Racismo na Arena MRV: Cruzeirenses e atleticanos apresentam versões diferentes
Um torcedor do Atlético-MG filmou um cruzeirense fazendo gestos apontados como racistas, mas torcedores celestes afirmam que foi o atleticano quem cometeu ato criminoso
A denúncia de um suposto caso de racismo sofrido por um torcedor atleticano durante o clássico do último domingo (22), entre Atlético-MG o Cruzeiro, na Arena MRV, ganhou repercussão nesta quinta-feira (26). A notícia, veiculada pela Rede Globo, é baseada num vídeo gravado do meio da torcida alvinegra, onde Celso Guilherme Procopio de Morais, conhecido popularmente como Veron Guilherme, assessor parlamentar e o torcedor autor da filmagem, mostra um senhor apontando para a própria pele e fazendo sinal negativo com as mãos. O autor das filmagens repete: “Racista, mostrando a cor da pele, racista, aquele senhor de branco”.
De acordo com a reportagem da Rede Globo, as filmagens feitas por Veron foram encaminhadas à Polícia Civil, que investigará o caso. O acusador disse, ainda, não conhecer o senhor filmado fazendo os gestos.
DENUNCIA DE RACISMO NA ARENA MRV
Torcedor do Atlético-MG denunciou um torcedor do Cruzeiro por injúria racial.
Vídeo foi entregue a Polícia Civil.
Globo Minas 📰
— Diário de Torcedor (@DiarioGols) October 26, 2023
Após a veiculação da matéria, um grupo de amigos cruzeirenses, que estava ao lado do homem acusado, procurou a reportagem da Trivela para contrapor a denúncia. Segundo eles, foi o acusador, na verdade, quem cometeu o ato de racismo. Eles alegaram, ainda, que outro atleticano também foi racista, antes do momento da discussão que rendeu as filmagens.
Na versão dos torcedores do Cruzeiro, cerca de 1h30 antes da partida começar, um torcedor atleticano, este não identificado, fez gestos imitando um macaco para um adolescente que fazia parte do grupo de torcedores celestes.
O adolescente que afirma ter sofrido racismo — que preferiu não se identificar por ainda ser menor de idade — relatou que percebeu claramente os atos do homem. Segundo ele, seu sentimento ao passar por essa situação foi de indignação.
— Eu tenho certeza que se tiver alguma câmera dá para ver o gesto que ele fez para mim — disse o adolescente.
Guilherme Olimpio, um dos torcedores do grupo de cruzeirenses, afirmou que logo após o ato, chegou a publicar uma foto do homem no Twitter, mas apagou, temendo represálias.
— Todo mundo que estava na arquibancada viu. O Vinícius, primo do garoto que sofreu o racismo, estava até chorando, muito indignado — contou Guilherme.
O Vinicius, citado por Olimpio, é Vinicius Araújo. Ele falou à reportagem da Trivela o que viu naquela tarde na Arena MRV.
— O que eu vi foi um senhor um pouco acima do peso, barbudo, que parecia estar de óculos, apontando para o meu primo e imitando um macaco. Não tenho muito o que dizer. Não é possível que o estádio mais tecnológico da América Latina não tenha câmeras que peguem a torcida. Não tem base — falou o jovem.
Dois atos racistas
O grupo de cruzeirenses alegou que foram duas situações da racismo. A primeira delas, que ocorreu antes da partida, teria feito pelo homem acima do peso e de barba, apontado por Vinícius. Já depois da confusão, quando os vídeos que foram ao ar na Rede Globo estavam sendo gravados, já após os seguranças serem chamados, Heitor Gomides, um dos torcedores do Cruzeiro, afirmou ter visto Veron Guilherme, com a camisa do Estudiantes, também fazendo gestos racistas, tal qual o primeiro torcedor, ainda não identificado.
A linha de acontecimentos relatada pelos cruzeirenses é:
- Após chegar ao estádio, o adolescente sofre racismo de um torcedor atleticano não identificado;
- Eles chamam a segurança, mas o torcedor se esconde em meio ao público, não sendo encontrado novamente;
- Já com os seguranças no parapeito procurando o autor dos primeiros atos inicia-se nova discussão;
- Durante essa discussão, Veron teria feito gestos racistas, o que motivou Henrique Gomides a filmá-lo;
- Percebendo que estava sendo filmado, Veron e uma mulher ao seu lado também começam a filmar, sendo este o momento em que o atleticano acusa o senhor cruzeirense de racismo;
- Depois disso a discussão se dispersou, os cruzeirenses voltaram para o seu lugar e o caso só voltou à tona na quinta-feira (26), após a veiculação da reportagem na Rede Globo.
Heitor Gomides afirmou que ao ver o atleticano filmando, achou que ele era quem estava sendo gravado.
