval paulistano. E, em 2020, ano do último aporte, R$ 3,7 milhões. A Mancha voltaria a ganhar o torneio em 2022, já sem apoio da dirigente.   

 

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O fator Olivério Júnior 

Leila foi eleita presidente em novembro de 2021, após uma campanha que teve apoio explícito da Mancha e de seu antecessor Mauricio Galiotte. Um dos vices de Leila, inclusive, Tarso Gouveia, é ligado à torcida há muito tempo. Mas pouco depois de Leila tomar posse, em janeiro de 2022, começaram os atritos. 

A Mancha cobrou Leila pelo fato de o jornalista Olivério Júnior, assessor de imprensa pessoal de Leila havia sete anos, ter se tornado coordenador de comunicação do Palmeiras. 

Na época, em manifestos publicados nas redes sociais, a Mancha explicou que o fato de Olivério ser assumidamente corintiano não era problema. Mas que não tolerava o fato de o profissional também já ter trabalhado e ser amigo íntimo de Andrés Sanchez, ex-presidente e membro do grupo que administra o Corinthians desde 2007.   

Leila não tolerou a cobrança da Mancha e chamou Serdan e o presidente Jorge Luis para romper relações com a organizada e encerrar o patrocínio. Leila se sentiu traída. A Mancha então devolveu os R$ 200 mil que Leila havia dado para ajudar a torcida a ir para os Emirados Árabes e acompanhar o time no Mundial de Clubes, em fevereiro. E ali acabou a relação entre as partes. 

Olivério Júnior, por sua vez, deixou a coordenação de comunicação do Palmeiras no fim de fevereiro para tocar projetos pessoais – além de seguir trabalhando com Leila no âmbito pessoal.   

Uma onda de protestos 

A partir da ruptura, a Mancha passou a pegar pesado com Leila. Em fevereiro de 2022, houve faixas na porta do estádio contra ela. Em junho, as faixas na  frente do estádio questionavam os valores dos ingressos: “Presidente, cumpra suas promessas!!! Abaixo a elitização”.

Mas, como o próprio Serdan reconhece, o time estava indo bem, chegou à semifinal da Libertadores e caminhava firme para ganhar o Brasileiro. Não havia clima ou motivo para protestar mais.  

No início deste ano, os protestos voltaram, nascidos da inoperância da diretoria para contratar reforços para o time. 

Em janeiro, os muros do clube, na Rua Palestra Itália, receberam os dizeres: “Queremos jogadores. Diretoria fraca. Acorda blogueirinha”. Blogueirinha, aliás, é um apelido pejorativo dado a Leila por sua presença nas redes sociais. 

Vez ou outra, a Mancha voltava à carga contra Leila. Em junho, veio o ápice: uma caravana se dirigiu à sede da Crefisa, empresa presidida pela dirigente, para protestar pela ausência de reforços. Enquanto o protesto era transmitido ao vivo pelo Instagram, ameaças de morte e outros tipos de violências verbais eram dirigidos a ela. E foi esse evento que motivou a medida protetiva concedida nesta quarta-feira (13).  

No começo de julho, após a eliminação do Palmeiras na Copa do Brasil diante do São Paulo, os muros do clube novamente amanheceram pichados. Entre os muitos xingamentos a Leila e ao diretor Anderson Barros, estava a frase “Leila estelionatária”. 

E em 29 de julho, antes de Palmeiras x Fortaleza, o protesto foi novamente na frente da sede social do clube, pedindo reforços e ironizando a aquisição de um avião pela mandatária para uso do time. Como complemento, a organizada comprou a exibição de uma manifestação contra Leila no telão da Times Square, em Nova York

Foram os últimos atos públicos de uma briga que pode até se arrefecer por conta da medida protetiva, mas que não vai acabar. 

E isso tudo com o time em segundo no Campeonato Brasileiro e na semifinal da Libertadores.

Foto de Diego Iwata Lima

Diego Iwata LimaSetorista

Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, Diego cursou também psicologia, além de extensões em cinema, economia e marketing. Iniciou sua carreira na Gazeta Mercantil, em 2000, depois passou a comandar parte do departamento de comunicação da Warner Bros, no Brasil, em 2003. Passou por Diário de S. Paulo, Folha de S. Paulo, ESPN, UOL e agências de comunicação. Cobriu as Copas de 2010, 2014 e 2018, além do Super Bowl 50. Está na Trivela desde 2023.
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