Brasileirão Série A

Os 50 anos do Galo campeão brasileiro em 1971: Um time solidário e imponente sob as ordens de Telê

Com a estrela de Dadá Maravilha, mas também a qualidade de um time coletivamente muito forte, o Galo estabeleceu um marco nos primórdios do Brasileirão

Há 50 anos, em 19 de dezembro de 1971, o grito de “Galo!” ecoou mais forte no futebol brasileiro. E o Atlético Mineiro deu todos os motivos para ser respeitado como o melhor time do Brasil, ao conquistar de maneira inapelável a primeira edição do então chamado Campeonato Nacional. O Galo de Telê Santana protagonizou uma campanha excepcional: liderou grande parte do torneio, ofereceu um futebol ofensivo, derrotou equipes históricas. Já na fase decisiva, em triangular contra São Paulo e Botafogo, os atleticanos não deram margem às dúvidas. Ganharam logo os dois jogos, com o inesquecível gol de Dadá Maravilha valendo a festa da massa que invadiu o Maracanã e um carnaval sem dia para acabar nas ruas de Belo Horizonte.

Telê, que chegou um ano antes, para romper o jejum no Campeonato Mineiro, montou uma equipe solidária. O Atlético contava com um elenco muito bem servido, que suportou a maratona de jogos criada por uma virada de mesa e lesões importantes no processo, mas sem perder o senso de união para que a competição interna fosse sadia. E a qualidade abundante do Galo não significava necessariamente um time de astros. Pelo contrário, o conjunto seria uma grande virtude dos atleticanos, com um estilo de jogo moderno que via quase todos se empenharem no combate, mas sem perder a força ofensiva para atacar em massa. Uma equipe de muita garra, mas sem descambar para a violência, com a incrível marca de sequer ter recebido um cartão, amarelo ou vermelho, ao longo de todo o torneio.

Dario, artilheiro com 15 gols e autor do tento que valeu o título, termina lembrado como o grande protagonista daquele sucesso. O time muitas vezes jogava em função de seu matador. Mas o Atlético tinha outros tantos ídolos que merecem ser exaltados. A liderança de Oldair, a explosão de Humberto Ramos, a firmeza de Vantuir, a intensidade de Wanderley, a fortaleza de Humberto Monteiro, os milagres de Renato, a qualidade de Ronaldo, a precisão de Tião, o talento de Lola, a raça de Grapete, a energia de Romeu, o refinamento de Normandes, a estrela de Spencer, a malícia de Beto, a juventude de Pedrilho, a polivalência de Zé Maria. E a maestria de Telê, que manteve a humildade para moldar o grupo e se firmar ali como um dos melhores treinadores do Brasil.

O Galo perfilado na decisão, com: Renato, Humberto Monteiro, Grapete, Wanderley, Vantuir e Oldair; Ronaldo, Humberto Ramos, Dario, Lola e Tião.

“Com uma campanha marcada pela regularidade e pela busca constante do gol, o Atlético chegou tranquilo ao título”, descrevia a revista Placar. “O Galo, um time forte, seguro, que sabe perfeitamente o que fazer a cada jogo, disputando o Nacional na mesma batida, do começo até o grande domingo em que se sagrou campeão do Brasil sem discussão”. Uma história que merece ser detalhada, porque representa um dos capítulos mais importantes do futebol nacional.

Os primórdios do Galo nos torneios nacionais

Um dos primeiros orgulhos do Atlético Mineiro se deu em 1937. O Galo conquistou em fevereiro daquele ano um protótipo dos campeonatos nacionais, o chamado Torneio dos Campeões. A competição reuniu quatro campeões estaduais, numa disputa simples em pontos corridos, com jogos de ida e volta. Foi quando o Galo se proclamou o “campeão dos campeões”, conforme viraria estrofe no próprio hino. A equipe somou quatro vitórias e só uma derrota na competição, que contou também com Fluminense, Portuguesa e Rio Branco. Os jogos em Belo Horizonte, aliás, renderam goleadas históricas que abriram o caminho à comemoração alvinegra.

Como uma força local, o Atlético Mineiro seguiu em evidência além de Minas Gerais nas décadas seguintes. Os anos 1950 foram bastante frutíferos ao Galo, com seis títulos estaduais e a famosa excursão pela Europa que rendeu a alcunha de “campeão do gelo”. Quando a Taça Brasil surgiu, em 1959, os atleticanos seriam exatamente os primeiros representantes de seu estado. Mas a campanha não seria tão longa assim, com a derrota para o Grêmio nas quartas de final. Num momento em que o jogo de forças em Minas mudava, o Atlético teve somente outras três aparições na Taça Brasil.

A torcida do Galo em 1971

O retorno aconteceu em 1963, quando o Galo novamente sucumbiu para o Grêmio nas quartas de final. Já em 1964, o azar seria pegar o Santos logo nas quartas. O Peixe emplacou duas goleadas e só pararia com o caneco daquele ano. E, tão amargo quanto conviver com a hegemonia do maior rival no Campeonato Mineiro a partir da segunda metade dos anos 1960, foi ver o Cruzeiro se sagrar campeão da Taça Brasil em 1966, num feito pioneiro aos times de fora do eixo Rio-SP.

O sarrafo alto em Belo Horizonte fazia o Atlético Mineiro investir no elenco, mas a afirmação não seria imediata. Curiosamente, a campanha mais expressiva na Taça Brasil aconteceu em 1967, quando o Galo se classificou como vice do Mineiro apenas porque o Cruzeiro era o atual campeão do torneio nacional. Os atleticanos deram uma prova de força notável nas oitavas de final, ao eliminarem uma estrelada equipe do Botafogo. Porém, como nas aparições anteriores, a barreira esteve nas quartas de final, quando os mineiros sucumbiram no confronto com o Náutico.

Paralelamente, o Atlético Mineiro passou sete anos em jejum no Campeonato Mineiro a partir de 1963. O Cruzeiro chegou a ser pentacampeão estadual, com quatro vices consecutivos dos alvinegros. A criação do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, em expansão do antigo Torneio Rio-São Paulo, ao menos, ajudou a mostrar como o Galo não era tão inferior assim que os conterrâneos. Os atleticanos ainda não avançaram à fase final nas duas primeiras edições do novo torneio nacional, mas tiveram pontuação igual à dos cruzeirenses em 1967 e superior em 1968. Já em 1969, o Atlético ficou a apenas um ponto de alcançar o quadrangular decisivo do Robertão e teria um grande orgulho em setembro, quando derrotou a seleção brasileira por 2 a 1, em amistoso famoso por aumentar a pressão sobre o técnico João Saldanha. Ficava claro como o Galo era um time competitivo. Faltava o passo além.

O Fio de Esperança

Ao longo da seca de títulos, o Atlético Mineiro contou com uma coleção de técnicos renomados, que não necessariamente conseguiram dar conta do recado à frente dos alvinegros. Antigos campeões com os atleticanos, como Martim Francisco e Marão, não repetiram as glórias. Nomes badalados em outros estados, como Manuel Fleitas Solich e Gradim, também ficaram devendo. Ayrton Moreira, que levou a Taça Brasil com o Cruzeiro, não durou mais do que alguns meses no Galo. Mesmo Barbatana, responsável pela base e que depois escreveria seu nome à frente do esquadrão dos anos 1970, não estava preparado em sua primeira passagem pela casamata.

A solução para o Atlético Mineiro transformar seu destino se concentraria num mineiro do interior, de Itabirito, ainda que tenha se radicado no Rio de Janeiro desde o fim da adolescência: ninguém menos que Telê Santana. Ídolo do Fluminense nos tempos de ponta direita, o Fio de Esperança construiu sua carreira como um jogador técnico e muito inteligente em sua movimentação, além de aplicado e disciplinado. Tinha predicados que pareciam intuir sua vocação como treinador, numa trajetória que se iniciou também em Laranjeiras. Foi campeão estadual no comando do time infanto-juvenil e também do juvenil, até ser efetivado nos profissionais em 1969. O caminho não seria outro além de erguer mais uma taça com os tricolores, ao faturar o Campeonato Carioca de 1969 em decisão contra o Flamengo, numa tarde que levou cerca de 200 mil torcedores ao Maracanã.

Telê Santana

Telê Santana pediria demissão do Fluminense em março de 1970, e não por conta dos resultados. Saiu porque, depois de um episódio em que jogadores chegaram bêbados à concentração depois de uma folga, sentiu que o preparador físico Antônio Clemente passou por cima de sua autoridade. Telê decidiu apenas advertir os jogadores, mas Clemente “dedurou” o treinador aos superiores. A diretoria quis manter o preparador físico e o técnico, então, preferiu deixar os tricolores. Porém, com seu talento no comando já reconhecido, ficou só um mês desempregado.

Telê tinha somente 38 anos quando foi anunciado como novo treinador do Atlético Mineiro, em abril de 1970. O comandante entraria num vestiário de ambiente conturbado, pela relação turbulenta que se construiu ao longo da passagem do autoritário Yustrich pelo Galo. Sem abandonar seu apego à disciplina, Telê estabeleceu um clima mais conciliador e aberto ao diálogo. Passou a considerar todos os jogadores acima de seus nomes e ajudou a garantir uma importante harmonia, entre titulares e reservas. Além disso, aplicaria um estilo de jogo veloz e agressivo, com liberdade para várias peças avançarem.

Telê chegou dizendo que o Galo tinha elenco para quebrar a hegemonia do Cruzeiro e não exigiu reforços, apenas pedindo à diretoria que renovasse com os jogadores em fim de contrato. E o próprio calendário ajudaria o treinador a enraizar seu trabalho, com a pausa nos campeonatos provocada pela realização da Copa do Mundo em junho. Resultado: os atleticanos começaram o Campeonato Mineiro voando e, enfim, encerrariam o jejum no estadual. O primeiro título do clube na era Mineirão, com o estádio inaugurado cinco anos antes.

Telê Santana

A campanha do Atlético no Mineiro de 1970 beirou a perfeição. O Galo somou 20 vitórias em 22 partidas, com apenas uma derrota. Um sinal positivo veio na última rodada do primeiro turno, com a vitória por 2 a 1 sobre o Cruzeiro, que indicava como a dinastia estava próxima do fim. E os alvinegros nem precisariam esperar o reencontro com os celestes, já que o título acabou faturado com três rodadas de antecipação. O prata da casa Vaguinho, grande promessa naquele momento, seria o herói no jogo do título: marcou os dois gols na vitória por 2 a 0 sobre o Atlético de Três Corações. O Galo terminaria a campanha com nove pontos à frente do Cruzeiro – de Tostão, Dirceu Lopes, Piazza e outras feras.

Ficava claro como Telê Santana tinha dado uma nova cara ao Atlético Mineiro. O treinador, todavia, mantinha a modéstia: “O sucesso do Atlético deve-se, principalmente, aos jogadores. São eles os responsáveis pelos êxitos do time. Eu simplesmente procurei orientá-los no que estava certo ou errado. O início foi difícil, mas logo conseguimos o que queríamos”. Dos 11 titulares que conquistariam o Campeonato Brasileiro pouco mais de um ano depois, dez já estavam no elenco durante o título estadual.

