Brasileirão Série A

Os 40 anos do primeiro Brasileirão do Grêmio: A campanha do Tricolor que se encorpou e atropelou na reta final

Sob as ordens de Ênio Andrade, o Grêmio derrotou o favorito São Paulo nos dois jogos das finais e consolidou uma era vitoriosíssima no Olímpico

Em 3 de maio de 1981, o Grêmio experimentou um dos maiores momentos de sua história. O Tricolor já tinha vencido a partida de ida, no Olímpico, mas repetiu a dose na volta da finalíssima do Brasileirão. Contra um São Paulo badaladíssimo, que reunia diversos jogadores da Seleção, os gremistas provaram sua força e celebraram a conquista dentro do Morumbi. Pela primeira vez, o clube faturava um torneio nacional – tão pressionado por isso, considerando o tricampeonato dos maiores rivais. Melhor ainda, aquela taça prenunciava feitos maiores que se viveriam em Porto Alegre na sequência dos anos 1980, com Libertadores e Mundial. Os tricolores tinham ambição e faziam valer sua camisa dentro de campo.

Aquele título teve grandes personagens. Ênio Andrade se confirmava como um dos melhores treinadores do país, ao transformar a sina infeliz do Grêmio no Brasileirão. Leão fechava o gol, Paulo Roberto estourava na lateral direita, De León tomava conta da zaga, Vilson Tadei orquestrava o meio-campo, Paulo Isidoro tinha lampejos de craque, Tarciso voava na ponta, Baltazar contribuía com seus gols. E mais importante foi a maneira como o Tricolor cresceu no campeonato. Teve seus momentos de desconfiança, mas se refez e entrou com tudo na reta final. Foi impecável na decisão, mas viveu ainda outros momentos inesquecíveis, incluindo o próprio recorde de público no Olímpico. Abaixo, relembramos os detalhes daquela façanha, 40 anos depois.

Os primórdios do Grêmio no Brasileirão

A história do Grêmio nos campeonatos nacionais começa logo em 1959. A criação da Taça Brasil coincide com um momento dominante dos tricolores no Campeonato Gaúcho. De 1956 a 1968, o Grêmio só não conquistou o estadual em 1961. Assim, sua presença na competição da CBD, que garantia vaga apenas aos campeões locais, deu cadeira cativa aos gremistas no período. Nunca, porém, o Grêmio conseguiu alcançar uma final. Mesmo reunindo ídolos do porte de Alcindo, Aírton Pavilhão, Everaldo e outros nomes históricos que passaram pelo Olímpico, os gaúchos acabavam esbarrando nos adversários de São Paulo nas semifinais.

Vale lembrar que o regulamento da Taça Brasil colocava cariocas e paulistas em fases mais avançadas. Nas quatro vezes em que o Grêmio chegou até as semifinais, passando geralmente por adversários de Minas Gerais e outros estados do Sul, em duas caiu para o Santos e em outras duas o algoz foi o Palmeiras. Já no Robertão, o Tricolor esteve presente nas quatro edições da competição de 1967 a 1970. Teve seu melhor desempenho no campeonato inaugural, quando conseguiu se meter no quadrangular final, que decidia o campeão. Todavia, os gremistas não ganharam nenhum jogo na fase decisiva e não conseguiram competir com o Palmeiras pela taça.

Quando o advento do rebatizado Campeonato Brasileiro aconteceu em 1971, o Grêmio não vivia seu momento mais prolífico. Os tricolores viram o jogo virar no Rio Grande do Sul e o Internacional passou a emendar título atrás de título no estadual. Apesar da expressa tradição, faltou um pouco mais para os gremistas competirem por seu primeiro troféu nacional ao longo da década de 1970 – enquanto os maiores rivais se estabeleciam como uma das principais potências da competição. De 1971 a 1980, o Grêmio por seis vezes ficou entre a quinta e a décima colocação do Brasileiro. Tal desempenho indicava um bom nível, mas não necessariamente forças para se meter entre os principais candidatos à taça.

Tarciso, símbolo do Grêmio

Um dos maiores anticlímax do Grêmio neste período aconteceu em 1972. Os gaúchos venceram o Santos no Pacaembu e pareciam prontos para se classificar à semifinal. Entretanto, uma derrota para o Santa Cruz na visita a Recife colocou o Botafogo nos mata-matas daquele Brasileirão. Outro momento amargo veio em 1978, quando o Tricolor tinha acabado de romper o jejum no Campeonato Gaúcho de 1977. Os gremistas alcançaram as quartas de final no Brasileirão, mas acabaram eliminados pelo Vasco. O regulamento da época dava vantagem aos cariocas por virem com a melhor campanha e, depois de dois empates por 1 a 1, a equipe de Telê Santana se despediu da competição.

O pior desempenho do Grêmio naqueles dez primeiros anos de Campeonato Brasileiro aconteceu em 1979, o ano do tricampeonato do Internacional. Na inchada edição do torneio nacional, o Tricolor acabou no modesto 22° lugar. A eliminação seria um tanto quanto melancólica, com o time dirigido por Orlando Fantoni superado pelo Flamengo e pelo XV de Piracicaba em sua chave na segunda fase. A equipe, ao menos, voltou a levar o título do Gauchão naquele ano -encerrando a campanha com uma série invicta que durou 35 partidas. Era o sinal de que algo mais duradouro poderia ser construído no Olímpico.

A boa campanha no Brasileirão, ainda assim, ficaria apenas na vontade em 1980. O Grêmio foi uma das melhores equipes nas duas primeiras fases, derrotado apenas uma vez. Já no quadrangular da terceira fase, que definiria um dos semifinalistas, os tricolores falharam dolorosamente. Os gaúchos abriram a chave derrotando o Botafogo. Porém, na visita ao Morumbi, tomaram de 5 a 0 do Corinthians. Assim, a vitória por 1 a 0 sobre o Coritiba na última rodada não adiantou, quando o time precisava fazer um saldo maior. Os próprios paranaenses passaram à fase seguinte, na qual foram eliminados pelo campeão Flamengo. O Tricolor fechou a Taça de Ouro com apenas três derrotas, só uma a mais que os rubro-negros.

Novas faces no Olímpico

O Grêmio passaria por transformações ao longo de 1980. Durante o segundo semestre, depois da queda no Brasileirão, o Tricolor conquistou o Campeonato Gaúcho pelo segundo ano consecutivo, em seu terceiro título nas últimas quatro edições do estadual, indicando uma mudança no equilíbrio de forças em relação ao Internacional – que, naquele momento, vendia Paulo Roberto Falcão à Roma. No entanto, os gremistas também se despediram de ídolos. Ancheta foi a principal referência defensiva ao longo dos anos 1970 e, depois de nove anos no clube, acertou com o Millonarios da Colômbia. Também saía Eurico, que ocupou o lado esquerdo da defesa por quase 200 jogos. Victor Hugo atuou no meio por quase 300 partidas e acertaria sua transferência ao Palmeiras. E a torcida ainda se despediria de Iúra, um dos jogadores mais queridos do Olímpico nos anos 1970, que aceitou uma proposta recorde do Criciúma.

Por um lado, a geração capaz de quebrar o jejum em 1977 ficava no passado. O lendário Tarciso permaneceu como um raro destaque daquele título emblemático. Em contrapartida, o Grêmio buscava novas lideranças para compor sua espinha dorsal já em 1980. Ainda para o Brasileirão, o setor de criação ganhou Paulo Isidoro, para ocupar o lugar de Paulo Cézar Caju. O ponta de lança era um dos símbolos do Atlético Mineiro que se colocava entre os melhores times do país e frequentava as convocações da Seleção. Um dos jogadores mais habilidosos e incisivos do Brasil, chegaria na troca que mandou Éder Aleixo para o Galo. Outra novidade importante ao meio-campo naquele momento era o jovem China, que vinha como uma aposta da Chapecoense e escreveria uma longa história no Olímpico com a camisa 5.

Logo após a queda no Brasileirão, o Grêmio tirou do Vasco um dos melhores goleiros do Brasil: Emerson Leão. O negócio vinha amarrado à saída de Paulo Cézar Caju. Às vésperas de completar 31 anos, o camisa 1 chegava com três Copas do Mundo nas costas, além de vários títulos conquistados especialmente no Palmeiras. Vinha para ser um dos pilares do sistema defensivo, depois que o veterano Manga tinha se mudado ao Barcelona de Guayaquil no início de 1980, sem que Remi ou Ivo inspirassem tanta confiança na posição durante o campeonato nacional.

