Diante da falta de rumo, o Corinthians resolveu se agarrar ao saudosismo com Luxemburgo
Num cenário que dificilmente ficaria pior para o Corinthians, Luxemburgo terá que manejar a crise nos bastidores, mas sem dar garantias por aquilo que pode fazer com o time em si

O Corinthians sabia que a escolha de seu novo treinador não seria simples. O mercado não oferece muitas opções e os últimos dias reforçavam essa noção. Mano Menezes e Roger Machado, mesmo distantes de pintarem como unanimidades, não se concretizaram. Tite seguia como utopia. E o caminho dos alvinegros, no meio de todo o tumulto após a saída de Cuca, foi revirar o passado. Num ano em que seus maiores feitos no Parque São Jorge completam Bodas de Prata, Vanderlei Luxemburgo está de volta ao clube. Para muita gente, é o melhor técnico do futebol brasileiro nos últimos 30 anos, mas que passa distante do topo das listas nos últimos 15. A experiência do “Professor” será necessária num clube sem rumos em suas escolhas. Respaldo ele tem, mas a capacidade de impulsionar o time em campo, por seu histórico mais recente, é que realmente deixa dúvidas. Chega com contrato até o fim do ano, quando termina também o mandato da atual gestão.
A escolha do Corinthians por Cuca, de muitas maneiras, prejudicou o clube. A discussão sobre o que o treinador representava à instituição era latente e necessária, mas a semana de pressão pela queda atravancou o clube. Mais deméritos da diretoria, que faz uma escolha achando que só a “parte esportiva” seria levada em conta, quando estava claro que o peso do técnico era muito maior, com uma condenação por estupro que não seria aceita por uma parte vocal da torcida. Desta maneira, os dirigentes corintianos deram voltas em círculos e trouxeram problemas para os vestiários além do pedido de demissão, que ainda reverberam. E não que o futebol dentro de campo auxilie, longe disso.
A derrota no clássico contra o Palmeiras, em partes, até evitou um problema maior ao Corinthians. Obviamente, ninguém gosta de perder o dérbi. Mas, pela diferença de organização dos clubes no momento e pela superioridade inicial dos rivais na partida, o placar saiu barato, com os alvinegros quase buscando o empate no final. Mas o time seguia precisando de um treinador, isso era claro. Danilo pode trazer consigo a idolatria, mas não é o seu momento ainda. Da mesma forma como a participação de Fernando Lázaro à beira do campo, semanas depois de ser demitido, causava estranheza enquanto não se decidia o treinador.
Mano Menezes, no Internacional, não quis abandonar seu compromisso para voltar ao Corinthians – e tomou uma decisão lógica. Roger Machado não tinha trabalhos recentes que o respaldassem tanto e, sem que a torcida comprasse a ideia, as negociações também não foram para frente. O tempo se tornava cada vez mais urgente. Volta então Luxemburgo. Um tiro no escuro, por aquilo que é a carreira do veterano nos últimos anos, mas com uma dose cavalar de saudosismo. É nisso que os tomadores de decisão corintianos resolvem se blindar.
Quem viu o Corinthians de 1998 não se esquece. No papel, era talvez o time mais forte que os alvinegros já montaram em sua história. E também era de futebol contundente, com uma qualidade de jogo que supera inclusive momentos de títulos mais importantes. A passagem de Luxa pelo Parque São Jorge nem durou muito, por conta do convite para dirigir a seleção brasileira. Mas a formação do esquadrão rendeu outros frutos, logo depois com o bicampeonato no Brasileirão de 1999 e o Mundial de Clubes em 2000. Por mais que Oswaldo de Oliveira também tenha gravado seu nome, a impressão digital mais forte era a do Professor.
O ponto é que o time não demorou a se desgastar e menos gente se lembra do retorno de Luxemburgo em 2001 – sua passagem “mais recente” pelo Corinthians. O treinador conseguiu evitar o risco de rebaixamento no Paulistão e engrenar rumo ao título. A campanha no Brasileirão, contudo, não foi a esperada e Luxa entrou em rota de colisão com medalhões. Não era seu momento mais favorável, depois da decepção ao redor da Seleção. Também era um período conturbado para o Professor fora de campo, quando lidava com problemas na justiça. Além de comparecer até à CPI da Nike, lidava na época com processos por falsidade ideológica, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Antes, já tinha sido absolvido por uma denúncia de atentado violento ao pudor. Em dezembro, deixava o Parque São Jorge para que Parreira vivesse um ótimo ano em 2002.