Quando o time começou a se formar

Telê Santana pode ter ajudado o Atlético Mineiro nesse impulso para voltar a ser campeão, mas o elenco já vinha se entrosando fazia bem mais tempo. Aquela equipe começou a ser concebida ainda em meados dos anos 1960, quando o Galo tinha acabado de ser bicampeão mineiro. E o tino do clube na formação de talentos seria um fator essencial, assim como a capacidade de potencializar muitos jogadores que estavam em clubes do interior.

A partir de 1964, as escalações do Atlético Mineiro começaram a exibir os nomes dos futuros campeões brasileiros. A começar pela defesa, onde pintava Grapete, zagueiro imponente e de muita raça que completaria 486 jogos pelo Galo em seus 11 anos de clube – o sexto jogador com mais partidas na história alvinegra. O beque iniciou sua carreira no futebol amador de Pouso Alegre e se mudaria para Belo Horizonte ainda na adolescência, aos 17 anos, para integrar os juvenis do Atlético. Dois anos depois, fazia sua estreia como profissional, a princípio como lateral esquerdo, até ser deslocado para a zaga.

Quem também disputou seu primeiro jogo em 1964 foi o atacante Ronaldo, que totalizaria 66 gols em 270 partidas pelo Atlético. Desde a infância, o garoto tinha com quem bater bola: era primo de Tostão. Até começou no Cruzeiro, mas ainda nos juvenis seria levado pelo Galo. Podendo entrar nas duas pontas ou como centroavante, era um jogador com qualidade técnica e capacidade de definição, dono de chutes precisos. Além do mais, também primava pelo senso tático aguçado e pelo talento na articulação.

Wanderley

Em 1966, seria a vez de Wanderley iniciar sua longa passagem pelo Galo. O volante deu seus primeiros passos no Atlético de Três Corações, sua cidade natal, até se mudar para Belo Horizonte aos 20 anos. Transformaria-se no segundo jogador com mais partidas na história do clube, 559 no total, com 32 gols marcados em dez anos com a camisa alvinegra. O cabeça de área servia como um pulmão para o time, dando consistência no combate e na construção. Era o responsável por proteger a defesa com seu poder de destruição e também aparecia no ataque com seus chutes de longe. Jogador de Seleção, levaria a Bola de Prata em 1971.

Um dos mais rodados do time campeão brasileiro, Tião também faria sua estreia em 1966. O carioca tinha dado seus primeiros passos no Flamengo, mas rodou por Minas Gerais. Defendeu o Cruzeiro e foi campeão estadual pelo Siderúrgica, antes de defender também o Vasco. Pelo Atlético Mineiro, o atacante marcou 32 gols em 283 partidas. O ponta esquerda, como mandava a cartilha de Telê, era um especialista nos fundamentos e tinha um cruzamento cirúrgico.

Outra prata da casa, Beto foi mais um que ganhou suas primeiras oportunidades em 1966, ainda que tenha passado um tempo maior nos juvenis. Nascido em Itajubá, o meia chegou ao Atlético para jogar no futebol de salão, até fazer sua transição para o campo. Conhecido como “Beto Bom de Bola”, em referência a uma música famosa da época, o garoto ainda ficou um tempo emprestado na Venezuela até ganhar sua vez com Telê Santana. Foram 142 jogos pelo clube, com 29 gols.

E, naquele período, da base também foi promovido Lacy, meia-atacante que teria 226 aparições pelo Atlético, com 61 gols. Belorizontino, o garoto começou no futebol de várzea e de lá ganharia uma oportunidade para se juntar ao Galo. Tinha 18 anos quando fez sua estreia e desde cedo era apontado como um dos melhores armadores do Campeonato Mineiro. Era rápido e driblador, mas também um garçom de primeira. Só que os problemas no joelho prejudicaram enormemente a carreira, a ponto de não jogar o Brasileiro em 1971 por estar no departamento médico.

Humberto Monteiro

Já em 1967, a lateral direita ganhou Humberto Monteiro, capixaba de 20 anos que tinha acabado de ser bicampeão estadual pela Desportiva. Em cinco anos com a camisa atleticana, acumulou 219 partidas e três gols. Dono de uma capacidade física impressionante, também era muito bom no apoio e escapava constantemente para o ataque. Não à toa, se firmou como uma das principais armas ofensivas do time. Ganhou a Bola de Prata de sua posição em 1971, repetindo o feito registrado já em 1970.

E a base ainda revelaria em 1967 o ponta-de-lança Lola. Mineiro de Iguatama, chegou ao Atlético nos juvenis e fez sua estreia aos 17 anos. Jogou 196 partidas pelo clube, com 51 gols assinalados. Badalado desde as inferiores, onde se consagrou como artilheiro mesmo atuando um pouco mais recuado, o camisa 7 era considerado um fora de série daquele Galo campeão brasileiro. O atacante tinha muita habilidade e técnica refinada, embora as muitas lesões tenham limitado sua carreira em alto nível.

O Peito de Aço

Um momento fundamental na montagem do Atlético Mineiro se daria em 1968. Seria o ano da chegada do goleador daquele time: Dario José dos Santos, jovem que despontava no pequeno Campo Grande, do Rio de Janeiro. Nascido em Marechal Hermes, no Rio, o menino vinha de uma família humilde, filho de um operário com uma doméstica. Morava também com outros dois irmãos, em um casebre de um cômodo, no qual ainda dividiam espaço com ratos e baratas. O primeiro grande trauma veio aos cinco anos, quando a mãe se suicidou. O pai, sem condições de criar os três filhos, os levou para orfanatos diferentes – a antiga Febem, que na época atendia menores tanto carentes quanto infratores.

Dario cresceu em Quintino, onde se divertia roubando manga no quintal dos vizinhos. Só que, no reformatório, o garoto convivia com outros menores sem perspectivas. Muitos deles acabaram se tornando jovens marginais. O futuro artilheiro seguia pelo mesmo caminho, realizando furtos e assaltos. Isso até que, depois de roubar uma mercearia, Dario viu seu parceiro no crime morrer na hora com um tiro no pescoço. Foi quando deixou aquela vida e, com o dinheiro, comprou uma bola. Resolveu se empenhar no caminho que lhe restava, o futebol, mesmo que não fosse um primor.

Dario

Zagueiro destrambelhado na adolescência, Dario teve sua luz quando virou centroavante.  “Encontrei a posição perfeita: tinha facilidade em corridas e saltos para cabeceio, até porque me especializei nas fugas espetaculares de policiais e funcionários do reformatório”, afirmou à Placar, em junho de 1999. Só que as portas não se abriram de imediato a Dadá. Enquanto tentava ser aprovado em algum clube, serviu o exército. Estava para ser expulso por indisciplina, quando saiu da solitária para ser campeão com seu batalhão. Levado para a base do Campo Grande, ele terminaria dispensado pelos maus resultados do time. Depois, tentou a vida como operário da Light e funcionário de uma indústria de bebidas, mas não aguentou o tranco entre fincar postes no chão e carregar engradados. Foi quando insistiu ainda mais no futebol. Voltaria a bater na porta do Campo Grande.

Dario pediu uma chance também para ter o que comer. Acabou acolhido pelo técnico Gradim, que deu uma chance nos profissionais e virou um grande professor, ao ajudar o garoto a explorar melhor suas virtudes. Dadá estreou com 20 anos e estourou pouco tempo depois. Destaque no Campeonato Carioca, acabaria contratado pelo Atlético Mineiro em 1968. Diretor do Galo, Jorge Ferreira iria observar um jogador de outro clube, mas teria sido alertado por um torcedor bêbado na porta do Maracanã que “bom mesmo era o centroavante do Campo Grande”. Dadá marcou três gols contra o Madureira naquele dia, chorou ao lembrar do pai falecido recentemente e convenceu o dirigente mineiro a levá-lo.

Dario

A contratação de Dario seria selada dias depois, mas ainda levou um tempo para que o centroavante fosse realmente aproveitado pelo Atlético Mineiro. O potencial do novato não seria levado tão a sério em seus primeiros meses em Belo Horizonte. Quem realmente apostou em sua afirmação foi Yustrich. O ex-goleiro da seleção brasileira tinha comandado os atleticanos pela primeira vez no início dos anos 1950, quando deu um impulso ao time que seria pentacampeão estadual. Já seu retorno não renderia troféus, mas contribuiria na montagem do grupo. Apesar da fama de autoritário, com diversos episódios polêmicos em sua carreira, Yustrich também era um técnico que valorizava a parte técnica do jogo e o aprimoramento nos treinos. Com isso, muitos atletas evoluíram em suas mãos. O próprio Dario se consagraria, a ponto de chegar à Seleção e ser o único representante atleticano no tri mundial em 1970.

O mais notável nesse início de carreira de Dadá Maravilha era a forma como ele se talhou como um atacante goleador. O jeito estabanado de correr ou a dificuldade para dominar a bola e passá-la não seriam solucionados. Em compensação, o centroavante se especializou como um exímio cabeceador e como um tormento aos zagueiros nas jogadas de velocidade. Se conseguia botar a bola na frente, Dario era imparável, tanto por sua aceleração quanto por sua força física. Era o chamado “Peito de Aço”, por não sucumbir às trombadas. Dentro da área, não se cansava de driblar os goleiros e encher o pé para estufar as redes. Era só o começo de uma história de 211 gols em 290 partidas pelo Galo.

As peças se encaixam

Se Dario virava uma grata novidade, o Atlético Mineiro também ganhou mais casca com outros reforços trazidos ao longo de 1968. Oldair seria uma peça central nesse sentido. O futuro capitão seria o mais velho na conquista do Brasileirão e o único que tinha atuado com Telê Santana nos tempos de jogador. O paulistano defendeu o Palmeiras, antes de chegar ao Fluminense. Jogou também no Vasco e teria suas convocações à seleção brasileira, antes de ser envolvido numa troca com o Galo que levou Buglê a São Januário.

Líder nato, Oldair era uma voz ativa dentro de campo e também um exemplo de entrega. Do tipo que se fazia respeitado por Pelé, Tostão ou qualquer outro que aparecesse. Claro, também se impunha na bola. Por ter um chute potente, assumia as cobranças de falta e pênaltis da equipe, além de ser um ótimo distribuidor. Destacava-se ainda pela polivalência, de quem entrava em diferentes posições, sobretudo no meio e na lateral. E não era do tipo que abaixava a cabeça para superiores, tanto que foi escanteado por Yustrich até que o treinador saísse.

Humberto Monteiro e Oldair

Outra liderança, ainda que mais jovem, a surgir em 1968 foi Vantuir. O defensor era atleta do Acesita, antes de ser levado pelo Galo como juvenil. A aposta se pagou com 507 jogos pelo clube, quarto com mais aparições na história. Lateral de origem, acabaria transformado em zagueiro, primando pela ótima velocidade para acompanhar os atacantes e também pela firmeza nas antecipações. Possuía uma técnica acima da média para a posição. Destemido, ganhou moral com a torcida por isso. E fazia valer o reconhecimento, ao ser convocado à seleção brasileira. Também conquistou a Bola de Prata em 1971.