“Eu, por exemplo, aqui no Grêmio, sou o capitão do time e, nessa condição, tenho que transmitir, fundamentalmente, segurança aos meus companheiros. A nossa defesa é jovem e a minha experiência, tenho certeza, contribui muito para a orientação dos zagueiros. Quando vim para o Grêmio, tenho consciência disso, representei mais do que a contratação de um goleiro. Assim, por essas considerações, não se pode medir, de maneira objetiva, a importância que tem um goleiro dentro de uma equipe”, avaliou Leão, já em 1981, ao Jornal do Brasil.

Leão puxa a fila

Na reta final do Gauchão, o Grêmio também assinou com Vilson Tadei, um jogador técnico para organizar o time e também participativo na marcação. O meio-campista tinha passado pelo São Paulo, onde não teve as oportunidades que esperava, mas se mudou ao Coritiba e ganhou reconhecimento no Brasileiro de 1980, exatamente por se tornar um dos algozes gremistas na terceira fase. Inicialmente emprestado, acabaria contratado em definitivo depois do Gauchão. E a campanha no estadual ainda teve a ilustre presença de Nelinho, emprestado pelo Cruzeiro, mas que não permaneceria mais que um par de meses em Porto Alegre.

Quando o Grêmio conquistou o bicampeonato gaúcho em novembro de 1980, ainda não reunia todos os protagonistas que levariam o Brasileirão em maio de 1981, mas boa parte da base estava lá. A figura mais antiga da equipe titular era Tarciso. O Flecha Negra tinha trocado o America do Rio pelo Tricolor em 1973 e, unindo muita velocidade com faro de gol, logo se transformou em ídolo na ponta direita. Àquela altura, o atacante já se aproximava dos 500 jogos com a camisa gremista, numa relação reforçada pelas conquistas que voltaram a acontecer depois de 1977 – participando inclusive da jogada que rendeu o tento memorável de André Catimba no fim do jejum.

Já outra figura primordial que colecionava seus gols no Olímpico era o atacante Baltazar. Revelação do Atlético Goianiense, o centroavante assinou com o Grêmio sem tanto alarde, com 20 anos recém-completados. Logo na estreia, o novato anotou dois gols contra o Riograndense pelo Gauchão e caiu nas graças da torcida. O “Artilheiro de Deus” chegou em maio de 1979, mas já terminou o ano como goleador da equipe, com 30 tentos no total. Seu destaque aumentou ainda mais em 1980, chegando aos 40 gols – incluindo 28 durante o Gauchão, que garantiram ao jovem sua primeira artilharia no clube. Aqueles feitos eram mais que suficientes para transformar o camisa 9 em referência.

Mas se em campo o Grêmio ganhava contornos do que seria em 1981, fora dele ainda ocorreriam mudanças. Depois do Brasileirão de 1980, o Tricolor passou um tempo sob as ordens do interino Valdir Espinosa, antigo defensor do clube – e que anos mais tarde viraria uma lenda na casamata. Em setembro, o ex-lateral Paulinho de Almeida assumiu os tricolores no Gauchão e manteria um aproveitamento altíssimo para levar a taça. Mas não ficaria por tanto tempo no cargo, saindo no fim de 1980. Alguns dirigentes preferiam um comandante de mais peso e passaram a especular medalhões. Claudio Coutinho, treinador da Seleção na Copa de 1978 e revolucionário no Flamengo, estava entre os cotados. Mas o escolhido foi um nome acostumado ao futebol gaúcho, embora do lado colorado: Ênio Andrade.

Baltazar e Seu Ênio

Nos tempos de meio-campista, Ênio Andrade passou brevemente pelo Internacional, mas sua história mais forte é com o Renner. Era um dos destaques na equipe que rompeu a hegemonia Gre-Nal no Gauchão e passou até mesmo pela seleção brasileira. Deixaria o clube para se juntar ao Palmeiras no fim dos anos 1950. Já como treinador, “Seu Ênio” dirigiu equipes menores do Rio Grande do Sul e passou primeiro pelo Grêmio, em 1975. Não fez um trabalho tão expressivo, saindo após a queda no Brasileirão durante o segundo semestre. Foi bicampeão pernambucano com Sport e Santa Cruz, teve destaque também no Coritiba, até fazer um trabalho excepcional em seu retorno ao Inter, em 1979, quando levou o Brasileirão invicto.

Ênio Andrade ainda ficou no Internacional durante todo o ano de 1980 e perdeu a final do Gauchão para os rivais. Todavia, não chegou a um acordo pela renovação de seu contrato, já que a diretoria colorada não aceitou sua pedida salarial. O Tricolor, então, abriu as portas do Olímpico e levou o símbolo vitorioso dos rivais. “Com a contratação de Ênio, o Grêmio começou a ser campeão brasileiro”, seriam as palavras proféticas de Paulo Roberto Falcão, meses antes da conquista realmente se consumar. Seu Ênio não teria muita margem de manobra até o início do Brasileirão, com a estreia marcada para 18 de janeiro de 1981. Antes disso, sua primeira partida aconteceu num amistoso contra o Independiente em Mar del Plata, no qual o empate por 0 a 0 prevaleceu.

Além dos nomes que já estavam no grupo, o Grêmio também buscou um grande reforço para 1981, que levou um tempo para desembarcar. Se Ancheta tinha deixado uma marca profunda no Olímpico, o Tricolor voltaria a Montevidéu para tirar seu herdeiro na zaga do Nacional. Hugo de León já era considerado um dos melhores beques do continente e, em 1980, foi algoz do Inter na decisão da Libertadores. Era um motivo mais que suficiente para os gremistas receberem de braços abertos seu novo xerife, num acerto ocorrido ainda em outubro. De León terminou a temporada de 1980 no Parque Central e, antes da mudança a Porto Alegre, disputou o Mundialito com a seleção uruguaia. Chegou ao Olímpico com um moral ainda maior, após ser campeão do simbólico torneio celebrado no Estádio Centenário.

A pressão pelo Brasileiro

Quando o Grêmio começou 1981 sob as ordens de Ênio Andrade, ainda tinha um caminho a percorrer, mas indicava sua direção. Havia força em todos os setores. Leão assumiu a titularidade no gol e ainda ganhou a braçadeira de capitão. A defesa contava com uma mescla interessante entre experiência e juventude. O ex-atleticano Vantuir era o principal zagueiro enquanto De León não vinha, ocupando o setor ao lado de Vicente. O jovem Newmar, trazido do Matsubara, começava a desabrochar. As laterais tinham Dirceu, jogador experiente do futebol paranaense, e Uchôa, um dos reforços de 1981 ao deixar o America do Rio para servir de alternativa pelo lado direito.

No meio, o trio principal ganhava entrosamento desde o ano anterior. China dava combatividade ao setor, Vilson Tadei ajudava na cadência e Paulo Isidoro acelerava como uma das estrelas da companhia. Já na frente, o Grêmio também parecia contar com bons nomes. Baltazar atravessava um momento insaciável. Tarciso já era mais veterano e chegou a ficar fora do time no início do ano, mas acertou sua renovação de contrato. Trazido do Goiás no início de 1981, o centroavante Héber serviria como mais uma alternativa por ali. Também ajudavam a compor o grupo o meia Renato Sá, revelado pelo Avaí, e o ponta Jurandir, trazido do Caxias. Ambos eram nomes constantes, em especial Renato, que não começou bem como titular no Brasileirão de 1981 e na reta final virou uma peça útil no segundo tempo dos compromissos.

Tão importante quanto a base praticamente preservada em relação ao ano anterior foi o aproveitamento das categorias de base. Ênio Andrade tem méritos nisso. Quando o treinador chegou, o elenco estava inchado, com quase 50 atletas à disposição do time profissional. O novo comandante realizou uma série de dispensas, mas também abriu lugar aos pratas da casa. Ao longo de 1981, Seu Ênio usou na equipe principal 13 jogadores formados na base. Parte deles já estava entre os profissionais desde antes, como o zagueiro Baidek ou o meio-campista Paulo Bonamigo. Mas muitos estrearam ou ganharam sequência com o técnico.

O xerife De León

Renato Portaluppi, o mais famoso deles, só ganharia sua primeira chance depois do Brasileirão de 1981. Mas três pratas da casa acabaram se tornando importantes ao longo da campanha nacional. Paulo Roberto estourou na lateral direita aos 19 anos, enquanto Casemiro virou o titular na lateral esquerda, diante da irregularidade de Dirceu. Já na ponta esquerda, Odair ganhou a posição durante o Campeonato Gaúcho de 1980 e seria mantido pelo novo comandante. Mesmo Newmar, que tinha chegado de fora, acabaria ganhando a confiança de Ênio Andrade no miolo da zaga por complementar melhor De León. E tal garotada teria seu peso naquele momento de transformação aos tricolores.