Quando os imbróglios gradualmente ficaram para trás, Luxemburgo ainda fez muito nos anos seguintes da carreira, especialmente com Cruzeiro e Santos. O Real Madrid é a marca do auge e do início da queda. Depois disso, o brilho de sua estrela foi se apagando, com trabalhos mais instáveis. O técnico vencedor acabava ficando para trás. E é até curioso pensar que o Corinthians não chegou a recorrer a Luxemburgo nesse tempo todo. O declínio do comandante se combinou com um período bem sucedido do clube, com treinadores que tiveram ciclos longos. Contudo, agora surgiu a ocasião de se evocar o veterano para ver se ele consegue encontrar uma luz no Parque São Jorge.
Por trabalhos recentes, não há garantias em Luxemburgo. Mas também não dá para dizer que ele vem mal. Até deixou uma impressão melhor nos últimos anos do que foi em meados da década passada. Conseguiu ter um efeito positivo temporário no Vasco durante a primeira passagem, conquistou o Paulistão com o Palmeiras (apesar de ficar aquém do que o elenco poderia entregar, com Abel Ferreira escancarou), evitou os maiores temores no Cruzeiro. O saudosismo esteve em voga nos ambientes que Luxa conhecia tão bem. No caso do Palmeiras, pensar no passado foi uma prática comum nos últimos anos, mas num clube mais organizado, que rendeu resultados até melhores com Felipão. Num Cruzeiro tão problemático, não dá para dizer que foi todo ruim, porque alguns que passaram foram piores. Mas não é mais aquele Luxa espetacular.
Para o Corinthians, a essa altura, é difícil que alguém acredite que o Luxemburgo de 1998 voltará. E nem precisa ser tanto, pelo momento do clube. Necessitam de um comandante com um mínimo de capacidade de organização da equipe, o que o Professor consegue fazer, especialmente por aquilo que não se via em campo com Fernando Lázaro. Necessitam também de uma liderança que blinde melhor a sucessão de erros dentro do Parque São José, e isso Luxa também proporciona, pela forma como se porta nas entrevistas e diante do elenco. Só que, no momento, se sugere mais como um técnico para consertar os erros do que para promover um salto. Não é o que o torcedor corintiano gostaria de ambicionar.
Logicamente, o Corinthians tinha um dilema para resolver. Especialmente após a ida de Dorival Júnior para o São Paulo, os técnicos mais acessíveis e conhecidos no mercado seriam tão ou mais incertos que uma aposta em Vanderlei Luxemburgo. Pelo clima ao redor, parece até mais seguro dar uma chance ao Professor do que investir em Roger Machado. Se os corintianos quisessem uma escolha mais elaborada, precisariam de tempo, o que não há à disposição. O clube já queimou um cartucho com Fernando Lázaro como novato e um estrangeiro, por exemplo, demandaria negociações mais arrastadas para garantir alguém de renome. A pressa, todavia, impera. E não apenas pela situação nas competições, mas até para limpar a barra da diretoria pelo desastre com Cuca.
A esta altura, a diretoria do Corinthians não tem muito mais a perder. A escolha de Luxemburgo até consegue redirecionar os olhares em relação ao que foram as últimas semanas por causa de Cuca. E o veterano é alguém mais calejado para encarar o olho do furacão. O ponto está mesmo naquilo que pode se ver em campo. Atualmente, Luxa não garante mais as certezas do passado e ainda carrega consigo uma série de desconfianças sobre a capacidade do trabalho. É abraçar a aleatoriedade que foram os últimos anos de sua carreira.
Por currículo, dentro do próprio Parque São Jorge, não dá para cravar que Luxemburgo vai ser um fracasso. Mas também os motivos para desacreditar de um sucesso são naturais. A uma altura em que os corintianos precisam se empenhar muito para piorar o cenário de bastidores, Luxa é o que se tem. No mínimo, vai dar um pouco mais de tempo para a direção fazer seu trabalho e buscar alguém que dê perspectivas maiores – ou então, esperará por Tite, como queriam desde o princípio.