John Textor chega ao Botafogo com relações anteriores no futebol, mas trabalhos muito recentes para traçar perspectivas
Textor virou acionista do Crystal Palace em agosto, quando auxiliou o clube a contornar perdas causadas pela pandemia, e teve um negócio que não saiu do papel com o Benfica

Ver notícias importantes do futebol surgindo na véspera do Natal não é algo comum. O Botafogo, no entanto, resolveu “presentear sua torcida” com uma confirmação que grande parte dos alvinegros esperou durante os últimos meses: o clube chegou a um acordo para vender ações de sua SAF a um novo dono, o americano John Textor – cabendo agora à Assembleia Geral votar a aprovação. Apesar da animação de muita gente ao redor, especialmente pelas dificuldades nos últimos anos e pelo tamanho da dívida, a confirmação precisa ser vista com muitos cuidados e ressalvas – assim como diante do que aconteceu com o Cruzeiro. Mas, num momento em que a equipe ganha novas perspectivas com a conquista recente da Série B, o negócio acaba comemorado com parte significativa dos botafoguenses.
Desde o início do projeto da SAF no Brasil, o Botafogo se colocou como um dos clubes mais interessados. As expectativas de torcedores endinheirados do clube se tornarem investidores animou bastante num momento de desesperança no Brasileirão, mas o rebaixamento afastou os planos. O novo acesso abre o horizonte. Ainda assim, é uma aposta alta a realizada. A possível venda de 90% das ações deixa o clube nas mãos do novo proprietário e sem tanta margem de manobra com as próprias pernas, ainda que a estimativa de investimento chegue a R$400 milhões.
A notícia da SAF vem com a possibilidade de injeção financeira, de sanear a dívida e também com a chance de uma gestão mais racional que muitos dirigentes não foram capazes. O mundo ideal dos torcedores, porém, nem sempre é o mundo ideal dos proprietários. Ainda é muito cedo para dizer se o negócio será um sucesso ou não, já que há poucas certezas sobre as capacidades do novo dono e de suas próprias intenções com o Botafogo. Fato é que, se um caminho se abre, os botafoguenses se contêm neste momento mais às esperanças do que realmente aos indícios de que um bom trabalho será feito. Por enquanto, tudo é teoria.
Mesmo a relação de John Textor, proprietário da Eagle Holding, com o futebol não é firme o suficiente para se fazer previsões. O americano é apresentado como um dos donos do Crystal Palace, mas, é bom deixar claro, ele não fez parte do processo de reconstrução das Águias durante os últimos anos. O Crystal Palace, tal qual outros clubes ingleses, atravessou sérios problemas financeiros em 2009/10. O clube foi colocado sob intervenção judicial por conta de suas dívidas e, na época, perdeu dez pontos na Championship. Diante da situação claudicante, vendeu jogadores importantes e correu riscos de ser rebaixado para a terceira divisão, com a salvação apenas na última rodada. Antes dos americanos, o Palace foi resgatado por torcedores.
A reconstrução do Crystal Palace aconteceu a partir do consórcio CPFC 2010, que comprou o clube naquele momento. O empresário Steve Parish liderava o grupo de quatro torcedores endinheirados que adquiriu os direitos das Águias. Enquanto isso, a torcida do Palace, uma das mais ativas da Inglaterra, também teve seu papel para realizar mobilizações e impedir que a liquidação das dívidas fizesse o clube perder o estádio Selhurst Park. Considerando o estado em que as finanças se encontravam, a reconstrução seria relativamente rápida. O retorno à Premier League aconteceu em 2013/14 e, desde então, os londrinos permanecem na primeira divisão, mesmo se mantendo como um time da metade inferior da tabela. E essa estabilidade contribuiu para a chegada dos investidores americanos. Josh Harris e David Blitzer foram os primeiros, em 2015. John Textor veio em agosto de 2021, com novas perspectivas de injeção financeira em meio a um momento de crise econômica.