O Grêmio entrava no Brasileirão pressionado. O guia preparado pela revista Placar na época resumia o sentimento na Azenha: “O Inter tem três títulos nacionais; o Grêmio, nenhum. Por isso, existe uma verdadeira obsessão no Olímpico: a de que o Grêmio tem que ganhar um título brasileiro”. A análise se seguia com o depoimento do zagueiro Vantuir, que explicitava como essa cobrança poderia prejudicar o desempenho: “Tenho medo disso. Senão, será como nos outros anos. Cada partida nossa se transforma numa decisão e acabamos perdendo a calma, prejudicados por nossa própria ansiedade”.

Antes que a campanha começasse, Ênio Andrade era visto como um trunfo ao clube. O treinador tinha levado o título em 1979 com uma equipe muito imponente no aspecto físico e, desta maneira, também realizava um trabalho exigente no Olímpico neste sentido. Apesar do que pedia, o comandante sempre foi visto como um paizão, muito elogiado pela forma como se relacionava com seus atletas. Geralmente escalado no 4-3-3 ou no 4-4-2, o Tricolor seria uma equipe organizada defensivamente, com velocidade nas transições e força nas bolas paradas. E tinha uma espinha dorsal respeitabilíssima com Leão, De León, Paulo Isidoro, Tarciso e Baltazar. Só não contaria com força máxima logo de cara, já que, além de De León, o próprio Paulo Isidoro representava a seleção brasileira durante o Mundialito.

Vilson Tadei explicaria bem o modo de jogo do Grêmio, já depois do título: “O Grêmio é o único time no país que emprega um sistema de jogo de muita movimentação e marcação constantes. Para isso, é preciso ter condição física. É preciso ter muita vontade”. Uma visão complementada por Ênio Andrade: “Fazemos uma marcação por zona, sob pressão. Combate em todos os setores do campo, com a determinação de roubar a bola e sair para o ataque com rapidez”. Tal fórmula daria certo, mesmo levando um tempo até funcionar plenamente.

A primeira fase para se acertar

O Brasileirão de 1981 começava com 40 clubes, divididos em quatro chaves. O desafio não era dos maiores, com os sete primeiros se classificando à etapa seguinte, em turno único. O Grêmio tinha Corinthians e Botafogo como principais concorrentes em sua chave, mas nada que devesse temer. Aquele momento serviria para Ênio Andrade acertar sua equipe e indicar os rumos para os momentos de maior peso na competição.

Tanto é que a estreia não empolgou nem um pouco. Apenas quatro dias depois de encarar o Independiente em Mar del Plata, o Grêmio estava em campo para medir forças com o Goiás no Serra Dourada. E o empate por 0 a 0 não foi ruim aos tricolores. O time não contava com vários titulares daquela campanha – incluindo De León, Paulo Isidoro e Tarciso. Os gaúchos abusaram dos erros e viram Leão se agigantar para evitar a derrota. O goleiro realizou pelo menos três defesaças, contra o ataque esmeraldino comandado por Paulo Roberto e Luvanor. Fisicamente, os gremistas estavam abaixo, sem dar conta do trabalho no enorme campo do Serra Dourada e ainda sob um calor de 35°C durante a tarde.

Aquele início de Brasileirão previa uma maratona de jogos. Três dias depois, o Grêmio já disputava seu primeiro compromisso no Olímpico. E conquistou o primeiro triunfo, batendo o Galícia por 2 a 1. Aquela partida marcou a estreia de De León, exultante pela conquista no Mundialito. E o uruguaio teria sua influência no resultado, mais apertado que a encomenda. Melhor no jogo, o Tricolor abriu o placar com Vantuir, mas cedeu o empate aos baianos pouco antes do intervalo. Somente aos 37 do segundo tempo veio a vitória. Numa cobrança de escanteio, De León tentou a cabeçada e, na sobra, Baltazar guardou.

Aquele jogo seria marcado pela impaciência da torcida no Olímpico. Por mais que o Grêmio dominasse o jogo, muitos jogadores foram vaiados enquanto o empate se arrastava. Renato Sá foi o mais perseguido, mas sobrou até mesmo para De León, recebido de uma maneira pouco lisonjeira, até acabar como um dos heróis da partida. “O importante é que conseguimos marcar o gol da vitória, já que é isto o que mais conta. Agora temos de ir adiante, pois estou descobrindo que as coisas aqui não são fáceis”, declarou o uruguaio, na saída de campo, ao Zero Hora.

Pela terceira rodada, o Grêmio pegou a Desportiva e ganhou mais uma no Olímpico, por 2 a 0. Baltazar abriu o placar, embora o destaque da equipe tenha sido o autor do segundo gol, o garoto Flávio. Diante da ausência de Paulo Isidoro, que seguia na Seleção por causa da preparação às Eliminatórias, o prata da casa conseguiu suprir a lacuna. Já na quarta rodada, novo tropeço durante a visita ao Pinheiros: 1 a 1, com outro gol de Baltazar, embora Wagner tenha igualado aos paranaenses no final. André Catimba, o antigo ídolo que agora defendia o adversário, acabou passando em branco.

O Grêmio conquistou sua primeira vitória de peso na quinta rodada. O Corinthians era o visitante no Olímpico, com Oswaldo Brandão reunindo jogadores como Zé Maria, Amaral, Wladimir, Biro-Biro, Basílio e Vaguinho. No entanto, o Tricolor apresentava uma equipe cada vez mais organizada e que soube se impor, garantindo o triunfo por 1 a 0. Depois de boas chances perdidas no primeiro tempo, o gol da vitória saiu aos 42, numa cabeçada de Tarciso. Apesar de certo risco durante o segundo tempo, os corintianos não exibiriam tantas forças. O resultado, além do mais, permitiu que os gremistas ultrapassassem o Botafogo e assumissem a liderança do grupo.

“Se ganharmos todas por 1 a 0, poderemos chegar à classificação. Sinto que o time está se entrosando e com mais treino e tempo de jogo vamos começar a nos entender muito melhor. Já temos tranquilidade, o que é importante, e a torcida também nos apoia. Mas eu peço que os torcedores apoiem mesmo é o China, Flávio, Bonamigo e Odair, pois estes garotos serão o Grêmio de amanhã. Eles precisam de toda a força da massa”, comentou Tarciso, na saída de campo, ao Zero Hora.

A primeira derrota do Grêmio ocorreu na sexta rodada, perdendo por 1 a 0 na visita à Portuguesa no Canindé. O time dirigido por Mário Travaglini contou com um gol de falta, marcado por Wilson Carrasco. A resposta tricolor no jogo seguinte guardou uma vitória sensacional na visita ao Maracanã. Contra o Botafogo, os gremistas anotaram 3 a 2. Baltazar foi o terror dos alvinegros e anotou os três gols dos gaúchos em apenas 23 minutos. No segundo tempo, com as mexidas do velho conhecido Paulinho de Almeida, agora treinador alvinegro, os botafoguenses melhoraram e o ídolo Mendonça encostou no placar. Ainda assim, não foi possível a virada. Aquele jogo teria um peso especialmente pelo ótimo trabalho de Vilson Tadei no meio-campo. Reserva no início da campanha, até por problemas particulares que atrapalhavam sua sequência, o camisa 10 ganhava a posição.

A classificação do Grêmio estava encaminhada. Por isso, as derrotas nas duas últimas rodadas não atrapalharam tanto, embora gerassem desconfianças. Primeiro, rolou uma zebra no Olímpico: o Brasília, vice-lanterna da chave, ganhou por 2 a 1. Nem mesmo a estreia de Paulo Isidoro no campeonato aliviou para os gremistas. Tarciso abriu o placar logo no primeiro minuto, mas Aloísio e Vander causaram uma surpresa enorme em Porto Alegre. Por fim, a participação na primeira fase foi encerrada em Campo Grande, onde o Tricolor visitou o Operário. Os sul-mato-grossenses foram donos do jogo e fizeram 2 a 1, com Odair só marcando o tento gaúcho no fim.

A segunda fase para se superar

O Grêmio fechou o Grupo B na quarta colocação. Os favoritos, aliás, ficaram mais abaixo. A Portuguesa liderou a chave, acompanhada por Operário e Goiás nas primeiras posições. O Botafogo, por sua vez, passou na conta do chá, um ponto acima do Pinheiros. A segunda fase, de qualquer maneira, zerava tudo. Seriam formados oito grupos de quatro equipes, somando também os quatro vencedores da Taça de Prata. O Tricolor teria como maior desafio o São Paulo, atual campeão paulista e que liderou seu grupo na etapa anterior. Inter de Limeira e Fortaleza completavam o quadrangular.