A zaga ainda teve a adição de Normandes, que despontou pelo Nacional e pelo Independente de Uberaba, até acertar com o Galo em 1968. O beque consolidou seu nome com 186 partidas pelo Atlético. Jogador de boas condições técnicas, que gostava de sair jogando com a cabeça erguida, era reconhecido como um agregador nos vestiários e uma figura importante nos bastidores. Seria outro a usar a braçadeira de capitão no futuro.

E, na lateral esquerda, o Atlético Mineiro alinhava o único estrangeiro daquele elenco: o uruguaio Cincunegui. Formado pelo Danubio, o defensor passou pelo Nacional de Montevidéu. Frequentava a seleção, até assinar com o Galo em 1968. Viraria um símbolo para a torcida, com 194 partidas pelo clube. A aplicação tão característica dos charruas era sempre vista em campo, mas também com uma boa capacidade técnica. Segue como um dos jogadores mais lembrados daquele período, mesmo com poucas aparições no Brasileirão de 1971.

Com tantos jogadores de qualidade à disposição, era compreensível a postura de Telê Santana ao chegar, mais focado em aproveitar o grupo do que trazer contratações. O treinador, ainda assim, acreditava que um elenco bem servido era um passo vital para buscar a competitividade em torneios longos. Por isso mesmo, se valeu um pouco mais da base naqueles anos, que vinha de títulos nas competições locais.

O Galo perfilado

Um dos garotos firmados por Telê a partir de 1970 foi Humberto Ramos, meio-campista nascido em Belo Horizonte e que se juntou ao clube no infantil. O garoto foi percebido como uma promessa desde cedo e acrescentou bastante à faixa central atleticana, por sua intensa movimentação e pela organização que conferia à equipe. E, mesmo com a pouca idade, não sentia a responsabilidade, inclusive nos jogos grandes. A personalidade auxiliou para que se destacasse em momentos decisivos, mesmo batendo de frente com Telê. Pelo clube, totalizou 110 jogos e 12 gols.

Também desta nova leva, o atacante Romeu saiu da base para jogar 267 partidas com o Galo e marcar 43 gols. Era um ponta com vocação ofensiva, que carregava muito bem a bola e rompia as linhas adversárias. Nem por isso ele deixava de cumprir funções mais táticas e de segurar mais na marcação, contando com uma condição física privilegiada para se multiplicar em campo. Por essa aplicação, se tornaria um grande pupilo de Telê, com boa leitura dos espaços e consciência.

Opção na lateral direita, Zé Maria também foi campeão com os juvenis, antes de saltar aos profissionais. Era um jogador com atribuições mais defensivas, que geralmente prendia ao lado dos zagueiros para o outro lateral sair ao ataque. Ainda podia atuar como volante e, pelo Galo, jogou em 146 partidas. Ângelo era jogador das seleções de base e servia de alternativa no meio, depois de ser promovido dos juvenis por Telê. Não entraria tanto naquele momento, mas viraria depois um símbolo do clube nos anos 1970, com 238 partidas disputadas. E os juvenis ofereceram também Pedrilho, que estourou na base para acompanhar Dario no posto de centroavante. Faria 15 gols em 77 jogos pelo clube, numa história atravancada pelas contusões. Seu posicionamento era um dos principais predicados.

O sinal de força nacional

Por conta da Copa do Mundo, as competições se encadearam em 1970. O Campeonato Mineiro terminou em setembro, mês em que também começou o Robertão. A competição gerava grandes expectativas, pela forma como os representantes da Seleção tricampeã do mundo se enfrentariam. Nada menos que nove clubes contavam com pelo menos um atleta que esteve no México. O Galo não era o mais cotado, mas tinha o seu destaque, com Dario reserva na Copa depois de todo o imbróglio que envolveu sua convocação, em meio às cobranças públicas feitas pelo General Médici.

Para tentar elevar seu nível no Robertão, o Atlético Mineiro até conseguiu um reforço para o início da competição nacional. Careca tinha sido o goleiro titular no título mineiro, mas a diretoria buscou Renato, que tinha se destacado na meta do Uberlândia. E a primeira impressão deixada pelo arqueiro, revelado pelo Flamengo, foi a melhor possível: fechou o gol no empate contra o Cruzeiro, que encerrou a campanha no estadual. Arrojado e capaz de segurar bolas difíceis, às vezes exagerava e se tornava espalhafatoso. Mas garantia resultados, o que valeu seu moral para pintar depois na Seleção.

O goleiro Renato

O Atlético Mineiro fez uma campanha respeitável desde as primeiras rodadas do Robertão. Numa competição que se dividia em duas chaves, nas quais apenas os dois primeiros colocados avançavam ao quadrangular final, o Galo prevaleceu no Grupo A. Seria o segundo colocado, atrás apenas do Palmeiras. Em compensação, conseguiu desbancar potências como Botafogo, Grêmio, Santos e São Paulo. Pela primeira vez, os atleticanos figurariam na fase decisiva da competição nacional.

O páreo do Atlético Mineiro era duríssimo: além do Palmeiras, também tinham avançado Fluminense e Cruzeiro, outros dois times recheados de jogadores tricampeões do mundo. Ainda não seria daquela vez que o time de Telê Santana se mostraria preparado para ficar com a Taça de Prata. Na estreia do quadrangular, deu para buscar o empate por 1 a 1 contra o Cruzeiro diante de 85 mil no Mineirão. O maior problema viria na segunda rodada, quando o Galo visitou o Palmeiras no Pacaembu e perdeu por 3 a 0.

Dario

Como o Fluminense tinha vencido os dois jogos anteriores, os atleticanos foram para a rodada final sem mais chances de título. Coube ao Tricolor o empate por 1 a 1, suficiente para que confirmasse a taça. Ironia do destino, Telê presenciaria a comemoração do clube em que era ídolo, com um elenco que tinha em suas mãos até meses antes. Paulo Amaral acabou como o responsável por aquela conquista. Ao Galo, ficaria a resignação por um expressivo terceiro lugar, sua melhor colocação nos campeonatos nacionais disputados desde a criação da Taça Brasil, e que valeu pelo menos um lugar à frente do Cruzeiro na tabela final.

Individualmente, os talentos do Atlético Mineiro seriam reconhecidos, na primeira edição do prêmio Bola de Prata, oferecido pela revista Placar. Humberto Monteiro ganhou como o melhor lateral direito, sem tomar conhecimento da concorrência de Carlos Alberto Torres. Já o garoto Vaguinho, tão decisivo no Campeonato Mineiro, se mostraria ainda mais brilhante para ser escolhido como o melhor ponta direita. O goleiro Renato, o zagueiro Vantuir, o lateral esquerdo Cincunegui, o volante Wanderley, o meia-armador Oldair, o ponta-de-lança Lacy e o ponta esquerda Tião ainda ficaram no Top 5 de suas posições.

A preparação para o Brasileirão

“Queremos que tudo corra em 1971 idêntico ao que tivemos em 1970, quando o trabalho surtiu efeito. Portanto, torcendo para que tudo corra bem como correu, estou pronto para recomeçar meu trabalho no Atlético”, dizia Telê Santana, na primeira semana do novo ano, ao Jornal dos Sports. “Estamos elaborando um programa de trabalho e devemos mudar algumas coisas. Vai ser bem melhor do que foi o ano passado, já que em 1970 comecei a trabalhar em abril e pouca coisa pude fazer. Agora é diferente: vou começar desde o princípio com um plano bem estruturado e acredito que muita coisa será inovada”.

Telê Santana se prontificou a garantir que o elenco fosse preservado para 1971. E isso incluiu segurar Dario, que ficou sem contrato, embora ainda tivesse seu passe preso ao Atlético Mineiro. Surgiram rumores fortes de que o centroavante poderia voltar ao Rio de Janeiro para atuar pelo Flamengo, então dirigido por Yustrich. Todavia, a renovação do centroavante não demorou a acontecer, mantendo seu vínculo com os alvinegros.

O primeiro semestre de 1971, mesmo com a manutenção dos destaques, seria modesto ao Atlético Mineiro. Os alvinegros começaram sua temporada no Torneio do Povo, competição envolvendo os clubes de maior torcida de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os atleticanos não conquistaram uma vitória sequer, com cinco empates nas seis partidas contra Corinthians, Internacional e Flamengo. Já a partir de março, o Galo se concentrou no Campeonato Mineiro. Passaram longe do bicampeonato.

O Galo no Mineiro de 1971

Se em 1970 o Atlético sobrou no estadual, em 1971 o time esteve distante de repetir a mesma regularidade. O primeiro turno seria ruim, com muitos tropeços diante dos times do interior. E os problemas se repetiram também no segundo turno, sem que o Galo sequer chegasse com chances de título à rodada final. O último compromisso, ao menos, guardou um mínimo deleite à massa alvinegra. O adversário era o Cruzeiro, que ainda brigava pela taça com o América, com os dois times chegando ao jogo decisivo com a mesma pontuação. O Atlético, então, não perdeu a chance de atrapalhar as pretensões celestes. A equipe de Telê venceu por 1 a 0, infligiu o vice aos rivais e viu o Coelho comemorar um título invicto. Dirigentes americanos chegaram a dar terrenos na região metropolitana de Belo Horizonte para agradecer aos jogadores atleticanos.

E o desfecho do Campeonato Mineiro no fim de junho antecedia o início da preparação para o Campeonato Nacional de Clubes, que tomaria o segundo semestre do calendário. Diante do clima gerado pelo tricampeonato mundial e também dos projetos da ditadura militar se aproveitando do esporte, o futebol ganhava nova roupagem. O Robertão servia de embrião à reformulada competição, que na prática sofreu uma expansão mínima em relação à edição de 1970, mas que prometia de fato abranger o território brasileiro de maneira mais uniforme e garantir também mais jogos aos clubes.

A criação da loteria esportiva um ano antes, bem como as ideias fomentadas pela imprensa, auxiliavam a impulsionar a reformulação. “O Robertão é quase um Campeonato Nacional. O Campeonato Nacional é nossa grande solução”, escrevia a Placar, em 1970. A intenção com as mudanças era também a de ordenar o calendário, viabilizar as viagens e estabelecer critérios técnicos para a escolha das equipes – o que não necessariamente existia no Robertão, mas também não ficava tão claro no início do Brasileirão. E, através desse novo passo, o futebol ainda se encaixava no projeto desenvolvimentista da ditadura, com o trânsito das equipes (custeado pelo poder público) aumentando a propaganda quanto à integração nacional. Uma ideia que seria levada ao exagero com o inchaço do torneio nos anos seguintes.

Por conta dos amistosos da Seleção realizados em julho de 1971, a maioria dos clubes ganhou um mês de intertemporada para se preparar ao Campeonato Nacional. O Atlético Mineiro foi um dos únicos que realmente se dedicou no período. Optou por fazer 15 dias de treinamentos em Poços de Caldas, onde Telê Santana pôde realizar acertos no time e intensificou a preparação física. A base titular carregava um entrosamento de longo tempo, enquanto a garotada da base dava uma profundidade importante ao elenco. Entretanto, o Galo precisaria lidar com uma perda significativa antes do campeonato, com a venda do ponta Vaguinho.

