A força do Galo na conquista do Brasileirão também se traduz pela marca dos estrangeiros no elenco
Atlético Mineiro se torna o clube campeão brasileiro com mais estrangeiros usados na campanha, sete no total

A capacidade de investimento, inegavelmente, foi um fator importante para o título brasileiro faturado pelo Atlético Mineiro. O Galo conta com o elenco mais completo da Série A e adicionou talento nas duas últimas temporadas, com vários nomes que se tornaram protagonistas na conquista. E um dos méritos do Galo, além da quantidade em si, foi a qualidade com que se contratou. Os atleticanos observaram bem o mercado, sobretudo fora do país, para fazer seus negócios. Sete atletas nascidos nos vizinhos sul-americanos participaram da campanha, maior marca de um campeão brasileiro na história. Cinco deles fizeram parte da rotação principal da equipe e viveram momentos importantes. E isso sem contar Diego Costa, sergipano de nascimento, mas que optou por se naturalizar e defender a seleção espanhola.
Dois grandes representantes dessa força estrangeira do Atlético Mineiro são os argentinos. Dois nomes que, por talento, talvez nem fossem tão óbvios ao mercado brasileiro – já que pareciam bem mais prováveis em clubes de fora. Matías Zaracho foi uma dessas cartadas certeiras do Galo. O meia tinha sido campeão nacional com o Racing e mostras de habilidade não faltavam. Porém, pela idade e pela visibilidade, o esperado era que desse um salto à Europa ou a alguma liga do norte do continente – com a MLS e a Liga MX sendo outros destinos consolidados entre promessas argentinas. Os atleticanos, então, fizeram o acerto com os racinguistas e serviriam de trampolim ao garoto, já testado na seleção principal da Argentina em 2019. Custou €5,1 milhões.
Zaracho ainda levou um tempo para desabrochar no Atlético Mineiro. Quando se esperava que Jorge Sampaoli pudesse aproveitá-lo bem, o técnico argentino deu poucos minutos em campo a seu compatriota. Cuca, no entanto, logo percebeu o tamanho do talento que tinha à disposição. O meia virou um dos principais jogadores do Galo, até pela maneira como se encaixa no estilo mais direto aplicado pelo treinador. É uma arma e tanto no meio-campo, por sua capacidade na ligação, por seu trabalho constante e também por sua chegada ao ataque. Não à toa, virou destaque em todas as campanhas atleticanas de 2021. Fez gols importantes na Copa do Brasil e na Libertadores, enquanto no Brasileirão é uma das razões para a arrancada da equipe. A efetividade neste segundo turno, principalmente, auxiliou bastante na disparada do Atlético.
Nacho Fernández chegou nessa temporada e é outro que merece figurar entre os protagonistas do Galo campeão. O meio-campista era daqueles negócios inquestionáveis, por tudo o que já tinha conquistado com o River Plate, transformando-se no jogador mais importante da equipe de Marcelo Gallardo. Pela idade mais avançada, acima dos 30 anos, provavelmente Nacho não teria tanta concorrência de clubes europeus no mercado. Em compensação, se quisesse fazer seu pé de meia em ligas de outros continentes, certamente tinha renome para ganhar uma bolada. Preferiu manter-se em um nível competitivo maior e escolheu o Brasil, para buscar a liga nacional que tinha faltado com os millonarios. Os atleticanos investiram €4,9 milhões.
Parecia improvável que Nacho não desse certo no Atlético. A qualidade do meio-campista fala por si, assim como o talento por fazer o time orbitar ao seu redor. E essa influência se tornou evidente desde suas primeiras aparições durante o primeiro semestre, quando inclusive salvou o Galo em meio às críticas sobre Cuca. Seu rendimento no Brasileirão oscilou um pouco mais, com problemas físicos e familiares que custaram sua sequência. Porém, ainda assim é um dos destaques inescapáveis do sucesso – com gols, assistências e muita inteligência na construção. É um dos prováveis vencedores da Bola de Prata, exatamente por esse impacto que teve no meio do campo.
Ao lado dos dois argentinos, o outro jogador estrangeiro deste Atlético Mineiro que disputou pelo menos metade dos jogos como titular foi Junior Alonso. O paraguaio revelado pelo Cerro Porteño inclusive teve uma carreira na Europa logo depois de despontar, com passagens por Lille e Celta de Vigo. Acabou trazido de volta à América do Sul pelo Boca Juniors, com o qual levou a Superliga, antes de ser comprado pelo Galo por €3 milhões em 2020. Seria titular absoluto no time de Jorge Sampaoli, mas conseguiria um nível ainda mais alto com Cuca em 2021. O jogador de 28 anos aparece como o melhor beque do Brasileirão.
Junior Alonso possui uma carreira extensa na seleção de seu país, com 42 partidas disputadas. Ainda que jogasse antes como lateral, é o titular da zaga desde 2019, ao lado de Gustavo Gómez. E tal força se notou no Galo, mesmo que tenha se ausentado em períodos consideráveis por causa da Copa América ou das Eliminatórias. O paraguaio se tornou um esteio no sistema defensivo fortalecido com Cuca, virando uma das razões diretas para o aumento de competitividade dos atleticanos. Garantiu solidez, combatividade e também liderança, de quem se acostumou a usar a braçadeira de capitão nos compromissos em que Réver não estava ao seu lado. É outro que deve botar a Bola de Prata na prateleira de casa, a segunda de sua coleção.