— Eu comecei a gravar o cara com a camisa do Estudiantes e a mulher que estava ao lado dele pediu para ele filmar de volta, tanto que achei que estavam me gravando. Agora, vendo a matéria, eles acusaram um senhor que não estava fazendo nada. Antes disso estávamos trocando farpas, ele mostrando a camisa do Estudiantes, eu mostrando que tínhamos duas Libertadores, tudo sadio até o momento em que ele fez os gestos racistas. O cara é maluco — disse Gomides.
Senhor acusado teria dito ‘Racismo não’
O grupo de cruzeirenses afirmou ter procurado a Trivela após tomarem conhecimento da veiculação da reportagem, a qual consideram absurda. Segundo eles, o senhor acusado por Veron Guilherme apontava para a pele e fazia sinal negativo dizendo “Racismo não”, em ato de repúdio aos gestos feitos pelo atleticano. Michelle Mara Meneghetti, estudante de 19 anos, aparece na filmagem divulgada ao lado do senhor acusado de racismo. De acordo com a jovem, que é negra, em momento algum o homem cometeu crimes raciais.
— Eu era a mulher preta do lado do senhor. A história é a seguinte: assim que chegamos ao estádio, um torcedor do Atlético imitou um macaco, direcionando para um de nossos amigos pretos. Nós ficamos muito indignados e procuramos os seguranças do estádio. Eles então nos sugeriram ir até a delegacia do estádio registrar o Boletim de Ocorrência — contou.
Mesmo com a orientação, o grupo de amigos decidiu não ir ao estádio por temor de perder a partida. De acordo com Michelle, em 2019, ela passou por uma situação onde precisou ir até a delegacia do Mineirão registrar um Boletim de Ocorrência (B.O.), mas pela demora, acabou perdendo toda a partida. Segundo ela, sem querer correr esse risco e tremendo pela situação do adolescente vítima do racismo — que teria que ir acompanhado de no máximo mais uma pessoa para a delegacia — ficou decidido, com orientação dos seguranças, que o garoto passasse seus dados e que a equipe de segurança pegasse os dados do atleticano para que o B.O. fosse registrado posteriormente.
Michelle contou que voltando para a arquibancada, o grupo tentou localizar o homem das primeiras agressões, mas esse se escondeu. Impedindo que fosse encontrado. Por isso, de acordo com a jovem, o B.O. não foi registrado. Porém, com a repercussão do caso, ela afirma que se for da vontade do adolescente, eles irão procurar uma delegacia.
Vinícius Araújo, primo do jovem, conta que o B.O. não foi feito pois o adolescente não queria perder o jogo.
— Eu queria ir na delegacia mas ele não queria perder o jogo. Nós também perdemos o cara de vista, então como íamos denunciar sem saber o suspeito? — disse Araújo, que disse estar totalmente transtornado com o acontecido.
“Acreditar nisso é brigar com a imagem”
Nas arquibancadas, num local diferente de onde iria assistir o jogo, pelo fato de ter ido procurar o homem, Michelle afirmou que pediu um isqueiro emprestado para esse senhor que, vendo a agitação do grupo, perguntou o que tinha acontecido. Após tomar conhecimento da situação, o homem se indignou e, neste momento, o grupo de amigos avistou o sujeito acusado de racismo. O senhor então teria apontado para o braço, feito sinal negativo e repetido diversas vezes “Racismo não”, momento esse em que o atleticano teria começado a gravar revertendo a acusação para o homem.
— A gravação é muito precária. Se fosse de melhor qualidade mostraria ele dizendo “Racismo não”. Esse torcedor com a camisa do Estudiantes se aproveitou de alguém que não tinha nada a ver com a história. Acreditar nisso é brigar com a imagem, que é clara — disse, indignada.
— Eu sou uma mulher preta, já passei por casos como esse, todos traumáticos. Eu jamais passaria pano para tal ato, mesmo que tivesse sido feito por um torcedor do meu time. A denúncia seria a mesma, ainda que prejudicasse o Cruzeiro. Foi uma imprudência tremenda da TV Globo noticiar um vídeo completamente duvidoso desse — apontou.
“Queremos justiça”
Alessandra Aparecida da Silva, empresária de 43 anos, outra presente no momento do acontecido, reforçou o que foi dito por Michelle, que aparece no vídeo gravado pelo atleticano, ao lado do senhor, apontando na direção do homem.
— Ali só tinha negros do nosso lado. Tinham três brancos e o resto todo era de negros. Ele ia fazer esse ato do nosso lado? O atleticano imitou macaco. Todos nós vimos — disse.
Segundo Alessandra, a ideia de procurar a imprensa é para proteger o senhor de idade de ser vítima de falsas acusações.