Telê Santana

Um dos principais jogadores do time em 1970, Vaguinho ganhou projeção nacional quando foi o único jogador atleticano convocado por Zagallo para os amistosos de julho de 1971. O atacante faria sua estreia com a amarelinha aos 21 anos e a badalação levou o Corinthians a fazer uma proposta por sua contratação que a diretoria do Galo não recusou. A venda acabou servindo para que os mineiros cobrissem as perdas financeiras causadas pelo estadual e entrassem no Brasileirão sem atrasos de salários. O presidente Nélson Campos, além disso, garantia que ninguém mais seria negociado – apesar de propostas por Humberto Monteiro e Grapete naquele momento.

Se de um lado Vaguinho saía, o Atlético Mineiro se mexeu para garantir os últimos reforços para o início do Brasileirão. Salvador (jogador de Telê na base do Fluminense, trazido do Olaria) e Guará (vindo do Tupi de Juiz de Fora) dariam um pouco mais de profundidade ao ataque. Cafuringa, destaque do Fluminense, foi sondado e não houve acerto. A compra mais expressiva era mesmo a de Spencer Coelho, meia-armador que ganhou o passe livre após entrar em litígio com o Cruzeiro e assinou exatamente com os rivais. Seria um nome relevante para acompanhar Dario na faixa central do ataque. Intelectualizado e visto por alguns como rebelde, era conhecido por ser amigo de artistas como Caetano Veloso. Já em campo, sua característica era de pegar a bola e partir para cima dos adversários.

O adeus a Vaguinho seria selado por um amistoso contra o Corinthians, organizado quatro dias antes da abertura do Brasileiro. E o Atlético Mineiro mostrou ao Pacaembu como estava na ponta dos cascos, ao golear por 4 a 1, num momento em que os corintianos eram bem cotados entre os favoritos ao Campeonato Nacional. Aquele jogo contaria com uma senhora atuação de Dadá Maravilha, que marcou dois gols e participou de outros dois. O centroavante estava mordido, querendo mostrar serviço, porque tinha ido mal no Campeonato Mineiro (até reserva em alguns jogos) e ficou de fora da convocação à Seleção. Passaria a tratar toda a sequência de jogos do Galo como uma resposta a Zagallo, na tentativa de garantir o quanto antes seu retorno à Canarinho.

Dario

Aquele jogo ainda entraria para o folclore de Dadá. Cercado pelos repórteres na saída de campo, o irreverente Peito de Aço cunhou uma de suas frases mais célebres para descrever a volta por cima: “Não me venha com problemáticas, pois tenho solucionáticas”. Repercutiu tanto que até mesmo Carlos Drummond de Andrade escreveria uma coluna no Jornal do Brasil, para elogiar a sagacidade do artilheiro e ainda criticar a ditadura. “Dario disse mais do que disse, dizendo apenas sobre futebol. E porque não o disse com o propósito de generalizar, de emitir um alto pensamento, abrangente de questões mais complexas que as referentes à bola de couro, sua frase me parece digna de ser inscrita entre as manifestações autênticas de sabedoria”, analisou o escritor. “Atacam de problemática? Retruca de solucionática. E, com isso, ensina à gente uma atitude positiva, de bom senso e realismo”.

Telê, por sua vez, vinha com soluções simples. Tinha a equipe titular para o início do Campeonato Brasileiro bem clara em sua cabeça, sem que a perda de Vaguinho se tornasse necessariamente um problema. Ronaldo tomaria a posição na ponta direita, enquanto a escalação imaginada pelo treinador às vésperas da competição sofreria apenas alterações pontuais com o passar das semanas, não mais do que isso, pautadas pelas lesões e pelo espaço a quem vinha em melhor fase.

Mesmo que o desempenho no Campeonato Mineiro tenha decepcionado e que existissem pressões pela aposta massiva na base, a confiança de Telê Santana seguia inabalável para o novo torneio. Contava com suas doses de experiência, mas não era do tipo de técnico que escalava por nome. Além disso, a vontade de jogar e a vitalidade dos garotos que subiam naquele momento empurraram o time, motivando os veteranos e auxiliando o preparo físico. Roberto Bastos, filho do lendário goleiro Kafunga, era o responsável por um treinamento físico que fazia parte da vanguarda da época.

“Temos time para disputar o título”, era a conclusão de Telê, à Placar que servia de guia ao Brasileirão. Palavras que agora parecem adquirir um tom profético.

As credenciais apresentadas no Campeonato Nacional

O Campeonato Nacional de Clubes começava com um formato parecido com o do Robertão: as 20 equipes se dividiriam em dois grupos de dez, nos os times quais jogavam entre si em turno único. Os três primeiros colocados de cada chave se classificariam à etapa seguinte. Também passariam outras duas equipes de cada grupo que tivessem gerado maior renda nas partidas, numa tentativa de tentar atrair público para viabilizar os custos da competição. Uma ideia que, em pouquíssimo tempo, sairia pela culatra.

O Atlético Mineiro iniciou sua jornada no Brasileirão em Belo Horizonte, onde enfrentou o América dentro do Mineirão. Foram 33 mil presentes nas arquibancadas, que pareciam acreditar numa possível conquista do Galo. E o time de Telê Santana já contava com uma escalação bem próxima da que culminaria na conquista. Renato ocupava o gol, com o garoto Zé Maria na lateral direita e o veterano Oldair deslocado na esquerda. Normandes e Vantuir formavam uma segura dupla de zaga. No meio, Wanderley garantia a proteção e Humberto Ramos assumia a construção. Ronaldo e Tião eram duas opções bastante técnicas nas pontas, enquanto o centro do ataque girava ao redor do talento de Lola e do oportunismo de Dario.

O Galo na reta decisiva do Brasileiro, com: Renato, Humberto Monteiro, Grapete, Wanderley, Vantuir e Oldair; Ronaldo, Humberto Ramos, Dario, Beto e Romeu.

Campeão estadual com um time que contava com Ayrton Moreira no comando e Jair Bala como destaque, o América-MG arrancou o empate por 1 a 1. Depois de um primeiro tempo sem gols, o Atlético deu mostras de sua força com uma jogada bem característica para abrir o placar: Tião cruzou da esquerda e Dadá pairou no ar para cabecear feito beija-flor. O empate do Coelho também viria por cima, numa cabeçada de Dirceu Alves. Apesar do domínio atleticano em parte do segundo tempo, a vitória escapou.

Na segunda rodada, o Atlético pegava um embalado Grêmio, que vinha de vitórias fora de casa contra São Paulo e America-RJ. Dirigido por Otto Glória, o Tricolor tinha Everaldo voando baixo na lateral esquerda e confiava nos contra-ataques rumo ao artilheiro Scotta. Já no Galo, as novidades eram duas: Cincunegui voltava de suspensão para substituir Oldair, com dores, na lateral esquerda; e Romeu entrava na ponta esquerda, com uma capacidade tática maior que a de Tião. No fim das contas, o empate por 1 a 1 no Olímpico foi visto como um ótimo resultado pelos atleticanos. Torino contou com o morrinho artilheiro para abrir o placar aos gremistas, mas Lola não demorou a garantir o empate e permitiu que seu time jogasse mais recuado.

E o Atlético permaneceu na estrada rumo à terceira rodada. Encararia um Flamengo em crise no Maracanã. O mau início dos clubes cariocas no Campeonato Nacional, aliás, resultou na primeira virada de mesa ainda no primeiro mês da competição: em reunião com o presidente da CBD, João Havelange, os representantes do Rio de Janeiro pediram para que o número de classificados à segunda fase subisse de 10 para 12, com o quarto colocado de cada chave também avançando por critérios técnicos, além de outros dois times por renda. Ideia acatada pelo cartola sem muitas cerimônias.

Fleitas Solich era o técnico de um Flamengo que via o florescer de Zico, aos 18 anos. Ainda nada que intimidasse. O Galo repetiu a escalação do jogo anterior, mas contou com uma alteração vital para conquistar a vitória por 1 a 0. Humberto Monteiro saiu do banco, no lugar de Zé Maria, e teve participação direta no gol, anotado no início do segundo tempo. O lateral fez o cruzamento e Lola estufou as redes. Jogando nos contragolpes, os atleticanos ficaram mais cômodos com a vantagem e seguraram o placar, com direito a uma defesa salvadora de Renato em cabeçada de Fio Maravilha. Resultado para revigorar a confiança.

Lola

“Quando o Flamengo caiu de produção, principalmente depois da saída de Zico, que deixou nossa defesa bastante preocupada com sua movimentação constante, senti que dava para vencer. Do fosso cansei de gritar e gesticular para a defesa ter calma. Essa vitória, a primeira no Campeonato Nacional, deu ao time a tranquilidade que até eu precisava. Provou também que o Atlético está preparado para suportar qualquer pressão adversária, pois nos últimos minutos o Flamengo foi todo à frente e ninguém perdeu a calma”, comentou Telê, ao Jornal dos Sports, mencionando a lesão que tirou Zico da partida.

A boa fase foi ratificada com os 4 a 0 sobre o Bahia de Jorge Vieira no Mineirão. Com Humberto Monteiro ganhando a posição na lateral direita, além da estreia de Spencer no lugar do lesionado Humberto Ramos no meio, o Galo não teve problemas sequer com a contusão de Cincunegui, que deu lugar a Oldair na lateral esquerda. O veterano seria justamente um dos destaques da noite. O capitão anotou o primeiro gol, cobrando falta, e também armou a jogada do segundo, em cruzamento de Spencer para Lola guardar. No segundo tempo, o Galo dobrou a conta. Dario ajeitou para Lola fazer mais um e o Peito de Aço também marcou o seu, em cruzamento de Humberto Monteiro.

A classificação antecipada do Atlético Mineiro se encaminhou na sexta partida, durante a visita ao Sport dirigido por Pinheiro. O empate por 1 a 1 na Ilha do Retiro bastou ao Galo, que tinha a volta de Humberto Ramos no meio e a confirmação de Oldair como titular na lateral esquerda. O primeiro tempo reservou um massacre atleticano, até que Wanderley batesse no ângulo para abrir o placar. Porém, o time se acomodou na segunda etapa e um gol contra de Humberto Monteiro cedeu o empate aos pernambucanos.

A situação cômoda na tabela não relaxou o Atlético Mineiro, que aumentava o bicho dos jogadores progressivamente à medida que as vitórias se acumulavam. Alguns dos resultados mais importantes na primeira fase aconteceram neste momento. A começar pela vitória por 2 a 0 sobre o São Paulo, que não vinha em bom momento, mas era bicampeão paulista e tinha uma equipe forte. Oswaldo Brandão era o treinador do time que, mesmo na ausência de Gérson, alinhava Pedro Rocha e Paraná entre seus destaques. Pesou a solidez do Galo, que mais uma vez conseguia repetir sua escalação e indicava um ótimo entrosamento.

