Maurício Noriega: Caixinha de gratas surpresas
O Red Bull Bragantino do discreto treinador português Pedro Caixinha precisa ser mais reconhecido do que é
Muita gente no Brasil torce o nariz para o projeto de futebol da Red Bull. Principalmente depois da compra do Bragantino para acelerar o processo de chegada da marca à Série A do Brasileirão, realização que o time próprio não alcançava. Também há quem não aceite a ideia de que uma empresa tenha um time de futebol em um ambiente de clubes teoricamente sem fins econômicos.
Talvez seja por isso que a sensacional campanha do Red Bull Bragantino no Campeonato Brasileiro não ganhe holofotes da forma que deveria. Mais até do que o fato de que o clube adquirido pela empresa ser de pequeno porte, ainda que tradicional no interior paulista. Pode ser que essa falta de barulho também se deva ao perfil discreto do português Pedro Caixinha, treinador que comanda a comissão técnica do projeto.
Caixinha tem comportamento oposto ao de outros conterrâneos que cruzaram o Atlântico para trabalhar no futebol brasileiro. Educado, calmo, fala mansa, didático. Não tem arroubos de vaidade como Jorge Jesus, não conta histórias da Carochinha como Vítor Pereira e nem protagoniza os chiliques de Abel Ferreira. Claro que o trabalho num clube de perfil empresarial e sem 1% da pressão e cobrança de Flamengo, Corinthians e Palmeiras contribui para esse tipo de comportamento.
Mas é em campo que o trabalho de Caixinha fala mais alto. Sem craques ou jogadores de renome, o Red Bull Bragantino é o melhor time do returno do Brasileirão, somando 20 pontos, dois a mais que o Flamengo e oito à frente do Botafogo, a quem persegue como vice-líder, a sete pontos de distância. Em suas últimas nove partidas, o time de Bragança, antigamente conhecido como Massa Bruta, venceu seis, empatou duas e perdeu uma. Nos duelos contra times apontados como postulantes ao título, amassou o Flamengo e derrotou Palmeiras, Grêmio e Fluminense.
O time de Caixinha tem um perfil definido. Gosta de jogar com a bola e aplica uma marcação forte no adversário para recuperar a pelota o mais depressa possível. Chega junto, mas de forma leal. É o chamado time chato, que não deixa o adversário respirar. Caixinha utiliza o sistema 4-2-3-1 com mais frequência, embora também opte pelo 4-3-3. No Brasileiro, tem média de 79,4% de passes certos por jogo, sofre menos de um gol por partida (0.9), faz 17,8 desarmes por apresentação e recupera 66,4 bolas. É a equipe que mais chuta por partida, média de 16,5, e a que mais acerta chutes: 5,7. Faz tantas interceptações quanto o Botafogo, ficando atrás estatisticamente: 11,7 contra 11,2. Das 28 partidas realizadas, ficou 14 (metade) sem sofrer gols (marca igual à do Botafogo).
Em entrevista recente ao Flow Podcast, Caixinha tocou, com sua habitual elegância, em um ponto polêmico: a inteligência para jogar. Segundo ele, numa comparação entre jogadores brasileiros e portugueses, os brazucas seriam mais intuitivos e os lusitanos teriam uma inteligência emocional mais apurada para entender o jogo.
O desempenho do grupo de jogadores comandados por Caixinha comprova essa tese. O funcionamento coletivo é o destaque. Um atleta que exemplifica essa compreensão tática do jogo é Eduardo Sasha. Atua como o atacante mais avançado em algumas situações e também joga recuado numa linha de três meias atacantes. Sabe se deslocar, ocupa essa faixa de campo onde atuam três meias no 4-2-3-1 trafegando de lado a lado. Tem participação em 12 gols na temporada – marcou 10. Sasha tem 31 anos e 1m73, jamais foi apontado como grande revelação, promessa ou chamado de craque. Mas sabe entender sua importância para um sistema de jogo e adapta-se rapidamente às necessidades quando esse sistema precisa ser alterado, muitas vezes durante a partida.
É essa análise educada e discreta que Caixinha fez das diferenças entre o comportamento exuberante do boleiro verde-amarelo, que encanta, e uma dimensão mais tática dos verde-lusos que ele consegue implantar com excelente resultado em Bragança Paulista.
O projeto encomendado a Caixinha não previa a conquista do Brasileiro nesta temporada. Ainda que seja difícil, ela é possível. Sete pontos atrás do Botafogo, o Braga recebe o atual líder em 12 de novembro. Antes disso, tem pela frente Galo, em casa, Flamengo e Goiás fora, Corinthians em casa e São Paulo fora. Tabela dura. O Fogão terá pela frente Fortaleza (jogo adiado) fora, Cuiabá e Palmeiras em casa, Vasco como visitante e Grêmio em casa. Uma tabela mais confortável na teoria, sem sair do Rio por quatro rodadas antes de encarar Caixinha e suas gratas surpresas.