Biometria facial, usada para prender flamenguista, será obrigatória. Isso pode não ser bom
Biometria facil foi crucial na prisão de flamenguista em episódio em São Paulo; obrigatoriedade gera polêmica segundo especialistas ouvidos pela Trivela
A biometria facial no Allianz Parque foi fundamental para a prisão do flamenguista Jonathan Messias Santos da Silva, suspeito no envolvimento na morte da palmeirense Gabriela Anelli, antes do jogo entre as duas equipes pelo Brasileirão. A tecnologia será obrigatória até junho de 2025 em todos os estádios com capacidade para 20 mil pessoas, com a aprovação da Lei Geral do Esporte, mas ainda gera debates e controvérsias.
A delegada Ivalda Aleixo, do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), contou que a identificação do flamenguista ocorreu graças às imagens e aos dados fornecidos pela Bepass, empresa responsável pela implementação da tecnologia no Allianz Parque. Em contato com a Trivela, o CEO da empresa, Ricardo Cadar, detalhou como ajudou na investigação.
– De todos os torcedores que entram, inclusive os visitantes, nosso sistema tem a face de cadastro. E quando a pessoa passa, tiramos uma foto para fim de evidências. A polícia nos contactou no início da semana passada, depois de ter identificado pelas câmeras de segurança que o torcedor havia ido à van trocar de camisa, e nós enviamos as fotos das pessoas que entraram pelo portão de visitantes. Pelo horário e pela foto dele, conseguiram identificar. A gente recebe os dados na hora do cadastro dele, e informamos esses dados às autoridades – afirmou Ricardo Cadar.
A biometria facial no Allianz Parque passou a ser implementada no ano passado, a fim de combater o cambismo de ingressos. No início de maio, o jogo contra o Grêmio foi o primeiro com a tecnologia implantada em 100% do acesso ao estádio.
– Combater a ação criminosa dos cambistas foi um compromisso que eu assumi e fico muito orgulhosa em constatar que o nosso empenho está valendo a pena. Com a implementação da biometria facial em todos os acessos do Allianz Parque, encontramos uma solução inovadora para um problema grave, que afeta todos os grandes clubes do Brasil e também a indústria do entretenimento. O nosso objetivo é, e sempre será, proteger o nosso maior patrimônio, que é o torcedor do Palmeiras e, em especial, o sócio Avanti – justificou na época a presidente do clube, Leila Pereira.
Antes do Allianz Parque, apenas o Goiás implementou a biometria facial em seu estádio. O Athletico-PR utiliza a biometria digital, aquela com o dedo indicador, na Arena da Baixada. Já a Arena MRV, do Atlético-MG, testou a biometria facial no jogo entre ídolos do clube.
A partir de junho de 2025, todos os estádios terão de se adequar à Lei Geral do Esporte (Lei 14.597 de 2023) sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 16 de junho. De acordo com Ricardo Cadar, “mais de 15 clubes do Brasil” já têm conversas com a Bepass para a analisar a implementação da tecnologia.
Biometria facial gera debate: é boa ou é ruim?
A extração da biometria facial acende o debate sobre a privacidade dos dados. Para isso existe a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a qual a Bepass alega seguir à risca. Outra controvérsia é o erro no reconhecimento, os chamados “falsos positivos”, principalmente com pessoas negras.
O Panóptico é um projeto do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC) que monitora a adoção da tecnologia de reconhecimento facial pelas instituições de segurança pública do Brasil. A coordenadora de pesquisa do projeto Thallita Lima contesta o uso da biometria facial em estádios.
– A gente precisa balancear entre riscos e alegados benefícios do uso dessas tecnologias biométricas nos estádios, porque a implementação do sistema pode levar os torcedores a exposição de alguns riscos de flexibilização de direitos, como a privacidade, identificação equivocada da cor da pele (entendendo que essas tecnologias são reconhecidamente enviesadas em relação à população não branca), associação do rosto a dados de compras, inclusão permanente de dados em sistemas de governos, identificação e detenção durante eventos, prisões por delitos menores, além de expor a possível vazamento dados e até mesmo a comercialização desses dados – argumentou ela.
Os pontos positivos
- Combate ao cambismo
- Acesso mais rápido ao estádio
- Conhecimento dos clientes
Os pontos negativos
- Erro na identificação de pessoas
- Vigilância em eventos esportivos
- Preocupação com o armazenamento de dados
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O que diz a lei sobre a biometria facial?
O advogado especializado em direito digital e proteção de dados Renato Opice Blum esclarece que a obrigatoriedade da biometria facial é legal, desde que as empresas estejam adequadas à LGPD. Por outro lado, ele admite que “o debate falta e vai faltar cada vez à medida que a tecnologia avança”.
– A tecnologia vem com muita rapidez, e aí vêm as dúvidas. O debate é cada vez mais necessário para que as pessoas saibam. Defendo que deveríamos ter uma lei que obrigasse a educação digital em todos os níveis, permanentemente, para que as pessoas possam entender que pela lei isso pode ou isso não pode – afirmou o especialista.
– O Direito é cada vez mais importante, mas tem sua velocidade que está bem mais rápida, só que poderia ser ainda mais. O Brasil é um dos líderes em proteção de dados com Europa e Califórnia (EUA). A nossa LGPD está entre as três mais importantes do mundo – acrescentou.
Biometria facial no Allianz Parque: mais de 450 mil cadastros
A Bepass tem mais de 450 mil pessoas com biometria facial cadastrada para entrar no Allianz Parque, segundo Ricardo Cadar. Desde que passou a ser obrigatória em 100% do acesso ao estádio, o Palmeiras mandou dez jogos no estádio, mas a tecnologia já é usada desde janeiro. O número mostra o público rotativo no local, já que a capacidade total é de pouco mais de 40 mil torcedores.
O Palmeiras fechou contrato por quatro anos com a Bepass, que investiu em 100% da implantação da tecnologia, como os equipamentos, integração com a plataforma de compra de ingressos, entre outros. A empresa cobra do clube pelo uso da plataforma mensalmente ou por quantidade de ingressos, num contrato de prestação de serviço.