— A gente só quer que a justiça seja feita. Com a repercussão, pode ser que um irresponsável reconheça esse senhor nas ruas e queira fazer justiça com as próprias mãos. A gente quer proteger esse senhor — falou ela.
Guilherme Olimpio reforçou que eles não conheciam o senhor, mas que a todo momento ele dizia “Racismo não”. Sem perceber o teor da gravação do atleticano, o grupo deixou o lugar onde o acusado estava para ficar junto da Máfia Azul organizada do Cruzeiro, e não viram mais o idoso, que eles dizem nem saber o nome.
— Isso não é uma coisa que vai beneficiar a nenhum de nós, mas se a gente encontrasse esse senhor, conseguiríamos fazer com que ele processasse esse homem por danos morais e calúnia e difamação — disse Michelle Mara, que publicou nas redes sociais sua versão do ocorrido.
Olá, boa noite a todos. Eu sou a mulher que aparece ao lado desse senhor e através de prints do que escrevi nessa mesma reportagem na rede vizinha, vou explicar detalhadamente o que aconteceu. https://t.co/dRMPX3D2ZJ pic.twitter.com/WrpB9tWRfK
— 𝕸𝖆𝖗𝖆 𝕸𝖊𝖓𝖊𝖌𝖍𝖊𝖙𝖙𝖎 37/45 (@marafenomeno) October 27, 2023
— O cara vai em rede nacional acabar com a vida de um senhor sendo que quem está no erro é ele — falou Olimpio.
Eu ESTAVA AO LADO DESSE SENHOR LARGUEM DE SER BURROS!!! Ele disse RACISMO NÃO!!!! Tinha um cara com camisa do ESTUDIANTES na torcida do Atlético que chamou um rapaz de macaco, inclusive há denúncias sobre esse caso. pic.twitter.com/QKGEOnQxnm
— Heitor Gomides (@HeitorGomides) October 26, 2023
Fonte corrobora versão
Uma fonte, que pediu sigilo procurou a reportagem da Trivela dizer que esteve na Arena MRV no clássico e presenciou toda a situação. Ela confirmou ter visto o grupo de cruzeirenses indignado, um dos rapazes do grupo chorando e o senhor acusado de racismo totalmente indignado com o racismo sofrido pelo garoto.
A confirmação aconteceu com a fonte em questão citando algumas informações que eu omiti na matéria, como o nome do adolescente que afirmou ter sofrido o racismo.
O que diz o torcedor atleticano
A Trivela conversou, ainda, com Veron Guilherme, assessor parlamentar, que afirmou que seu Boletim de Ocorrência está pronto e que a Polícia Civil já está no caso. Segundo ele, é negro com muito orgulho e os vídeos dirão a verdade.
— A verdade está nos vídeos e eles dirão tudo. Tem mais gente que filmou esse infeliz fazendo o triste ato. Eu quero um vídeo meu fazendo isso que estão acusando. Eu sou negro com muito amor — disse Veron
Em entrevista à Rede Globo, Veron afirmou que o se sentiu incomodado ao ouvir o senhor gritar “Aqui não tem preto não”. De acordo com o assessor parlamentar, ele ficou até as 22h na Arena MRV fazendo o Boletim de Ocorrência.
— A gente fica chateado porque acho que a gente não pode criticar as pessoas nem por sexo nem por cor. Fica aí a minha indignação. Que ele seja punido por isso e que seja banido dos estádios — disse ele.
O homem disse, ainda, que irá até o fim para provar que as alegações do grupo de cruzeirenses são falsas e que ele é a vítima da situação, além de ressaltar que Arena MRV tem câmeras e que “as máscaras dos acusadores irão cair”.
Arena MRV se posiciona
Procurada pela reportagem da Trivela, a assessoria da Arena MRV afirmou que tomou conhecimento somente da denúncia de Veron Guilherme. Veja a nota:
“Com relação ao fato, a equipe de Segurança da Arena MRV adotou as medidas necessárias, encaminhando o autor das imagens ao Juizado Especial Criminal (Jecrim), e o orientando para que registrasse o boletim de ocorrência.
Em paralelo, profissionais da equipe de Segurança foram reunidos e se dirigiram ao local para tentar identificar o autor dos gestos, mas, infelizmente, sem sucesso.
O Atlético reafirma o seu posicionamento de repudiar quaisquer manifestações de discriminação ou injúria racial, e orienta que os torcedores sempre procurem o apoio da equipe de Segurança da Arena MRV, caso sejam vítimas ou presenciem casos lamentáveis como esse relatado.”
A Trivela questionou a assessoria da Arena MRV sobre as denúncias dos cruzeirenses, que alegam ter reportado o fato para os seguranças do estádio, como mostra na foto publicada acima, mas a comunicação da arena afirmou que “não chegou nada” sobre o ocorrido.