O São Paulo de Carlos Alberto Silva era uma das bases da seleção brasileira. Waldir Peres, Getúlio, Oscar, Marinho Chagas, Renato Pé Murcho, Serginho Chulapa e Zé Sérgio estavam entre os destaques do esquadrão. A partida da primeira rodada ainda guardaria um duelo particular entre Dario Pereyra e De León, dois zagueiraços uruguaios de estilos distintos. E se aqueles encontros da segunda fase serviram de prévia à final, o Grêmio teria muito a aprender. Na visita ao Morumbi, o Tricolor Paulista deu uma sapecada no Tricolor Gaúcho: 3 a 0, num show de Serginho Chulapa e Zé Sérgio.

O Grêmio lidava com uma pequena crise interna: seu preparador físico, Eroíno Machado, se demitiu. O motivo do racha foi a presença do clube num torneio caça-níquel em Punta del Este, que atrapalhou o trabalho antes do embate pelo Brasileirão. E o placar indicou que ele tinha razão. Foi um baile do São Paulo, desde o primeiro tempo. Serginho marcou o primeiro na etapa inicial, mas poderia ter estabelecido uma goleada rapidamente, com muitas chances perdidas. Nem mesmo a lesão de Darío Pereyra atrapalhou. Durante o segundo tempo, Chulapa guardou mais dois. O atropelamento se deu principalmente do lado esquerdo, onde os gremistas não acharam solução diante das tabelinhas entre Zé Sérgio e Marinho Chagas. Restava se resignar, tentando a recuperação na sequência do campeonato.

Na saída de campo, ao Zero Hora, Tarciso relembrou as decepções de outros anos contra XV de Piracicaba e Corinthians. Mas, em tom profético, acreditava em uma volta por cima do Grêmio: “É muito difícil de explicar essas derrotas que todo ano nos acontecem. Sei que ninguém acredita mais nas desculpas, e são tantos os aspectos. Mas este ano estou convencido de que a escrita vai mudar. Este ano a paulada foi cedo, logo no primeiro jogo. Eu até não acredito ainda. No primeiro tempo do jogo em São Paulo até falei para o Isidoro que nós iríamos empatar”.

O Grêmio começou a se reerguer no Olímpico, onde recebeu o Fortaleza pela segunda rodada. O Leão do Pici havia se classificado no limite durante a primeira fase, com direito a uma goleada do Flamengo por 8 a 0. E o triunfo gremista por 2 a 0 não agradaria pelo contexto: o time de Ênio Andrade perdeu um caminhão de gols. Baltazar deixou o seu, mas desperdiçou outras tantas oportunidades e seria vaiado pela torcida. O outro tento foi de Newmar, uma das novidades na escalação. O zagueiro entrou porque Vantuir e Vicente estavam lesionados, e ganhou a posição com uma boa atuação. O lateral esquerdo Casemiro seria outro elogiado por Seu Ênio, mais aproveitado no 11 inicial.

Na terceira rodada, outra frustração em viagem ao estado de São Paulo. Contra a Inter de Limeira, o Grêmio sofreu derrota dura e tomou de 3 a 1 no Estádio Major José Levy Sobrinho. O temor de uma nova eliminação era pertinente a esta altura. O Tricolor até saiu em vantagem aos 12 minutos, com Paulo Isidoro. Antes do intervalo, os limeirenses já viraram e marcaram o terceiro na segunda etapa. Futuro nome de clubes maiores do Brasil e do exterior, Elói foi o terror dos gaúchos naquele duelo, balançando as redes duas vezes e criando outras tantas chances. O resultado deixava os tricolores apenas na terceira posição, dois pontos atrás da Inter e a três do líder São Paulo.

Com a corda no pescoço, o Grêmio reencontrou o São Paulo no Olímpico. Contou com uma forcinha do calendário, já que as Eliminatórias da Copa eram concomitantes ao Brasileirão. Enquanto Ênio Andrade pôde escalar grande parte de seus destaques (inclusive Paulo Isidoro, suspenso no qualificatório e ausente da convocação), Carlos Alberto Silva não tinha boa parte de seus titulares – incluindo Waldir Peres, Oscar, Zé Sérgio e Serginho Chulapa. Darío Pereyra e Marinho Chagas eram raros destaques entre os são-paulinos. E contra o mistão visitante, os gaúchos cumpriram sua missão, mesmo sem dar o troco por completo: venceram por 1 a 0, quebrando a invencibilidade dos paulistas.

Cabe dizer, porém, que o Grêmio encarava uma série de lesões – principalmente na zaga. Foi o momento em que os garotos se consolidaram. Newton e Casemiro se mantinham na equipe, mas o grande nome daquela partida foi Paulo Roberto, estreante na lateral direita e um dos melhores em campo. Vigoroso e ofensivo, o guri não se intimidou ao bater de frente com Marinho Chagas pelo lado do campo e criou ótimas ocasiões. Os gremistas foram amplamente superiores contra a desfalcada equipe do São Paulo, mas precisaram insistir até os 25 do segundo tempo pelo gol. Numa cobrança de falta de Tarciso, Baltazar apareceu na área para fuzilar de cabeça, contando com a falha do goleiro Toinho. Era um respiro, mas o desafio se seguia.

Na quinta rodada, contra o Fortaleza, o Grêmio aplicou sua primeira goleada no Brasileirão. Os gaúchos fizeram 4 a 0 no Castelão, num resultado construído na meia hora final. Paulo Isidoro fez três gols, mas o destaque foi o centroavante Héber. O goiano entrou no lugar de Baltazar, mudou a equipe e anotou o tento que abriu o placar. Diante da má fase técnica do Artilheiro de Deus, Héber ganhou a posição neste momento. Era visto como um jogador mais participativo e que sabia preparar melhor as jogadas aos companheiros, enquanto Baltazar era mais definidor – e sem se mostrar tão calibrado.

O São Paulo deu uma força para o Grêmio, ao derrotar a Inter de Limeira na penúltima rodada. Assim, os dois times se enfrentariam no Olímpico com o mesmo número de pontos e, por ter a melhor campanha, o Tricolor poderia se dar ao luxo de empatar. Nem precisou. O time de Ênio Andrade selou a classificação às oitavas de final com a vitória por 1 a 0 sobre a Inter. Newmar seria de novo o talismã, com o gol da vitória aos nove minutos. Com o resultado, os gremistas avançaram na segunda colocação da chave, um ponto atrás do São Paulo. A hora da verdade começaria a partir das oitavas de final. O Vitória, que liderou o grupo do Fluminense e de quebra eliminou a Portuguesa, seria o próximo adversário.

As classificações contra Vitória e Operário

Ênio Andrade mantinha os cuidados sobre o Vitória. Milton Kuelle, antigo ídolo do Grêmio, tinha ido observar os baianos e trazia as informações ao treinador. “Time duro, viu? Passou por uma fase duríssima e mostrou seu valor, ao eliminar a Portuguesa. Mas não vou pelo empate em Salvador. Isso atrapalharia os jogadores. Nós vamos mesmo é ganhar”, comentou Seu Ênio, à revista Placar. O mesmo respeito não se via entre os rubro-negros, com o técnico Belisco sentenciando: “Eu, sinceramente, torci para jogar contra o Grêmio. O São Paulo é o melhor time do Brasil, não queria enfrentá-lo não”.

Dentro de uma Fonte Nova esvaziada, o Vitória saiu em vantagem nas oitavas, com o triunfo por 2 a 1. O Grêmio até parecia criar esperanças pelo resultado positivo no início. Jogou bem durante o primeiro tempo e anotou o primeiro gol. Aos 37 minutos, Tarciso converteu um pênalti e premiava a postura mais ofensiva de sua equipe. Na segunda etapa, porém, o Leão da Barra cresceu. Belisco mexeu bem no time, com as entradas de Tadeu Macrini e Joel Zanata dando novo gás. Foram dois gols num curto intervalo, primeiro num pênalti de Zé Augusto, depois num chute de Robson. A pressão voltava a crescer antes do reencontro no Olímpico.

Ênio Andrade mexeu no time em relação à ida, botando Paulo Roberto e China. Enquanto isso, Héber ainda era o titular no ataque, ao lado de Odair e Tarciso. Com o Vitória limitado a se defender, o troco tricolor seria suficiente à classificação, com o placar de 2 a 0. Seria uma das melhores atuações dos gaúchos naquela campanha até então. Com a torcida empurrando o time, os gremistas abafaram durante grande parte do tempo e criaram mais chances. O funcionamento do meio-campo ajudou bastante, com o trio formado por China, Vilson Tadei e Paulo Isidoro se afinando. Tadei foi ótimo ao distribuir o jogo, mesmo depois de sentir a coxa num treino de véspera e ir para o sacrifício. Enquanto isso, Héber também auxiliava para abrir espaços. Paulo Isidoro abriu a contagem logo aos seis minutos e, no início do segundo tempo, em outra cabeçada, Tarciso concluiu a festa.