Atlético x Botafogo

Dúvida na véspera do jogo por uma pancada no joelho, Dario teria uma atuação inspirada no Mineirão, com os dois gols da equipe. Marcou o primeiro após driblar o goleiro, pouco antes do intervalo. Já no segundo tempo, ainda que Sérgio Valentim evitasse o pior na meta do São Paulo, Dadá mais uma vez fuzilou. “Eu disse que classificaria o Atlético. Não para me vangloriar, mas porque realmente conhecia a força que tinha o time e os adversários que enfrentaria”, comentou Telê. “Esta é a melhor fase técnica e física do time nos dois anos que estou aqui. Temos jogadores para formar dois times bons e todos eles estão bastante motivados. Mas acredito que o Atlético ainda vai render mais. Apenas contra o Flamengo o rendimento foi baixo, mas por causa de diversos fatores, entre eles contusões”.

E a certeza do potencial do Atlético se viu no Mineirão, diante de 46 mil, com o triunfo por 2 a 1 sobre o Santos. O ex-zagueiro Mauro dirigia o Peixe, que teve Pelé em campo, além da escalação que incluía Cejas, Edu, Dicá, Rildo e Ramos Delgado. O primeiro gol do Galo saiu aos nove minutos, num contra-ataque fulminante que Lola ajeitou para Dario guardar. A nota triste da primeira etapa ficava pela lesão do próprio Lola, com fratura num lance sozinho, que geraria um desfalque de peso até a reta final do campeonato. Os atleticanos sentiram o baque no segundo tempo e viram Mazinho empatar. Porém, Spencer saiu bem do banco e fez a jogada para Dario novamente decidir. O Atlético agora era líder do Grupo B e Dadá ocupava a artilharia.

Neste momento, o Atlético parecia apto a tirar o pé do acelerador. Os garotos Pedrilho e Ismael ganharam uma chance na oitava rodada, quando o Galo visitou no Maracanã um embalado America-RJ, dirigido por Zizinho (grande amigo de Telê) e estrelado por Edu Coimbra. Os rubros impuseram a primeira derrota atleticana, por 2 a 0, gols do “Flecha Negra” Tarciso e de Edu. Já na (teórica) rodada final, em BH, seria a vez de pegar um Botafogo também brigando pelas cabeças. Os cariocas não tinham o lesionado Jairzinho, mas o técnico Paraguaio escalou um esquadrão com Brito, Djalma Dias, Nei Conceição, Paulo Cézar Caju e Roberto Miranda. Prevaleceu o empate por 2 a 2, num jogo repleto de chances. Dario marcou o primeiro, Roberto fez dois para virar ao Bota e Dada salvou o empate aos 43 do segundo tempo.

Depois do jogo, Dadá foi à forra sobre Brito, companheiro na Copa de 1970, mas desafeto em diferentes clubes: “Brito não aprendeu até hoje que eu não sou mais aquele jogador do Campo Grande: agora estou no Atlético Mineiro e tenho meu nome. Sinceramente, não sei o que há com Brito: não me marca em campo, só fica dizendo palavrões e me humilhando. Por isso, procuro fazer muitos gols nos times em que ele joga. Só me lembro de um jogo em que ele evitou que eu marcasse. Para me marcar, apela para meios extra-esportivos, porque na bola não consegue mesmo. Não sei como não foi expulso”. Antes do fim do campeonato, Brito pegaria uma suspensão de seis meses por acertar um soco no estômago do árbitro José Aldo, durante o clássico entre Botafogo e Vasco.

A virada de mesa

O Campeonato Nacional de 1971 já tinha sua mancha quando a CBD decidiu aumentar o número de classificados de uma hora para outra. Ainda assim, a coisa se tornaria ainda mais grave depois. Lembra do critério de renda como fator determinante à classificação? Isso causaria estrago. Primeiro, num jogo envolvendo o Vasco, que teve uma carga de ingressos comprada por comerciantes e ganhou um impulso de maneira fraudulenta. Depois, por uma situação bisonha envolvendo o Flamengo, antes do jogo contra o Santos. Os rubro-negros estavam desclassificados por pontos, mas seguiam na briga por renda. O Peixe, por sua vez, estava à frente do Fla na renda, mas ainda tinha chances de avançar no campo. Assim, uma derrota beneficiava os flamenguistas, já que os santistas somavam pontos e deixavam a vaga por renda no colo dos cariocas.

Os escândalos tiveram ampla repercussão e, mesmo que o Flamengo tenha se recusado a perder, com a vitória por 1 a 0 sobre o Santos, a CBD mudou o regulamento de novo. Criou um “segundo turno” nesta primeira fase, com todos os times do Grupo A enfrentando os do Grupo B, e vice-versa. Seriam dez rodadas a mais, que não estavam previstas de início. Ao menos, prevaleceu o bom senso de abolir a renda como critério de classificação. Passariam os seis times com mais pontos de cada chave. Isso voltaria a abrir a disputa por completo, com a classificação do Atlético Mineiro “cancelada”.

Os homens do Galo

O anúncio da mudança no regulamento aconteceu três dias antes que o Atlético Mineiro enfrentasse o Botafogo, na última rodada que deixou de ser a última. Telê Santana ainda se mantinha seguro: “Já que todos vão jogar entre si, quem estiver jogando melhor continuará ganhando. Por isso estamos tranquilos. Só faço uma crítica à mudança de regulamento: a CBD não devia ter feito isso no meio do campeonato, porque atrapalha a programação de muitos clubes. Porém, em prejuízo de quatro ou cinco clubes, ela pensou em ajudar os mais fracos e tem razão”.

A mudança de regulamento ainda tinha seu lado positivo, ao impedir que grande parte dos times ficasse parada por três meses. Somente alguns tinham programação diante da eliminação, com viagens marcadas para o exterior. “Para mim, estava sendo difícil de admitir que um time mal colocado por pontos participasse do turno final e chegasse ao título classificado por rendas. Futebol, como esporte, tem que ser disputado no campo”, concluiu Telê.

Já o capitão Oldair comentava: “Só nos resta cumprir a tabela, porque os homens se reúnem lá em cima, fundem a cuca e não nos resta outra saída. Afinal, eles fazem tudo para não complicar o lado de ninguém, mas sempre existe um clube que sai prejudicado. O Atlético vai enfrentar a tabela com a mesma convicção do turno”.

Dario

O segundo turno do Campeonato Nacional começou positivo ao Atlético, que derrotou o Ceará por 2 a 0 no Presidente Vargas. O Vozão, dirigido por Gérson dos Santos, vinha mal e não segurou a boa fase do Galo. Dario continuava impossível e marcou o primeiro gol numa grande arrancada, antes de sofrer o pênalti convertido por Oldair para fechar a conta. O Peito de Aço ganhava a companhia fixa de Spencer no centro do ataque naquele momento. Já outra novidade apareceu na zaga, onde Normandes sofreu uma fratura no pé e daria lugar a Grapete até o fim da campanha.

Uma das reclamações do Atlético com o segundo turno do Brasileiro era a tabela repleta de viagens. O Galo fez outro jogo fora na sequência, ao se reencontrar com o Corinthians em São Paulo. Sob as ordens de Baltazar, os alvinegros não tiveram Rivellino naquele jogo, mas Vaguinho esteve presente. Só que nenhuma das equipes conseguiu reverter o 0 a 0 no Parque Antárctica. Méritos de Baldochi, reforço recente dos corintianos que marcou duro Dario e não deixou o artilheiro produzir seus gols. O resultado botava os atleticanos na primeira colocação do Grupo B.

Neste momento, o Atlético atravessou sua sequência mais instável no campeonato. Voltou ao Mineirão e empatou outra vez, 2 a 2 contra o Santa Cruz, que tinha Givanildo e Ramón num time respeitável dirigido por Duque. Romeu e Humberto Ramos abriram dois gols para o Galo no primeiro tempo, mas Eberval e Grapete (contra) permitiram a reação dos corais na segunda etapa. Como se não bastasse, o Atlético sofreria uma derrota para o Coritiba logo depois, em tempos nos quais os paranaenses iniciavam um período de domínio no estadual. Dirigido por Tim, o Coxa vinha aprontando com um time que reunia Tião Abatiá e Paquito na frente. Anotou 1 a 0 nos atleticanos, gol de Paquito no Alto da Glória.

O goleiro Renato

Em meio à série de tropeços, o Galo encarou o clássico contra o Cruzeiro no Mineirão. Os rivais, treinados por Orlando Fantoni, desfrutavam de uma grande fase de Dirceu Lopes. E o time forte ainda elencava Perfumo, Piazza, Zé Carlos e Tostão. Diante de 74 mil pagantes, o clássico ficou no 1 a 1. João Ribeiro botou os cruzeirenses na frente, mas Oldair buscou o prejuízo em cobrança de pênalti. Além do desacerto e do desgaste do Atlético neste momento, também havia méritos nos adversários pela maneira como se portavam na defesa. Passaram a anular especialmente Dario, com linhas mais recuadas para evitar os contra-ataques e marcação cerrada. Algo que levantava outras queixas do artilheiro.

“Estou há quatro partidas sem marcar justamente pela violência dos zagueiros adversários. Quando acabo uma partida, mal posso sentar ou deitar, pois fico com pernas, coxas, braços e tórax doloridos de tanto apanhar. O pior é que os juízes veem nisso uma simples falta e nem chamam a atenção dos zagueiros. Muitas vezes a falta foi um pênalti e tudo se passa como se nada houvesse. Parece que a sina do homem-gol é mesmo apanhar”, diria Dadá, ao Jornal do Brasil.

E o Atlético chegaria ao quinto jogo sem vencer na visita ao Fluminense no Maracanã. O Flu agora era dirigido por Zagallo, mas preservava muitos dos campeões do Robertão de 1970, como Marco Antônio, Denilson, Cafuringa e Mickey. Só que os cariocas não faziam uma boa campanha, na rabeira de seu grupo. Telê Santana passou a realizar algumas alterações sobretudo do meio para frente, para ver se acertava o Atlético, o que não surtiu muito efeito. Ficavam ainda expostas as rusgas de Humberto Ramos, que discutiu com Telê após ser sacado no jogo anterior e nem viajou para o Rio de Janeiro. O Tricolor aproveitou a instabilidade dos atleticanos para ganhar por 2 a 0, gols de Marco Antônio e Ivair.

A nova guinada

Mesmo com o jejum de vitórias e as cobranças recentes, o Atlético Mineiro ainda preservava a vice-liderança do Grupo B. De qualquer maneira, a recuperação parecia urgente. “Está tudo colocado numa questão de honra. O Atlético foi muito bem no primeiro turno e não pode cair agora”, dizia Telê Santana.

O ponto de virada aconteceu a quatro rodadas do fim do segundo turno, quando o Galo visitou uma Portuguesa sem mais chances de classificação. Rubens Minelli dizia que sua equipe tentaria atrapalhar no Mineirão, mas passaria longe disso com a goleada por 5 a 1, que reabilitou os atleticanos. Foram dois gols antes dos 20 minutos, com Ronaldo e Dario. Já no segundo tempo, Romeu foi o destaque com dois gols e Spencer também deixou o seu, enquanto Luisinho descontou para a Lusa.