John Textor pagou £87,5 milhões para se tornar proprietário de 18% do Crystal Palace – fatia que, em algumas fontes, é apontada como de 40%. Segundo informações do jornal The Guardian, o dinheiro seria usado para reduzir as dívidas das Águias (com déficit de £61 milhões em 2019/20 por causa da pandemia), bem como para o desenvolvimento do clube. Parte do investimento seria usado em estrutura, para reformar Selhurst Park e construir um novo setor de arquibancadas. Também se destinaria para finalizar o centro de treinamentos dedicado às categorias de base, fonte importante ao clube. A promessa ainda era de garantir novos reforços no mercado de transferências.
Patrick Vieira já tinha acertado como técnico do Crystal Palace antes do negócio ser fechado com Textor. Enquanto isso, a janela de verão resultou em gastos superiores aos de clubes de mesmo porte no meio da tabela. Foram pagos €73 milhões em novos jogadores pelas Águias, embora cerca de €50 milhões tenham sido desembolsados ainda durante as conversas com o empresário americano. O clube também fez cortes significativos em sua folha salarial, ao não renovar com alguns medalhões. E que as finanças do Palace tenham se tornado mais robustas para superar as perdas causadas pela pandemia, ainda não há um salto de desempenho em campo que permita ver uma mudança significativa. O time ocupa o 11° lugar na tabela, uma posição média diante do que foi vivido nos últimos oito anos de Premier League.
Antes de comprar as ações do Crystal Palace, John Textor teve flertes com outros clubes de futebol. O americano teve seu nome ligado na imprensa inglesa a Newcastle, Watford e Brentford. Também chegou a um princípio de acordo para comprar 25% das ações do Benfica, pertencentes ao empresário José António dos Santos, num negócio que naufragou em meio ao escândalo de corrupção envolvendo também o ex-presidente Luis Filipe Vieira. Entre as acusações de fraude que levaram à prisão do dirigente estava a maneira como o contrato-promessa com Textor foi assinado por baixo dos panos, sem comunicar a agência reguladora de Portugal e o restante dos acionistas da SAD do Benfica. Por conta desse negócio, com superfaturamento suspeito a Dos Santos, o Ministério Público desencadeou a operação que prendeu envolvidos.
Mesmo com a prisão de Vieira, Textor manteve suas conversas com o Benfica. O negócio enfrentaria a resistência de torcedores, por temor em relação à perda de autonomia, e seria barrado pelo conselho do clube. Meses depois, em outubro, o americano se reuniu com a nova diretoria encabeçada por Rui Costa, mas sem novos progressos. O americano também negocia atualmente com o RWD Molenbeek, clube tradicional da Bélgica que possui categorias de base famosas, mas que passou por diversos problemas financeiros nas últimas décadas e figura na segunda divisão. Além disso, o envolvimento do americano com o futebol se concentra no FuboTV, um serviço de streaming esportivo que ele adquiriu em 2020, e na academia FC Florida, estabelecida há mais de 20 anos para a formação de jogadores.
A fortuna de Textor vem de seu trabalho com tecnologia, sobretudo ligada à indústria cinematográfica. O americano já foi descrito na revista Forbes como “Guru da Realidade Virtual em Hollywood”, também com trabalhos com hologramas e inteligência artificial. Em contrapartida, mesmo o principal negócio de Textor na área, a empresa Digital Domain, entrou em processo falimentar e causou perdas milionárias aos seus investidores. A companhia foi vendida em 2012 e o ex-proprietário chegou a ser processado pelos prejudicados, mas acabou inocentado pela justiça. Desde então, ele se recuperou com outras empresas da área.
Pela maneira como Textor já se endereçou a torcedores do Crystal Palace e do Benfica, o magnata se prontificou a investir na estrutura dos clubes e no próprio investimento em mídias digitais. Seu trabalho no departamento de futebol e mesmo na gestão de recursos, por enquanto, não oferece tantos indícios assim do que ocorrerá em General Severiano. Na época do Benfica, existiam especulações de que o americano poderia usar os encarnados como uma ponte para o fortalecimento do Palace, algo que também é passível de ocorrer no Brasil ou com o RWD Molenbeek. No momento, o Botafogo necessita de passos firmes para contornar suas dívidas e ver um crescimento paulatino em campo que não comprometa o avanço que foi o acesso na atual Série B. Textor é quem assume as rédeas, ainda que os 90% em suas mãos precisem chamar mais atenção que os R$400 milhões prometidos.