Paulo Isidoro chamou atenção ao fugir dos companheiros e se conter na comemoração. Preferiu dar um abraço no preparador físico Júlio Espinosa. O ponta de lança tinha sido criticado por sua falta de empenho em Salvador, além de estar em litígio com a diretoria por questões salariais. No fim, sua resposta veio em campo. “Não me preocupo com esse tipo de críticas e nem isso tem qualquer influência no meu rendimento em campo. Hoje joguei bem e teria a mesma opinião, mesmo que não tivesse marcado o primeiro gol do Grêmio. O Espinosa é um sujeito que incentiva muito a gente, que sempre tem uma palavra de confiança e por isso achei que devia essa homenagem”, comentou ao Zero Hora.

Também ao Zero Hora, Ênio Andrade deixava o campo bastante satisfeito: “Desta vez gostei muito de toda a equipe. Todos foram aplicados, procurando não dar espaço ao Vitória do princípio ao final do jogo. Praticamente não houve erros de posicionamento, apenas pequenas falhas técnicas, o que é normal. O importante é que os jogadores cumpriram à risca com as determinações e, como consequência, obtivemos a vitória e a classificação para a outra fase. O objetivo agora é manter este mesmo rendimento”.

As quartas de final guardavam um velho conhecido ao Grêmio: o Operário de Campo Grande, algoz na primeira fase. Os sul-mato-grossenses tinham sido responsáveis pela eliminação do Cruzeiro na segunda fase, avançando em seu grupo ao lado do Náutico. Depois, despacharam o Sport. Ver boas campanhas do Galo não era uma novidade e o técnico Castilho, lendário ex-goleiro da Seleção, já tinha levado os alvinegros às semifinais de 1977. Além do mais, dentro de campo o time reunia os seus jogadores com mais rodagem – a exemplo do goleiro Neneca, do meia Arturzinho e do atacante Campos.

O Grêmio disputou a primeira partida no Olímpico, e se valeu do mando de campo para largar em vantagem. Bateu o Operário por 2 a 0. Castilho armou sua equipe na defesa e o Tricolor saiu na frente aos 41 minutos. Depois de uma falta cobrada por Paulo Roberto, Vilson Tadei definiu dentro da área. A situação ficou ainda mais tranquila no segundo tempo, com outro gol aos 27. Em mais uma bola parada, desta vez um escanteio, Tarciso desviou no meio da área e mandou por baixo de Neneca. Pouco depois, Campos ainda foi expulso pelo Galo. Vilson Tadei de novo recebia elogios, até por encarar parte do jogo com um sangramento no nariz, causado por uma pancada. Além do mais, voltava a discussão sobre o comando do ataque, sem que Héber surtisse o mesmo efeito de suas primeiras aparições.

“Parece que o Grêmio está se modificando. Quanto mais aumenta a responsabilidade, mais aumenta a dedicação e o empenho dos jogadores. Hoje, por exemplo, não teria quem destacar. Do Leão ao Odair, todos estiveram muito bem. Assim que eu quero que eles joguem em Campo Grande, sem deixar o Operário chegar ao gol do Leão, como aconteceu no segundo tempo. Temos que respeitar o adversário. Hoje as vantagens foram nossas, até na expulsão do Campos. Vamos esperar que lá elas também sejam nossas”, comentou Ênio Andrade, ao Zero Hora.

Prova de que o Grêmio crescia na competição, a equipe venceu também em Campo Grande, por 1 a 0. O time passaria até com a derrota por um gol de diferença e preferiu se resguardar. Com a pressão do Operário, o Tricolor precisou de resiliência. O herói seria um substituto, Baltazar, crescendo no momento certo da competição. Enquanto Leão segurava as pontas atrás, ajudado também pelo esforço de sua defesa, o centroavante garantiu a comemoração aos 38 do segundo tempo. Paulo Isidoro chutou, Neneca rebateu e o Artilheiro de Deus balançou as redes.

Aquele foi o nono gol de Baltazar na campanha. Contudo, o atacante interrompeu ali um jejum que durou quase um mês, desde a vitória sobre o São Paulo. “O Seu Ênio é um sujeito justo, e se ele me tirou do time esse tempo todo foi porque eu realmente estava mal. Mas agora, se o bom Deus ajudar, não saio mais e vou ser campeão do Brasil”, afirmou o centroavante, à Placar.

Ao alcançar as semifinais, o Grêmio não apenas registrou sua melhor campanha no Brasileirão desde 1971, como também se tornava o único representante gaúcho. O Inter se despediu da competição nas quartas de final, derrotado pelo São Paulo nos dois jogos. Já o adversário dos gremistas na fase seguinte era a Ponte Preta. Faltava um título para premiar a Macaca, mas o nível de desempenho costumava ser alto naqueles anos. Jair Picerni era o treinador de um timaço que reunia Carlos, Édson Boaro, Juninho Fonseca, Zé Mário e o maestro Dicá. Os campineiros chegaram a contribuir na eliminação do Corinthians e do Bahia, ao liderarem seu grupo na segunda fase. Depois, passaram pelo Náutico e encerraram a campanha do Vasco com dois empates. Um desafio considerável aos tricolores.

A vitória inesquecível e o recorde no Olímpico

O Grêmio melhorou no Brasileirão quando abraçou o pragmatismo. Tinha jogadores técnicos, mas a campanha se destacava pela solidez defensiva e pela força no jogo aéreo. Ênio Andrade endossava esse discurso à Placar: “Não adianta nada dar toques bonitinhos e perder a partida. Ao contrário dos jogos contra o Vasco, agora a Ponte não se beneficia com o empate. Esta vantagem é nossa. Eles vão ter que sair para o ataque e, como o campo de Campinas é pequeno, até vai ser mais fácil fazermos uma marcação maciça”. Não que a Macaca fosse tão técnica, também confiando nos contragolpes e nas subidas dos laterais – Édson Boaro pela direita e Odirlei pela esquerda.

Ênio Andrade foi para Campinas pensando no empate. O Grêmio teve o retorno de Baltazar ao ataque titular, mas também contou com a presença de Jurandir, que ajudava a recompor o meio-campo e se esforçava mais na marcação que Odair. O placar no Estádio Moisés Lucarelli, todavia, passaria longe da igualdade. O jogo teve cinco gols e duas expulsões, com a balança pendendo aos gremistas. O Tricolor venceu por 3 a 2 e deu um passo imenso à inédita final nacional.

Algo que ajudou a bagunçar o jogo foi o gol da Ponte Preta logo aos três minutos. Dicá cobrou falta e Lola completou de cabeça. Não era a desvantagem que fez o Grêmio sair ao ataque, porém. A Macaca seguiu melhor, até o empate tricolor aos 35. Baltazar foi o atacante solidário que tanto se pedia e rolou para Paulo Isidoro definir. E, antes que o intervalo chegasse, o árbitro realizou uma expulsão para cada lado, em decisão que os próprios jogadores não entenderam – Paulo Roberto e Abel foram para o chuveiro mais cedo.

Se a Ponte perdia um atacante, o Grêmio ficava sem um lateral. Ênio Andrade recompôs a defesa na volta para o segundo tempo, com Vantuir no lugar de Jurandir. E os tricolores estavam mais ligados para a virada de imediato, nos primeiros segundos da etapa final. A partir de um passe errado, Tarciso roubou a bola. Paulo Isidoro cruzou para Vilson Tadei cabecear e marcar. Os gaúchos seguiram melhores, com ótimas combinações entre Tarciso e Paulo Isidoro. E foi do Flecha Negra que saiu o terceiro tento, aos 20, num chute que contou com a colaboração de Carlos. Na sequência Lola até diminuiu para a Macaca, mas os gremistas permaneceram melhores, com uma bola na trave de Tarciso antes do apito final.

“Realmente, até os 26 minutos nós cometemos algumas falhas e a Ponte explorou os lançamentos às costas da zaga, com o deslocamento do Osvaldo e a presença do Dicá. Tomamos um gol, mas conseguimos equilibrar o jogo, empatamos, estivemos na frente e poderíamos ter feito mais, porque as chances existiram”, analisou Ênio Andrade, ao Zero Hora. Jair Picerni, por sua vez, dizia que o “pior erro da Ponte” foi sair para o ataque depois de sofrer o segundo gol, já que deu espaços aos contra-ataques gremistas e permitiu o terceiro tento.

O Grêmio convocou a torcida para lotar o Olímpico na volta. Tamanha era a expectativa que o Tricolor registrou o maior público da história do estádio: mais de 98 mil espectadores encheram as monumentais arquibancadas, com 85 mil pagantes. Sem o suspenso Paulo Roberto, Ênio Andrade trouxe Uchoa de volta à lateral direita. Enquanto isso, Renato Sá serviu de opção no meio, no lugar de Jurandir.