Já Jefferson Savarino, mesmo sendo uma peça de rotação, tem seu valor reconhecido pela torcida atleticana. O ponta é basicamente o único legado positivo da passagem de Rafael Dudamel por Belo Horizonte. O jogador da seleção venezuelana despontou no Zulia que se firmava como força no país e teria experiências no futebol dos Estados Unidos, defendendo o Real Salt Lake com ótimos desempenhos na MLS. Foi nesse contexto que acabou contratado pelo Galo, por €1,8 milhão. O atleta de 25 anos já tinha sido um dos melhores da equipe no Brasileirão de 2020. Sua preponderância diminuiu em 2021, mas sem deixar de dar sua contribuição ao título.
Por conta da seleção venezuelana, Savarino jogou menos do que poderia no Brasileirão, com o calendário nacional que não respeita as Datas Fifa. Também se ausentou durante a Copa América e as Eliminatórias, perdendo espaço no segundo turno. Ainda assim, a titularidade em boa parte do primeiro turno concedeu ao venezuelano o papel de herói em dois jogos fundamentais para o sucesso da campanha. Seria ele o algoz de Flamengo e Palmeiras no Mineirão, com os dois gols no triunfo por 2 a 1 sobre os rubro-negros e também os dois nos 2 a 0 para cima dos alviverdes. Ainda que sua contribuição tenha sido mais pontual, inegavelmente ela fez a diferença no saldo final.
Eduardo Vargas não é unanimidade, mas se torna o mais tarimbado dos estrangeiros do Galo. O chileno sempre se deu bem sob as ordens de Sampaoli e chegou pelas mãos do treinador, participando do segundo turno em 2020. Era sua segunda experiência no Brasil, após defender o Grêmio, em uma carreira internacional que incluía ainda Napoli, Valencia, QPR, Hoffenheim e Tigres, de onde os atleticanos o compraram por €1,15 milhão. Foi outro que se tornou desfalque constante durante as Datas Fifa e nem sempre contribuiu tanto quando esteve em campo. Ainda assim, teve alguns jogos que resolveu, com menção especial ao duelo contra o Grêmio, em que saiu do banco para fazer o gol da vitória por 2 a 1 e manteve a toada do Atlético neste sprint final.
Por fim, os outros dois estrangeiros serão menos lembrados. Dylan Borrero veio como aposta do Independiente Santa Fe por €1 milhão. O ponta de 19 anos basicamente foi utilizado no segundo tempo dos jogos, mas teria seu brilho com o gol que valeu a vitória sobre o América Mineiro durante o primeiro turno. Já Alan Franco chegou respaldado do Independiente del Valle campeão da Sul-Americana em 2020, por €2,1 milhões, e foi frequente com Sampaoli. Todavia, perdeu espaço com Cuca e mal seria usado na cabeça de área, também com o aumento da concorrência. Mas, com apenas três jogos disputados, ainda consta entre os campeões.
De todos os sete estrangeiros do Galo, o único que não teve títulos anteriores no exterior foi Borrero. Zaracho levou o Campeonato Argentino pelo Racing, enquanto Junior Alonso foi campeão pelo Boca Juniors e antes tinha vencido o Campeonato Paraguaio com o Cerro. Savarino foi campeão venezuelano com o Zulia. Nacho Fernández, se não tinha a liga em seu currículo, levou Libertadores e Copa Argentina pelo River. Alan Franco estava na referida Sul-Americana de 2019. E o currículo de Vargas é o mais recheado, com destaque às duas Copas América, mas também troféus do Campeonato Chileno, do Campeonato Mexicano, da Copa Sul-Americana e até da Copa da Itália. Tal experiência também contribui.
Por fim, vale salientar ainda como o Atlético Mineiro olhou para fora na montagem de seu elenco. As trajetórias de Hulk e Diego Costa falam por si, com o ponta campeão em três ligas diferentes (Portugal, Rússia e China) antes de viver sua primeira glória no Brasil, enquanto o centroavante reúne La Liga e Premier League no currículo. Dois jogadores de Copa do Mundo, afinal. Ainda assim, não foi só de repatriar veteranos (incluindo também Mariano e Keno) que o Galo impulsionou seu elenco. O clube buscou nomes atrelados a clubes europeus, mas sem necessariamente espaço por lá – Allan, destaque no Fluminense e vinculado ao Liverpool, foi o principal destes, com Dodô e Nathan também se encaixando nesse grupo.
O dinheiro, é claro, ajuda muito, sobretudo num momento de crise econômica e desvalorização da moeda. Mas tantos reforços preponderantes também indicam a inteligência nas escolhas e a capacidade de encaixe, o que os atleticanos fizeram com primazia nessa construção como campeões. Nem todo time que despeja milhões no mercado leva a taça, e o próprio Galo estava remediado quanto a isso por outros anos.