Com a classificação de novo alinhada, o Atlético aproveitou outro jogo dentro do Mineirão e também derrotou o Internacional por 3 a 1. Dino Sani dirigia os colorados naquela campanha, num time que reunia ídolos como Carpegiani e Valdomiro. Telê Santana repetiu a escalação do Galo, com Spencer acompanhando Wanderley no meio e Pedrilho ao lado de Dario no ataque. Durante o segundo tempo, o comandante também voltava a dar lugar a Cincunegui, que teve problemas de indisciplina pouco antes. Imparável, Dario abriu a contagem no primeiro tempo após um passe de Ronaldo. Já na segunda etapa, Valdomiro assustou com o empate, mas Pedrilho marcou o segundo e Dario ainda faria mais um para fechar a conta.

A torcida do Galo

Nas duas últimas rodadas, o Atlético dependia apenas de mais um empate para assegurar a classificação. Faria o simples, num 0 a 0 contra o Vasco dirigido por Admildo Chirol, em jogo que se prometia quente por conta das provocações prévias entre os atacantes Dario e Dé Aranha. Já na rodada final, mais um empate por 0 a 0, agora contra o Palmeiras de Mário Travaglini que elencava boa parte de sua segunda Academia – com Leão, Luis Pereira, Dudu, Ademir, César Maluco e Leivinha. Melhor para os dois goleiros, que garantiram a igualdade.

O resultado permitiu ao Atlético Mineiro terminar na liderança do Grupo B. O Galo somou os mesmos 23 pontos do Grêmio, mas com goal average superior. Foram sete vitórias, nove empates e três derrotas nos dois turnos. Apenas o Corinthians, primeiro do Grupo A, registrou uma pontuação maior. O Galo ainda contava com o segundo melhor ataque, somando 27 gols, e tinha Dario ponteando a artilharia do Brasileirão, com 12 tentos. Era um adversário a ser respeitado na reta decisiva.

A segunda fase do Campeonato Nacional, então, serviria como uma espécie de semifinal. Os 12 classificados se dividiriam em três quadrangulares, com jogos de ida e volta. Apenas o líder de cada chave avançaria à decisão. Clubes como o Flamengo e o Fluminense ficaram pelo caminho. Ainda assim, a reta final seria recheada de times de tradição. Os atleticanos foram sorteados no Grupo B – o mesmo de Santos, Vasco e Internacional.

O quadrangular semifinal

A promessa de Telê Santana era seguir na mesma toada para a fase decisiva: “Nós continuaremos com nosso ritmo de jogo, porque não vejo razão para alterar nada. Só peço a cada um de vocês compreensão e resignação, porque a luta daqui pra frente será mais dura ainda. Tudo, porém, que for feito será no benefício de vocês, do Atlético e da nossa grande torcida”. O Atlético, contudo, tinha que lidar com problemas. O rompimento de Spencer com o Cruzeiro voltou a tramitar nos tribunais e o armador deixaria a equipe temporariamente. Humberto Ramos, apesar da indisciplina anterior, retomava seu posto no meio.

Por ter a melhor campanha, o Atlético começou o quadrangular semifinal em casa. Reencontrava-se com o Vasco no Mineirão. Mesmo na imprensa carioca, o favoritismo era dado ao Galo. No papel, ainda assim, os cruzmaltinos mereciam respeito. A equipe de Admildo Chirol tinha os desfalques de Afonsinho e Moisés, mas alinhava Andrada, Joel Santana, Alfinete, Buglê e Dé Aranha. A sensação do momento era Roberto, então chamado de “Garoto Dinamite” por estourar no ataque vascaíno. Mas não seria problema naquele jogo.

Os jogadores do Galo festejam

Empurrado por 29 mil no Mineirão, o Atlético resolveu o jogo logo cedo e construiu a vitória por 2 a 1. Numa sobra de Andrada, Ronaldo marcou o primeiro gol aos dez minutos. Cinco minutos depois, Humberto Ramos justificou seu retorno ao time e encobriu Andrada para marcar o segundo. O domínio do Galo era completo, mas o Vasco melhorou no segundo tempo, com a entrada de Fernando Ferretti no lugar de Dinamite. O substituto acertou bola na trave e descontou de cabeça, o que deixou o jogo aberto no final. Todavia, Dario ainda carimbou o travessão antes do apito derradeiro.

O nível de desafio aumentava na segunda rodada, com o reencontro diante do Santos no Pacaembu. Telê repetia a escalação do Galo, enquanto Mauro se virava no Peixe sem Clodoaldo e Carlos Alberto. Pelé estava confirmado, ao lado de Davi, Mazinho e Edu na linha de ataque. O Rei, obviamente, era a maior preocupação dos atleticanos. “Vou parar o negão. O Telê quer que eu marque ele, então não quero ter outra participação senão evitar que ele se mexa em campo. Muita gente já me perguntou se não dá tremedeira marcar o Rei. Em mim, não. Eu vou firme nele e, se levo uma fria, volto e vou em cima de novo. Ser driblado por jogador mais ou menos às vezes é desagradável, mas por Pelé, o maior jogador do mundo, nunca. Tenho mais disposição ainda e é por isso que eu acho que amanhã ele não vai andar, porque eu vou perturbar ele”, diria o zagueiro Vantuir, ao Jornal dos Sports.

O Atlético, entretanto, não conseguiria segurar um Santos “jogando como nos bons tempos” (como afirmaria o Jornal dos Sports) e veria Pelé comandar a virada por 2 a 1, que garantiu a liderança do grupo. Os santistas tiveram o domínio já no primeiro tempo, mas o Galo se deu bem em apostar nos contragolpes, com Pedrilho parando na trave. Logo na volta ao segundo tempo, o gol atleticano surgiu numa jogada de Romeu que Ronaldo marcou. A resposta dos paulistas viria a partir da entrada de Nenê, que deu novo gás ao time. Mazinho arrancou o empate e, a partir de uma jogadaça de Pelé, que deixou a bola e saiu correndo para puxar a marcação, Nenê deu a vitória aos 43 da etapa final. “O Atlético jogou muito bem contra o Santos, mas acontece que o Santos estava com a macaca. Pelé, com uma de suas jogadas geniais, foi o principal responsável pela vitória”, analisou Telê.

Galo x Vasco

A derrota fazia o Atlético necessitar de uma resposta fora de casa, na visita ao Internacional no Beira-Rio. Os colorados tinham tomado um baile de Dinamite no jogo anterior contra o Vasco e estavam pressionados, ainda sem vitórias no Grupo B. Aquela situação favorecia o Galo, que poderia fazer seu jogo na base da velocidade e dos contra-ataques. De novo, Telê repetia a escalação. No Inter, Dino Sani tinha Claudiomiro e Valdomiro no ataque, além de Carpegiani na organização. Porém, teria lidar com a ausência de Figueroa.

O duelo no Beira-Rio ofereceria uma das maiores exibições do Atlético Mineiro no Brasileiro de 1971. Os alvinegros foram avassaladores e golearam por 4 a 1. O placar se abriu aos 18, numa falta cobrada por Oldair que Gainete rebateu e Dario conferiu no rebote. Porém, Renato também precisou evitar o empate na meta atleticana. Durante o segundo tempo, Beto entrou bem no Galo e o baile se abriu. Oldair fez o segundo de pênalti, aos seis, e Dario assinalou mais um quatro minutos depois. Ronaldo faria o quarto, enquanto só no final é que Valdomiro diminui a pancada para os colorados.

“Estamos com muito moral e o time está jogando certo. O Atlético agora, posso afirmar, é um candidato ao título, e não mais um simples participante do Campeonato Nacional, como muita gente pensava. A vitória em Porto Alegre nos deu mais ânimo ainda e agora eu acredito que ninguém mais vai conseguir parar a gente. O Atlético está caminhando para ser o campeão nacional”, afirmou o capitão Oldair, cheio de confiança, ao Jornal dos Sports.

“Esta é a melhor fase do time desde que eu assumi. O espírito de camaradagem existente entre todos, a vontade de vencer e, principalmente, uma nova mentalidade, que nos tirou aquele medo de jogar fora de Minas, são os fatores do nosso sucesso”, diria também Telê, ao Jornal do Brasil. “Os rapazes não estavam acostumados a emitirem opiniões e serem ouvidos. Alguns se achavam melhores que outros e isso trazia um certo ressentimento ao elenco. Eles tinham obrigação de vencer e não interessava a maneira como deviam conseguir. Procurei mudar tudo, mostrar que a vitória é importante e que devem fazer tudo por ela, mas que não deveriam jamais perder a linha quando derrotados. O exemplo claro do que conseguimos está aí mesmo: em 23 jogos, não tivemos ninguém expulso. E, no entanto, o time continua lutando do início ao fim”.

Dario e a torcida

A decisão do Grupo B parecia acontecer na quarta rodada, quando Atlético Mineiro e Santos se pegavam novamente, agora no Mineirão. As duas equipes dividiam a liderança com quatro pontos. Telê Santana resolveu efetivar Beto como titular e contava com Spencer novamente à disposição. Já o Santos, ainda sem Clodoaldo, teve o retorno de Carlos Alberto. Além, é claro, de Pelé no centro dos holofotes. “Vamos olhar o Santos como ele realmente é: um time forte, experiente e que tem o privilégio de contar com um jogador do quilate do Pelé. Foi só bobear no outro jogo que o Pelé colocou um companheiro na cara do gol. O negão não é mole. É bom nos prevenirmos. Não interessa se jogamos no Mineirão, vamos levar o Santos a sério”, comentou Telê, às vésperas.

O Mineirão se encheu com 46 mil torcedores, que viram mais uma vitória do Galo, agora por 2 a 0. Pelé daria trabalho e seria o melhor do Santos, mas isso não impediu o domínio atleticano, numa noite de muita dedicação e agressividade. O começo de jogo fulminante seria vital ao resultado. Oldair marcou o primeiro gol aos 16, numa pancada após cobrança de falta, e ampliou quatro minutos depois, numa cobrança de pênalti. O fim do primeiro tempo seria de pressão do Peixe, com grandes defesas de Renato e uma cabeçada de Pelé no travessão. Já na segunda etapa, com os mineiros contidos na defesa, os paulistas seguiram a blitz e viam Pelé tentar de tudo, sem conseguir sequer um gol. Depois do jogo, ao Diário da Tarde, até o Rei se rendeu: “Vi um verdadeiro campeão. Para ser campeão, é preciso de sorte e isso não lhe falta, com duas bolas na trave. Outras duas vezes, não sei como os beques salvaram o gol. Mas, como mineiro, torço para que o Atlético seja o campeão”.

Num momento em que lidava com fortes sondagens do Flamengo, Telê ainda salientaria o espírito do Galo: “Estou há dois anos no Atlético e nenhum adversário foi capaz de nos vencer em Belo Horizonte. Isso não é contar vantagem, mas um meio de mostrar a evolução da equipe que, com o apoio da torcida, joga com fibra e raça em busca de um resultado positivo. O Atlético é um time que mantém a regularidade desde o início do Campeonato Nacional. Os outros grandes favoritos, como o Corinthians, Grêmio, Botafogo e Palmeiras caíram de rendimento. Os meus jogadores sabem manter a forma física e a condição técnica, porque compreendem que dentro de pouco tempo todo o sacrifício pode se transformar em fama e lucro financeiro”.