Precisando da vitória por pelo menos dois gols de diferença, a Ponte Preta mudou seu estilo de jogo. Atuou de maneira muito mais ofensiva e controlou a bola dentro do Olímpico. Os perigos não foram tão constantes, mas a posse de bola ficava com a Macaca, que empurrava o Grêmio para trás. Os tricolores teriam muitas dificuldades para atacar. Ainda assim, o trabalho defensivo prevaleceu e evitou um cenário pior. A Macaca ganhou por 1 a 0, o que não se tornou suficiente para impedir a classificação gremista e nem mesmo para estragar a festa daquela multidão que abarrotava o estádio.

A Ponte Preta precisou de apenas 20 minutos para abrir o placar. Celso cobrou uma falta na linha de fundo e Osvaldo saltou para definir de cabeça. O Grêmio não tinha sucesso em sua estratégia de cozinhar a partida e demorou para sair ao ataque. Quando o Tricolor tentou pressionar um pouco mais, antes do intervalo, Carlos segurou as pontas no gol. Já durante o segundo tempo, para evitar os riscos, os gremistas partiram para cima e tentavam o empate. Todavia, se expunham aos contra-ataques e quase viram os campineiros saírem com o segundo. Lola e Serginho levaram perigo. Já no fim, houve uma blitz pontepretana, que não adiantou. Por ter a melhor campanha nas fases anteriores, o Grêmio passou independentemente da derrota.

“Bastou o apito final para que explodissem os rojões. E a festa se esparramou pelas ruas num cortejo que misturou bandas mal orquestradas e buzinas de automóveis, invadindo a madrugada gaúcha. Jamais uma derrota foi tão comemorada”, descreveu a Placar, naquela semana.

Depois do jogo, o Grêmio comemorava e não dava desculpas pela atuação ruim, como ressaltou Paulo Isidoro ao Zero Hora: “Jogamos mal demais e por isso perdemos este jogo. Acho que o erro foi entrar no jogo da Ponte Preta: quando tentamos sair dele, não deu mais. Menos mal que mesmo com a derrota estamos classificados para a decisão do título. Grêmio e São Paulo são os melhores. O melhor ficaremos sabendo depois da decisão”. O mesmo faria De León: “O Grêmio perdeu porque jogou mal, jogou muito mal. Tomou o gol também porque jogou mal e não apenas porque a defesa falhou. Quando todo o time joga bem, a bola demora mais a chegar no nosso gol e, quando chega, chega com dificuldade, dando maior possibilidade para a defesa defender”.

O capitão Leão, ao Jornal do Brasil, ainda via o lado positivo: “Muitos podem ter achado que o Grêmio não teve força para vencer a Ponte. Mas acho que nossa equipe foi inteligente em campo. Tomamos um gol cedo e ficamos acuados em campo pela pressão da Ponte. No entanto, talvez até contrariando o desejo de nossa torcida, não incorremos no erro de sair desesperados na busca do empate. Afinal de contas, aquele placar nos daria a classificação, como acabou acontecendo”.

A classificação para a final, de quebra, confirmava o Grêmio na Libertadores de 1982 – pronto para fazer sua estreia continental. “Quando fui contratado, prometi que voltaria a disputar este grande título que ganhei pelo Nacional. Cumpri minha promessa”, diria De León, à Placar. Antes disso, porém, o foco era a decisão. E o favoritismo estava do outro lado, com o São Paulo. A incensada “Seleção do Morumbi”, de Carlos Alberto Silva, estava imparável nos mata-matas. Venceu os dois jogos contra o Santos nas oitavas e também os dois contra o Internacional nas quartas. A única derrota aconteceu no Maracanã, contra o Botafogo na ida da semifinal. O revés por 1 a 0 no Rio de Janeiro foi respondido com a grande virada por 3 a 2 em São Paulo, na qual os alvinegros ainda abriram dois gols de vantagem. Por terem a melhor campanha, os são-paulinos avançaram.

A decisão contra o São Paulo

Diferentemente das fases anteriores, a decisão não tinha vantagem prévia. Caso ocorressem dois empates ou uma vitória para cada lado com saldos iguais, uma terceira partida seria necessária. O São Paulo tinha a comodidade de fazer o segundo jogo no Morumbi e, se o compromisso extra acontecesse, também acabaria realizado no palco paulistano. O Grêmio era cauteloso até nas palavras.

“O São Paulo é a melhor equipe do futebol brasileiro, pois tem sete jogadores da seleção em seu time. A virada deles foi incrível contra o Botafogo. O negócio é estarmos tranquilos, vivermos o momento e os erros que aconteceram contra a Ponte só irão nos auxiliar”, afirmava Ênio Andrade, ao Zero Hora. Tarciso ia pelo mesmo caminho: “O São Paulo tem vários jogadores de Seleção, mas não acho que isso serve para estabelecer diferenças. Eu não digo que os nossos jogadores são melhores que os do São Paulo, mas também não são inferiores”.

Algo impensável para os dias de hoje, vários jogadores do Internacional manifestaram apoio ao Grêmio antes da final. Diferentes atletas afirmaram à imprensa preferirem um triunfo dos maiores rivais. Mário Sérgio, que depois faria história com a camisa gremista no Mundial, apontaria: “Eu me considero um jogador gaúcho e a rivalidade que existe entre Grêmio e Inter só vale quando os dois se enfrentam. Sou amigo de todos os jogadores do Grêmio e acho muito importante que tragam mais uma vez para o Rio Grande do Sul o título brasileiro”.

Antes da primeira partida, quatro jogadores seriam julgados pelo STJD e corriam o risco de serem suspensos por questões disciplinares. Todos acabaram absolvidos. O São Paulo se dava melhor ao confirmar Oscar, Zé Sérgio e Serginho Chulapa. O Grêmio, contudo, pôde contar com o termômetro Vilson Tadei. O meio-campista tinha pegado dois jogos de gancho, mas os gaúchos conseguiram um efeito suspensivo e se livraram do desfalque. Os tribunais, aliás, andavam agitados antes daquela final. O Botafogo tentou impugnar o duelo, após a eliminação nas semifinais. Os alvinegros pediam a anulação de seus dois últimos jogos e justificavam sua ação por conta de uma agressão ao árbitro, que ocorreu no intervalo do segundo embate no Morumbi. Seguranças do próprio São Paulo atacaram o juiz. No fim, a decisão ocorreu normalmente, apesar dos trâmites nos tribunais.

A decisão contra o São Paulo

O Grêmio teria força máxima para o primeiro encontro da finalíssima. Além da confirmação de Vilson Tadei, Ênio Andrade contaria com a volta de Paulo Roberto, mas preferiu manter Uchoa na lateral direita, um dos melhores contra a Ponte Preta no Olímpico. Já no ataque, o garoto Odair ganhou a preferência, com Renato Sá e Jurandir permanecendo como opções no banco. Com a escolha, Seu Ênio prometia mais velocidade e agressividade em Porto Alegre.

O jogo no Olímpico contou com uma atuação bastante positiva do Grêmio. Foi o retrato de uma equipe que ascendia e ganhava solidez a cada fase da competição. E que soube superar as dificuldades para vencer por 2 a 1, de virada, mesmo mantendo a superioridade desde o primeiro tempo. De fato, o Tricolor Gaúcho jogou para frente. As trocas de passes funcionavam e os gremistas acuavam o São Paulo. Mas não que isso tenha se refletido no placar de imediato. Pelo contrário, o jogo se complicou em duas oportunidades. Primeiro, aos 20 minutos, Baltazar desperdiçou um pênalti. Waldir Peres catimbou como de costume e o centroavante mandou para fora. Já aos 40, num cruzamento de Everton, Serginho abriu o placar aos são-paulinos com uma cabeçada na pequena área.

A volta ao segundo tempo gerou outros problemas. China e Leão precisaram ser substituídos. O goleiro sofreu uma pancada no rosto durante uma disputa com Paulo César e saiu de ambulância do Olímpico, com a entrada do reserva Remi. Nem isso abalou o Grêmio, que ficou ainda mais ofensivo com a incursão de Renato Sá na vaga de China no meio. O substituto seria um dos responsáveis diretos pela subida de produção na segunda etapa. Ênio Andrade viu sua aposta se pagar aos 20 minutos, num chute forte de Renato, que Paulo Isidoro desviou no meio do caminho para as redes. O empate, ainda assim, não era o que os gremistas mereciam.

A pressão aumentou na reta final, com o meio-campo do Grêmio se aproximando do ataque e arriscando bastante. De León mantinha a firmeza no miolo de zaga, Vilson Tadei ocupava a faixa central para desarmar e lançar, Tarciso dava trabalho a Marinho Chagas pela direita. Mas foi Paulo Isidoro a estrela que a torcida no Olímpico tanto aguardava, com uma dose de sorte. O ponta de lança também marcou o segundo. Servido por Baltazar, que havia dado até chapéu antes do passe, Isidoro arriscou da entrada da área. O tiro desviou em Darío Pereyra e Waldir Peres também falhou, ao tocar na bola em seu contrapé sem a firmeza necessária, o que permitiu o triunfo gremista aos 35 minutos. A confiança dos 61 mil presentes na saída do Olímpico era plena.

Paulo Isidoro, com toda razão, era um dos mais satisfeitos pela partida. “Deu tudo certo. No primeiro gol, o Renato Sá chutou e a bola bateu no meu pé antes de entrar. No segundo, chutei com força e o Waldir acabou enganado pelo estado escorregadio do gramado. O negócio agora é manter o mesmo espírito para o jogo a ser realizado no Morumbi”, comentou o meia, ao Zero Hora.

Também ao Zero Hora, Ênio Andrade ressaltava a postura de seus jogadores no segundo tempo, não apenas pela virada, mas também pela personalidade: “As lesões assustaram, é verdade, mas fui um técnico frio e confiei nos substitutos. No Remi, que vem treinando bem, e no Renato, que provou mais uma vez ser um jogador aplicado taticamente, mesmo que muitas pessoas pensem o contrário. Quanto ao De León, ele soube assimilar o papel de liderança exercido pelo Leão e manteve os companheiros tranquilos. Nós temos outro jogo no domingo e poderemos usar a mesma tática. O elemento surpresa deu certo. Vamos viajar com muita confiança. Mas com respeito e a certeza de que só conseguiremos a vitória se o time mostrar a mesma luta que mostrou hoje”.

Carlos Alberto Silva, por seu lado, se mostrava mais incomodado com os erros do São Paulo, em conversa com a Folha: “Foi uma derrota normal. Penso que sobrou ao Grêmio o que faltou ao São Paulo: sorte nas finalizações. É certo que eles desperdiçaram um pênalti, mas o gol que o Serginho perdeu no segundo tempo, quando estávamos vencendo por 1 a 0, mudou a história do jogo. O juiz? Não comento as arbitragens, não adianta insistir”. Arnaldo Cézar Coelho, por sinal, não agradou os são-paulinos no apito. Marinho Chagas deixou o campo chamando o árbitro de ladrão. Pior, fazia ameaças a José Roberto Wright, que apitaria no Morumbi – algo ainda mais grave considerando as agressões ocorridas na semifinal contra o Botafogo.

Depois do excelente resultado, a preocupação maior era com Leão, que saiu do campo ao hospital e passou a noite realizando exames. “Estou curioso para ver como foi o Grêmio, como foi a reação para essa grande vitória. Não quero ver só os gols, quero ver tudo. Não me lembro de nada, nem do lance em que fui atingido. A única coisa que me lembro é da maca me carregando para dentro da ambulância. Fui atingido com violência um pouco acima do supercílio, mas o corte não me preocupa. Se fosse só isso eu jogaria tranquilamente. O Vilson Tadei também está com um corte na testa e continua jogando. O problema é dentro da cabeça. E aí quem pode dizer alguma coisa é o neurologista. Se ele disser que posso jogar, eu jogo”, diria Leão.

Quem também gostou do que viu foi Telê Santana. O treinador da Seleção, que levou o Grêmio ao fim do jejum em 1977, elogiou bastante o rendimento dos anfitriões ao Correio do Povo: “O Grêmio está muito melhor, é um time com maior estrutura, harmonia. Só não aproveitou as chances que teve. O 1×0 não refletia a superioridade da equipe mais coesa e ordenada. Já no primeiro tempo, o Grêmio somou muito mais do que o adversário. E acabou vencendo, merecidamente. Continuou sendo um time que soube atacar e que teve a capacidade de recuperação, mesmo desperdiçando uma penalidade máxima. Aliás, foi uma das melhores apresentações do Grêmio que assisti nos últimos tempos. Repetindo em São Paulo, fatalmente será o campeão”.

A história se cumpre no Morumbi

O Grêmio tinha boas notícias para o jogo no Morumbi, três dias depois. Leão acabou liberado pelo departamento médico, assim como China. Ênio Andrade decidiu manter a formação da primeira partida, com Odair no ataque. Apenas precisou colocar Paulo Roberto na lateral, já que Uchoa (de boa atuação no Olímpico novamente) estava suspenso. Já o São Paulo entrava com Élvio no lugar de Almir no meio-campo. De resto, os principais destaques estariam presentes para tentar a virada no Morumbi. Não conseguiriam, com o 1 a 0 favorável aos gremistas, selando o título.

O São Paulo tinha a iniciativa, mas não calma o suficiente no Morumbi. O Grêmio se defendia muito bem e impedia qualquer susto dos são-paulinos. Podiam acontecer erros pontuais, mas o sistema funcionava muito bem e era isso que imperava. Casemiro, em especial, conseguia parar o perigoso Paulo César pelo flanco esquerdo da defesa. Quando Everton teve espaço para invadir a área, parou em uma grande defesa de Leão, no melhor lance do primeiro tempo. Do outro lado, Waldir Peres trabalhou até mais, pegando duas bolas quentes em chutes de longe. Diante da inaptidão de sua equipe, precisando pelo menos da vitória simples para forçar o terceiro jogo, Carlos Alberto Silva trocou o meia Everton pelo atacante Assis no segundo tempo. Ênio Andrade mandaria Renato Sá na vaga de Odair e, mais uma vez, sua escolha teria impacto direto no resultado.

O gol do título, aos 20 minutos da etapa final, nasce num lance trabalhado por Paulo Isidoro. O meio-campista abre com Paulo Roberto e o garoto cruza da direita, mesmo na intermediária. Renato Sá briga pela bola na área e apara a Baltazar na meia-lua. O centroavante, tão criticado durante a campanha, que correu o risco de se tornar vilão pelo pênalti perdido no Olímpico, terminaria como o grande símbolo da conquista. O Artilheiro de Deus matou no peito, pegou na veia e mandou no ângulo, sem dar chances a Waldir Peres. Um golaço. A partir de então, ficou ainda mais fácil ao Grêmio, que poderia até sofrer um gol que ainda assim ficaria com o troféu. A entrada de Jurandir no lugar de Vilson Tadei, sem as melhores condições físicas, também auxiliou a marcação. O São Paulo parecia perdido.

Por mais que chegasse, o São Paulo terminou travado pela defesa do Grêmio. No principal lance, Serginho  Chulapa driblou Leão, mas a zaga se fechou na pequena área e conseguiu impedir a finalização. Já o sinal maior do descompasso são-paulino veio aos 44, quando as esperanças já se esvaíam. Num lance em que Leão gastava o tempo, Serginho deu um tranco no corpo do goleiro e o derrubou. José Roberto Wright deu o cartão vermelho direto. Calmamente, Chulapa caminhou até o caído Leão e deu leve chute no rosto do goleiro, o que gerou ainda mais confusão. Pouco depois, o apito final soou para desatar a comemoração gremista no Morumbi. Ninguém tiraria a taça dos gaúchos.

Na saída de campo, Ênio Andrade era exaltado por reinar no Brasileirão pela segunda vez em três anos. Falaria ao Zero Hora: “Foi a vitória da aplicação, amigo. O time lutou bastante, envolveu o São Paulo e chegou a um resultado positivo com muitos méritos. O São Paulo veio diferente, recuando o Serginho e criando espaços para as penetrações do Renato e do Everton. No segundo tempo, no entanto, nós corrigimos isso e começamos a dominar a partida sem maiores problemas. Tomamos mesmo conta do adversário com o Paulo Isidoro e com o Tarciso, que desmontaram o lado esquerdo da defesa deles. Poderíamos até marcar outros gols. Não se esqueçam de que o Grêmio enfrentou o São Paulo quatro vezes nesta Copa de Ouro e ganhamos em três oportunidades. Um retrospecto positivo, não é?”.

“Você me pergunta por que eu me dou tão bem com os jogadores, não é? Ora, isso é fácil de se explicar. É que eu também fui um jogador. Vivi tudo o que eles vivem agora e até me sinto com capacidade para dar conselhos aos meus comandados. Meus jogadores, amigos, colegas de trabalho”, complementaria Seu Ênio. “Os jogadores do Grêmio sentiram que poderiam ganhar o título quando venceram o Operário fora de casa. Já em Limeira, quando perdemos, todos os jogos passaram a ser decisivos. O pessoal entendeu isso, redobrou os esforços e até mesmo a confiança. Por isso, não me surpreendi muito com a vitória no Morumbi, como muitos. Prefiro afirmar que isso estava dentro dos nossos planos. Os planos de um time muito aplicado e formado por jogadores de qualidade e fibra”.