Dario, contra o Santos

A penúltima rodada do Grupo B tinha o Atlético Mineiro em situação segura, com uma vantagem de dois pontos na liderança, antes de visitar o Vasco no Maracanã. Um empate já seria bastante importante para abrir o caminho ao Galo. Telê Santana perdeu Humberto Monteiro por lesão e Zé Maria entrou na lateral. Já os cruzmaltinos repetiam uma escalação bastante parecida com a do compromisso anterior, mas com Ferretti no comando do ataque e Roberto Dinamite só no banco. O placar de 1 a 1 encaminhou a classificação atleticana e eliminou os vascaínos, que até saíram na frente com Ferretti. Já o empate seria garantido por Zé Maria, num cruzamento que Joel Santana titubeou no corte e viu a bola morrer nas redes. Ainda quase sairia a virada dos mineiros, com Wanderley, que parou na trave.

Antes que a rodada final acontecesse, o Atlético Mineiro recebeu um par de boas notícias. Uma delas era a renovação de Telê Santana, após as insistentes ofertas do Flamengo. “Eu não queria realmente sair do Atlético, pois aqui encontrei ótimo ambiente para trabalhar e tive de todos os jogadores e dirigentes o máximo de colaboração. Só que sou de opinião que um treinador não deve permanecer mais de um ano no clube, mas isso não foi o suficiente para me tirar daqui”, diria Telê, que se tornava o técnico mais bem pago do Brasil naquele momento. E o Galo também assegurou um reforço de peso para a temporada seguinte: Ladislao Mazurkiewicz. O uruguaio, multicampeão com o Peñarol, era considerado um dos melhores goleiros do mundo. Chegava para dar mais projeção ao time, por mais que Renato viesse em boa fase no Campeonato Nacional.

Zé Maria comemora contra o Vasco

No último compromisso do Grupo B, o Atlético só seria eliminado com uma hecatombe. Sem ser derrotado dentro do Mineirão para adversários de outros estados ao longo de dois anos, o Galo recebia o Internacional, único com condições de ainda alcançá-lo. Apenas uma vitória por três gols de diferença salvaria os colorados. Dino Sani teria Figueroa na defesa desta vez, mas os esforços de Valdomiro na linha de frente não seriam suficientes. O triunfo gaúcho por 1 a 0, ainda que tenha quebrado a incrível sequência atleticana em seu estádio, não impediu a classificação dos alvinegros à fase final. Árlem até deu um susto aos 24 minutos, quando marcou o gol do Inter, mas o Atlético conseguiu se proteger e ainda criou chances para empatar. Restavam só mais dois jogos para tentar levar o título.

A fase final do Campeonato Brasileiro de 1971 seria disputada em um triangular, com jogos únicos entre as equipes, e o time de maior pontuação conquistaria a taça. O São Paulo passou com sobras no Grupo A, invicto, em chave na qual concorria com Corinthians, Cruzeiro e America-RJ. Já o Botafogo disparou na reta final do Grupo C, no qual encarava Grêmio, Palmeiras e Coritiba.

A vitória sobre o São Paulo

Telê Santana não gostou muito de iniciar a fase final no Mineirão, onde receberia o São Paulo. “Fazendo o primeiro jogo em casa, de qualquer jeito teremos que decidir no campo do adversário, o que não é nada interessante. De qualquer forma, estamos preparados e vamos lutar mais ainda”, admitiu, ao Jornal dos Sports.

Já a revista Placar rasgava elogios ao Atlético, em seu guia antes das finais: “O clube mais popular de Minas teve a campanha mais regular do Nacional. Muito pouca gente pôde comemorar uma vitória sobre este time que alegra a vista até dos mais exigentes”, afirmava. “Alguns jogadores experientes, para dar equilíbrio ao time; banco numeroso com jogadores novos, para dar garra; trabalho de equipe com divisão de responsabilidade, para dar organização; bicho progressivo, para dar estímulo – estes são os itens que Telê considera fundamentais para o Atlético chegar onde está”.

Galo x São Paulo

Primeiro desafio do Atlético Mineiro, o São Paulo tinha começado mal o Campeonato Nacional, a ponto de demitir Oswaldo Brandão. O antigo ídolo José Poy deixou o cargo de diretor de futebol para assumir a equipe e extraiu o máximo dos bicampeões paulistas. Pesava também o retorno de Gérson, que passou parte da campanha lesionado. O Canhotinha de Ouro era a grande estrela de um time ainda abrilhantado por Toninho Guerreiro, Paraná, Forlán, Terto e Sergio Valentim. Quem fazia falta naquela reta final era Pedro Rocha. Antes do primeiro jogo decisivo, a promessa de Poy era marcar firme Dario, além de preencher o meio de campo. O treinador esperava que o Galo partisse pela vitória no Mineirão.

Telê Santana escalou o Atlético Mineiro sem surpresas. Romeu, que voltava de uma bronquite, ocupava a ponta esquerda. Beto era a companhia de Dario no centro do ataque, com Ronaldo na direita. Renato protegia o gol, com a defesa composta por Humberto Monteiro, Grapete, Vantuir e Oldair. Já no meio, o Galo se valia da excelente parceria entre Wanderley e Humberto Ramos. “Nosso time está muito bem e acho que uma derrota nossa hoje é praticamente impossível. Vamos devolver a alegria à massa, que saiu cabisbaixa do estádio na quinta-feira, quando nós perdemos do Internacional depois de ficarmos cerca de dois anos invictos no Mineirão contra clubes de fora”, diria Dadá.

O Mineirão recebeu 53,9 mil torcedores para o primeiro duelo decisivo do Brasileirão de 1971. E os torcedores atleticanos precisaram manter sua crença num jogo difícil, ainda que a vitória por 1 a 0 tenha se construído no final. O primeiro tempo viu o Galo tomar o controle e atacar em massa, empurrado por sua torcida. Porém, o São Paulo se deu melhor em sua estratégia, ao esfriar o jogo e se segurar na defesa. Dario até criou as principais oportunidades, mas era bem marcado. A solução para Telê foi apostar numa mudança já no intervalo, com Spencer no lugar de Beto.

Dario contra o São Paulo

A troca fez bem ao Atlético, que começou a criar mais oportunidades. Spencer quase marcou o primeiro gol, mas acertou a trave. Tião também entraria no lugar de Romeu, dando mais capacidade ofensiva. Em meio a essa pressão, a chance do gol surgiu aos 30 minutos, numa falta sobre Spencer na entrada da área. Oldair partiu para a cobrança e mandou uma pancada por cima da barreira, que passou por Gérson e morreu no ângulo de Sérgio. A vantagem parcial fazia a massa explodir.

O Atlético não tirou o pé do acelerador e continuou martelando. A partir de outra falta cobrada por Oldair, que bateu na barreira, Tião mandou mais uma bola na trave. Sérgio Valentim também faria boas defesas contra Wanderley e Oldair. Todavia, o São Paulo jogava por um empate e poderia ter arrancado aos 42. Num contragolpe, Paraná rolou para Gérson dentro da área e o Canhotinha disparou seu míssil. Renato realizou uma defesa monumental, que faria seu nome ser gritado pelo Mineirão – algo muito significativo, considerando a badalação pela chegada de Mazurkiewicz. A vitória era do Galo e o arqueiro deixou o gramado às lágrimas.

Oldair era o mais elogiado pela imprensa depois do jogo. Conforme avaliou o Jornal dos Sports: “O que ele apresentou no jogo de ontem em matéria de vitalidade e de espírito de luta faz duvidar que já tenha mais de 30 anos. Sua atuação foi perfeita em todos os sentidos. Anulou completamente o ponteiro Terto e foi sempre à frente apoiar o ataque, chutar a gol e fazer lançamentos para seus companheiros. O gol que marcou, em cobrança de falta, foi o prêmio merecido pela atuação”. Renato seria outro exaltado: “Provou mais uma vez que é um dos melhores goleiros do futebol brasileiro atualmente, com duas defesas sensacionais no final do jogo, evitando o empate”.

Depois do jogo, Telê Santana deu sua explicação sobre a construção da vitória: “O São Paulo perdeu quando pensou em entrar no ritmo do Atlético. No primeiro tempo, eles ditaram o jogo e não sei por que meu time entrou nele. O São Paulo procurou ficar na sua, indo pouco à frente e plantando bem o Gérson para os lançamentos. Eu tive que tomar cuidado com o Terto, não deixei o Oldair subir ou soltar-se, como faz normalmente. E isso tirou o ritmo do time”.

A conquista do título

Por ter perdido o jogo, o São Paulo receberia o Botafogo no Morumbi durante a segunda rodada. Telê Santana estaria nas arquibancadas para analisar seu próximo adversário. “A gente não pode adiantar nada, porque o jogo entre São Paulo e Botafogo pode determinar muita coisa. Se o São Paulo vencer, por exemplo, a partida com o Botafogo será no Estádio Mário Filho. É lógico e evidente que o Atlético terá de aplicar outro tipo de produção, vamos nos precaver mais”, comentaria o treinador. E o São Paulo, visto como um time mais forte, realmente voltava à disputa no Morumbi: goleou o Botafogo por 4 a 1, de virada, com dois gols de Terto, um de Toninho Guerreiro e um de Forlán.

O triangular final levava em conta o goal average como critério de desempate, com a divisão entre gols marcados pelos gols sofridos. Assim, o Botafogo precisaria de uma goleada por 6×0 sobre o Atlético Mineiro para ser campeão. Uma vitória por até cinco gols beneficiaria o São Paulo, num possível empate triplo. De qualquer maneira, a situação no Maracanã era mais favorável ao Galo. Um empate bastava para o time de Telê Santana erguer o troféu. Não à toa, surgiram rumores de que os botafoguenses poderiam transferir o duelo para o Mineirão para ganhar com a renda, o que gerou insatisfação natural dos são-paulinos e não ocorreu.

O jogo no Maracanã

Vice-campeão carioca, o Botafogo tinha uma equipe respeitável sob as ordens do técnico Paraguaio. Jogadores como Jairzinho, Djalma Dias, Roberto Miranda e Nei Conceição elevavam o nível dos alvinegros. Entretanto, os cariocas precisaram lidar ao longo do campeonato com a saída de Paulo Cézar Caju e também com a suspensão de Brito. Os botafoguenses oscilaram um pouco mais na campanha e, do ponto de vista coletivo, eram vistos abaixo dos dois concorrentes no triangular decisivo do Campeonato Nacional. Já no reencontro com o Galo, não teriam os lesionados Roberto Miranda e Nei Conceição, enquanto o goleiro Ubirajara foi barrado após a goleada do São Paulo e daria lugar a Wendell.

Para a decisão no Maracanã, o Atlético Mineiro tinha uma ótima notícia: Lola estava de volta, recuperado da fratura sofrida ainda no primeiro turno, quando vivia fase esplendorosa. O ponta-de-lança era considerado por muitos como o grande craque da equipe. “Vou querer entrar na guerra. Fiz tudo para me recuperar o mais rápido possível e, felizmente, estou vendo agora possibilidades de ainda jogar na final do Campeonato Nacional. O time do Atlético está afiadinho e dificilmente perderá o título. E eu quero ser campeão dentro do campo. Além do mais, dou sorte no Mário Filho. Em 1969, demos de 3 a 0 no Flamengo e eu fiz os gols. Domingo, se eu entrar, repetirei a dose”, dizia, empolgado.

O próprio Telê Santana não escondia sua preferência, mesmo com a falta de ritmo: “Lola é um excelente jogador. Dribla fácil, sabe chutar em gol e ainda volta para buscar o jogo. Beto não está muito bem e Spencer é jogador de meio-campo. A volta de Lola agora seria formidável para todos nós, porque, além do mais, ele é o companheiro ideal de Dario. Ele vai com a delegação ao Rio. Conforme for, poderei lançá-lo no meio do jogo. Primeiro quero conversar com o Doutor Haroldo”.

Vantuir contra Jairzinho

Lola estava bem o suficiente para ser titular contra o Botafogo, ao lado de Dario – que, mesmo com uma lesão no pé, não deixaria a equipe justo no momento final. Outro intocável era o ponta direita Ronaldo, considerado pelo próprio Telê como o jogador mais importante à capacidade ofensiva do time. Já a surpresa no Maracanã ficaria por conta de Tião na ponta esquerda, com o treinador privilegiando um atleta mais experiente e também mais perigoso, por seus famosos cruzamentos. Romeu, com a bronquite recente, dava mostras de que não estava 100% fisicamente. De resto, o Atlético contaria com a escalação consagrada em boa parte do campeonato. Renato, Humberto Monteiro, Vantuir, Grapete e Oldair eram as peças defensivas. Wanderley e Humberto Ramos faziam o serviço no meio. Qualidade de sobra para ser campeão.

“É impossível o Atlético deixar o Maracanã derrotado”, diria Telê na véspera do jogo, deixando de lado a tradicional humildade, ao Correio da Manhã. “Vamos para campo para aplicar uma nova goleada no Botafogo, quer o nosso adversário se apresente com sua equipe completa, quer jogue com reservas. Os torcedores atleticanos que virão ao Rio apoiar o time não me perdoarão se eu ordenar que os jogadores tentem apenas garantir o empate. Vamos partir para o ataque, que é a melhor defesa. Se, por um azar, o Botafogo nos derrotar, será a maior injustiça um time como o São Paulo ser campeão. Afinal, uma equipe que andou caindo pelas tabelas e só se levantou no finalzinho não merece ser campeã. Justiça por justiça, o Atlético tem que voltar a Belo Horizonte com a faixa”.

E a motivação do Atlético teria um motivo a mais nas arquibancadas do Maracanã: cerca de 20 mil torcedores pegaram a estrada para apoiar a equipe na decisão contra o Botafogo. Só da caravana organizada pela charanga atleticana foram 200 ônibus, liderados por “Júlio, o Mais Amigo”, torcedor-símbolo dos alvinegros. Isso sem contar aqueles que viajaram por conta própria. Havia até uma presença especial: a de Vaguinho, se recuperando de lesão, que fez questão de prestigiar os ex-companheiros e se declarar atleticano, mesmo que tivesse contrato com o Corinthians.

Dario em seu voo final

Considerando que muitos botafoguenses não acreditavam mais no milagre, a torcida do Atlético podia ser considerada maioria no estádio, com público total de 48 mil: bandeiras dos demais clubes cariocas também apareciam nos setores visitantes. “‘Galô, Galô, Galô'. O grito tradicional da torcida do Atlético Mineiro foi ouvido como nunca no Rio desde as seis horas da manhã, quando começaram a chegar os torcedores que vieram dar o incentivo a seu time”, contava o Jornal dos Sports. “Em todas as direções que se olhava, eram bandeiras e mais bandeiras desfraldadas de ônibus, automóveis particulares, táxis, além daquelas trazidas por torcedores que vieram de avião, trem ou outro qualquer meio de transporte que os trouxesse ao Mário Filho”.

O Atlético Mineiro não seria tão brilhante no Maracanã. Em compensação, foi claramente superior. Seu jogo coletivo era muito mais consistente que o do Botafogo, e a qualidade do conjunto atleticano, mesmo sem um craque como Jairzinho, conseguiu se impor para a vitória por 1 a 0. O primeiro tempo seria travado. O Galo controlava a bola, numa postura mais moderada que de costume, e Lola parou em Wendel na melhor chance. Os botafoguenses, mesmo pouco inspirados, quase abriram o placar numa jogadaça de Jairzinho, que sobrou para Zequinha emendar na trave. O empate parcial rumo ao intervalo, ainda assim, beneficiava os atleticanos.

O segundo tempo voltou com o Botafogo mais no ataque. Nada que abalasse a segurança do Atlético. E os mineiros, a cada jogada em profundidade, levavam perigo com Dario. Mesmo sem marcar tantos gols na reta final da campanha, o artilheiro terminaria de se consagrar como referência do Galo campeão. Num avanço pela esquerda, Tião abriu com Humberto Ramos, que escapou da marcação e cruzou na linha de fundo. O Peito de Aço seguiu seu próprio manual: testa na bola, queixo no peito e uma cabeçada que quicou no chão, sem dar chances de defesa a Wendell. Na comemoração, beijos para a massa no Maraca. Aos 18 do segundo tempo, o Brasileirão se tornava atleticano para sempre.

O Atlético contaria com a entrada de Spencer no lugar de Lola, sem perder o domínio do jogo na sequência. Dava até para fazer mais um, numa arrancada sensacional de Dario que acabou barrada no último instante pela zaga. O Galo era o melhor time do Campeonato Nacional e isso ficava provado nas duas partidas decisivas do triangular. Já a reta final do jogo seria marcada pelo destempero do Botafogo. Carlos Roberto e Mura acabaram expulsos, depois dos 37. Na saída para os vestiários, o árbitro Armando Marques ainda foi agredido por Nilton Santos, então diretor de futebol botafoguense. Um asterisco, antes que o Atlético desse a volta olímpica diante de sua eufórica torcida no Maracanã. “Tem de ser feita uma afirmação: o Atlético Mineiro foi o maior merecedor do título de Campeão do Primeiro Campeonato Brasileiro de Clubes. Do começo ao fim da competição estava na frente, apesar dos regulamentos incríveis que lhe poderiam ter roubado o título”, sentenciou João Saldanha, na revista Grandes Clubes Brasileiros.

A comemoração

No Jornal dos Sports, o colunista Achiles Chirol descreveu bem o simbolismo do gol do título: “Quando Dario correu para os torcedores e, atirando um beijo, ofereceu-lhes o gol, a vitória e o título, esse gesto inédito sintetizou a campanha do Atlético e fez justiça a duas forças: o artilheiro, que desbravou defesas no Campeonato Nacional, e a torcida atleticana, que provocou, no Rio, a maior invasão do futebol brasileiro. Por extensão, Dario também simbolizou naquele beijo o que mais identifica o seu bravo time: confiança nos próprios recursos, valentia e uma vontade de ganhar às vezes temerária. O Atlético poderia ter procurado travar o ritmo do Botafogo para garantir o empate. Mas foi quem teve sempre a iniciativa do jogo, atacando mesmo com algum perigo para si mesmo através do permanente avanço de seus laterais”.

Telê Santana não cabia em si para descrever seus sentimentos: “Para mim, este título vale mais do que a Copa do Mundo. Vale mesmo, só eu sei quanto custou. Por isso, estou feliz, imensamente feliz, e orgulhoso”, afirmou o treinador. “Nossa melhor tática? Tranquilidade, preparo físico e apoio da diretoria. Meu jogador pode beber uma cerveja, ele não precisa ser vigiado. No meu time joga quem está em melhores condições. Humberto, Dario e Tião entenderam isso quando ficaram de fora. Voltaram ao time porque se recuperaram. O meu time é campeão porque foi disciplinado acima de tudo. Nenhum jogador viu o cartão amarelo, nunca fez pênalti e nem tirou nenhum adversário de campo”.

Humberto Monteiro, Wanderley e Vantuir venceram a Bola de Prata em 1971

Oldair, responsável por receber a taça, era um dos mais emocionados: “Sou veterano, mas chorei de emoção quando o juiz terminou o jogo. Foi o maior e melhor título que ganhei em toda minha carreira e tem seu valor, porque superamos os pseudopapões. Agora vou comprar grande quantidade de arroz e feijão para distribuir entre os torcedores mais humildes do Atlético”.

Dario era carregado nos braços por torcedores, muito vibrante pela maneira como superou as desconfianças sobre si naquela campanha: “Olha, gente, sei que não sou craque, mas exijo que me chamem de artilheiro. Posso errar muitas jogadas, mas sei marcar gols. Prometi desencantar no Estádio Mário Filho e o gol da vitória fala por mim. Tinha que provar o meu valor e atingi meu objetivo. Joguei demais no segundo tempo”.

Revelação na campanha e também decisivo no jogo final, Humberto Ramos valorizava o grupo: “Continuo meio tonto de tanta alegria. O título provou que um time modesto, mas imbuído de total senso de responsabilidade e que conta com um técnico amigo pode ser o melhor do Brasil. Quanto à jogada, corri pela ponta esquerda e, quando cheguei à linha de fundo, sabia que o Dario estava na área para receber o lançamento. Dito e feito: o gol mais bonito que já vi em toda a minha carreira”.

Telê nos braços do povo

E Telê não se esqueceria de exaltar também a torcida: “Em Belo Horizonte deve estar uma loucura. Sou mineiro, vou pra lá participar da festa. Essa torcida do Atlético é demais. Viram a festa que fizeram aqui? Imagina agora lá. É uma torcida leal ao time, como nenhuma outra. Para ela, só existe o Atlético, e acabou-se. Fico feliz também por eles, os torcedores, pois afinal tudo que temos e que somos devemos a eles, aos homens simples, anônimos, que pagam com sacrifício seus ingressos e gritam por nós”. Tal qual um torcedor, o treinador pagaria uma promessa: caminharia até uma capela na cidade de Congonhas, ao lado do diretor Nery Campos, do auxiliar Léo Coutinho e do roupeiro Otacílio, para agradecer o feito a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

Em Belo Horizonte, o carnaval de fato era imenso. Papéis picados voavam do alto de prédios e fogos de artifício pipocavam nos céus, enquanto o hino ecoava em diferentes cantos da cidade. O grito de “Galo!” também era ouvido a cada esquina. Segundo o Jornal do Brasil, “as comemorações na cidade superaram as da conquista da Copa do Mundo e até a charanga do Cruzeiro, com os seus membros usando uniformes do Atlético, participou da festa”. Os jogadores foram recebidos como heróis na noite de domingo por uma multidão no aeroporto e desfilaram num caminhão dos bombeiros por BH, para delírio da multidão nas ruas. Uma sensação que seria experimentada 50 anos depois, numa espera ansiada para reviver aquele gosto único de 1971.

O desfile em carro aberto

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Esse texto usou como base os arquivos de: Placar, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Grandes Clubes Brasileiros, Manchete e O Cruzeiro. Também foram essenciais o site Galo Digital e o livro “1971, O Ano do Galo”, de Marcelo Baêta. A publicação da Panda Books, com depoimentos de dezenas de jogadores e personagens ligados ao campeonato, é uma excelente leitura para se aprofundar sobre o tema além deste texto.

Telê paga promessa
Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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