Herói da noite, Baltazar falava ao Zero Hora sobre sua redenção particular naquelas finais: “Foi um gol de justiça, que demonstrou todo o esforço do Grêmio para vencer. Graças a Deus eu fiz este 1 a 0, que nos deu o título. Estou satisfeito e agradecido por tudo isso. Tivemos muito trabalho para vencer, mas valeu a pena. Foi um trabalho de equipe, uma vitória de todo o grupo, onde todos merecem ser elogiados. Nossos esforços tiveram uma grande recompensa, que é este título. Quando errei aquele pênalti, fiquei triste, mas creio que agora me recuperei. Fiz o gol que nos deu a vitória e a garantia de que somos os melhores do Brasil, e este título ninguém nos tira”. Com o fim de seu contrato dias antes, o centroavante só entrou em campo após fazer um seguro, prática comum na época. O golaço na final fazia seu novo vínculo valer ainda mais.

À Folha de S. Paulo, Baltazar detalhou o sentimento pelo golaço: “Incrível ter acertado tão bem na bola. Ela entrou na gaveta, goleiro nenhum defenderia. Deus me abençoou… Quando Paulo Roberto desceu pela direita, pedi que ele cruzasse. A bola veio alta, o Renato Sá pulou com o Getúlio e ela sobrou para mim. Aí chutei com força, na veia. Nunca tinha feito um gol tão bonito. Tinha marcado um importante no Gre-Nal de 79. Mas esse… Foi uma emoção inacreditável. Na hora, pensei em muitas coisas. No título, na Myrna, com quem sou casado há um ano e quatro meses. Sabe, ela me dá a maior força, assiste às partidas que jogo no Olímpico. E agradeci a Deus por ter sido tão bom comigo”.

Baltazar e a taça

Paulo Isidoro era outro que saía com moral do Morumbi. O craque tomou conta do meio-campo, não apenas iniciando as jogadas do Grêmio, como também dando combate. Acabaria com a Bola de Ouro da revista Placar naquela edição do Brasileirão: “O Paulo Isidoro das decisões é outro. Esta vitória, que não consegui quando estava no Atlético Mineiro, tive agora no Grêmio. E com muita garra e luta, apesar de algumas más partidas. Por isso dedico este título ao torcedor gremistas e também à minha mãe, que me incentivou muito para vir jogar no Rio Grande do Sul”.

De León, por sua vez, erguia seu primeiro troféu no Grêmio. Tomaria gosto por aquelas conquistas, pronto a levar os tricolores ao topo da América pouco depois. E o peso do uruguaio é inegável, considerando sua liderança numa linha de zaga que precisou recorrer aos garotos, sobretudo na reta final da campanha. “Isso não é sorte, é puro trabalho. Nós conseguimos conquistar este título com muita dedicação e garra, pois ganhamos de uma equipe que se considerava campeã por antecipação. Assim, ficou provado para todo Brasil que, com vontade e trabalho sério, se chega a um título importante”, disse, ao Zero Hora. Complementou à Folha: “O Grêmio ganhou marcando o adversário no campo todo, marcando sob pressão e tendo vergonha na cara. Essas são as armas do Grêmio. E não me venham com essa história de que o outro é melhor tecnicamente. Aprendi que, no futebol, o melhor é quem ganha. E o Grêmio é que é o campeão”.

O veterano Tarciso fazia questão de ressaltar a mudança de ambiente em relação a outras edições do Campeonato Brasileiro, dando créditos principalmente ao diálogo estabelecido por Ênio Andrade: “Nos outros anos, quando havia algum fato negativo, a confiança se abalava e a casa caía. Este ano, houve derrotas incríveis e ninguém se desesperou, porque prevaleceu a força de vontade transmitida pelo comandante aos comandados através do diálogo firme e honesto”.

Talismã, Paulo Roberto experimentava o máximo com menos de dez partidas na equipe principal: “Nem sei como me sinto. Só posso dizer que estou emocionado. Ainda sou amador e tenho mais dois anos de juniores. Joguei oito partidas nos profissionais e pude sagrar-me campeão brasileiro. Acho que é o melhor começo de carreira que um jogador pode ter. Isso que está acontecendo comigo é a melhor coisa da minha vida. Antes do jogo todo mundo falava que ia ser difícil marcar o Zé Sérgio. Seria perigoso e tudo mais. E eu procurei não falar nada, e sim mostrar dentro de campo. Deu tudo certo porque consegui marcar o ponta da Seleção e não perdi para ele”.

Telê Santana, à Folha, guardava elogios especiais a Paulo Isidoro: “Olha, o neguinho é fogo mesmo. Veja sua colocação dentro de campo. A bola sempre para em seus pés. É impressionante. Também ele se coloca muito bem e dribla com habilidade. É muito liso. Para derrubá-lo, só fazendo falta, do contrário ele vai em frente”. Indicava, entretanto, preocupações sobre Chulapa: “Vou ter que conversar com o Serginho. Isso não pode acontecer entre dois colegas de profissão. Todos os jogadores do São Paulo ficaram muito nervosos, com dificuldade de sair do meio-campo para o ataque. Por outro lado, o Grêmio não permitiu ao São Paulo muita mobilidade. O time gaúcho me pareceu mais tranquilo dentro da partida, apesar de muitos jogadores novos. Eu sinceramente gostei”.

Quem não levaria na boa era Leão, ainda irritado com Chulapa, ao conversar com a Folha: “O Serginho é um cafajeste. O que ele me fez não se faz nem com um animal. Ele me chutou o rosto e ainda me perguntou se eu estava satisfeito com isso. Ele sabia muito bem que eu estava com o supercílio ferido e tentou me acertar o jogo inteiro. O Serginho é um jogador que já ficou suspenso um ano. Devia saber, por isso mesmo que não deve agir assim. Olha, no fim da história, eu ainda o perdoo, mas não sei se a sua própria consciência irá perdoá-lo”. Segundo o jornal, o goleiro ainda prometia “pegar esse cara” em conversa com o técnico Ênio Andrade depois da agressão.

A icônica comemoração de Baltazar

Curiosamente, o Grêmio não pôde erguer a taça no Morumbi. Por conta do imbróglio envolvendo a semifinal entre São Paulo x Botafogo, com o recurso dos alvinegros ainda em trânsito, a CBF preferiu não se comprometer e o campeão ficaria sem troféu. Somente durante o Campeonato Gaúcho é que aconteceu a entrega do prêmio. Isso não impediu, porém, que os tricolores tomassem as ruas de Porto Alegre na comemoração e fizessem também um carnaval no interior do Rio Grande do Sul. O Parque Moinho dos Ventos, onde ficava o Estádio da Baixada e serviu de marco aos primórdios da agremiação, virou um simbólico ponto de encontro em meio à celebração. A história estava escrita e todos queriam vivê-la.

“Na noite histórica de 3 de maio a nação gremista saiu às ruas e tomou conta de todo o Rio Grande do Sul. Eram homens, mulheres e crianças identificados pelas camisas azuis, pretas e brancas, irmanados por uma loucura total e contagiante”, escrevia a reportagem da Placar, na semana seguinte. “Loucura – é o mínimo que se pode dizer para sintetizar os sentimentos que essa nação gremista soltou no melhor dia dos 77 anos do clube, o dia em que o Grêmio chegou pela primeira vez ao título de campeão brasileiro. É impossível descrever de outra forma aquela massa que se deslocava aos milhares em direção ao aeroporto Salgado Filho para receber os novos heróis do Rio Grande cantando o refrão do hino gremista com um ufanismo comovente”.

O Campeonato Brasileiro de 1981 pode não ser a conquista mais celebrada do Grêmio no período e muitos dos jogadores presentes naquele título não ficariam por tanto tempo no clube. No entanto, aquela campanha pode ser considerada como um marco, não apenas por garantir a primeira taça nacional aos gremistas, como também por antecipar a era gloriosa que se complementaria com um vice no Brasileirão em 1982, a inédita Libertadores em 1983 e o ápice no Mundial. Se o fim do jejum em 1977 carrega uma representatividade muito grande, o que se viveu no Olímpico em 1981 mostrou como o Tricolor estava pronto a ambições maiores. Não existiriam mais limites ao clube.

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Além dos arquivos de jornais e revistas disponíveis online, outras fontes imprescindíveis ao trabalho foram os sites Gremiopédia e Grêmio 1983 – este, com um incrível acervo sobretudo do Zero Hora e do Correio do Povo, que não são disponibilizados pelos próprios periódicos. Fica a sugestão a quem quiser se aprofundar mais.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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