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Boneco de Ceni pendurado e protestos: Por que crise entre Bahia e sua torcida explodiu?

Horas antes do duelo do Tricolor diante do São Paulo, na Fonte Nova, Salvador amanheceu com faixas chamando treinador de 'burro' e time de 'covarde'

O clima entre a torcida do Bahia e o time não anda dos melhores e a terça-feira (5) amanheceu com protesto em Salvador. Vídeos nas redes sociais mostram que os torcedores penduraram em um viaduto nos arredores da Fonte Nova, na região central da cidade, um boneco com rosto do técnico Rogério Ceni, em tom de ameaça, além de faixas com frases de efeito.

“Acabou a paz”, “Time Covarde” e “Ceni Burro” foram algumas das frases usadas pelos manifestantes. Sétimo colocado com 46 pontos, o Tricolor de Salvador entrar em campo nesta terça para enfrentar o São Paulo, pela 32ª rodada do Campeonato Brasileiro.

Uma vitória encurta a distância do Bahia para o rival desta noite para dois pontos, colocando a equipe de volta na briga por uma vaga na pré-Libertadores.

Veja as imagens do protesto da torcida do Bahia

Bahia repudia protestos e promete punição

Após os vídeos e as fotos serem divulgadas, o Bahia veio a público para repudiar a ação dos torcedores.

— Respeitamos o direito de protestar, mas condenamos todas as manifestações com teor agressivo e que coloquem em risco a vida de seus representantes, sejam eles dirigentes, membros da comissão técnica ou jogadores — disse o Bahia, em nota.

A nota ainda revelou que o Tricolor está em contato com o Secretaria de Segurança Pública da Bahia, e irá conduzir uma investigação para identificar os torcedores que participaram do ato. Uma vez identificados, o clube promete tomar medidas jurídicas e policiais cabíveis.

O jogo contra o São Paulo, coincidentemente, marcará a estreia da campanha contra a violência no futebol “Cadeiras Vazias”.

Em parceria do Ministério do Esporte com a CBF e a Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), 384 cadeiras do setor Sudoeste do estádio permaneceram vazias e cobertas com camisas de diversos clubes do futebol brasileiro. O número representa a quantidade de vítimas fatais em casos de violência no futebol de 1988 a 2023, de acordo com o levantamento do jornalista Rodrigo Vessoni.

Alguns familiares das vítimas foram convidados para estarem presentes no jogo para a realização de um ato simbólico pedindo paz.

"Cadeiras Vazias", movimento nacional de combate à violência no futebol. Foto: Divulgação
Ministério do Esporte e CBF vão estrear a campanha “Cadeiras Vazias” no duelo entre Bahia x São Paulo, nesta terça-feira (5). Foto: DIvulgação

Por que o Bahia e os torcedores estão em crise?

Quando Ramon Abatti Abel apitou o fim de Bahia 4 x 1 Atlético-MG, em dezembro de 2023, poucos torcedores imaginariam que, pouco mais de um ano depois do jogo que livrou o time do rebaixamento, o Tricolor sairia de quase rebaixado a sétimo colocado do Campeonato Brasileiro, brigando por uma vaga na Libertadores.

Mas, a presença na parte de cima da tabela desde as primeiras rodadas da competição parece não ter sido suficiente para os torcedores, que andam insatisfeito com o desempenho do clube, no geral. 

Muitas são as críticas, que vão desde a condução da diretoria em relação aos assuntos culturais da torcida, aos erros do time e, principalmente, do treinador Rogério Ceni, alvo da maior parte das críticas críticas. Vale lembrar que desde o fim de 2022 o Bahia é gerido pelo Grupo City.

Quando o assunto é a diretoria, algumas polêmicas marcaram o ano Tricolor, com as mais recentes fazendo um estrago e tanto na imagem do clube diante dos torcedores.

Em agosto, uma reportagem do BNews revelou que o clube aplicava multas em pequenos empresários por “produtos não licenciados” por meio do escritório Bianchini Advogados, que utiliza um sistema de inteligência artificial para rastrear produtos vendidos sem a licença do clube.

No mês passado, a Trivela entrou em contato com uma confeiteira de Minas Gerais, que também revelou ter sido cobrada em R$ 7 mil, mas teve a dívida renegociada em R$ 1,8 mil, dividido em dez parcelas.

Apesar de não ser uma prática ilegal, muitos torcedores questionaram a necessidade da estratégia, principalmente vindo do time conhecidamente popular, que tem como suas principais raízes o torcedor mais pobre de Salvador.

Mudanças no plano de sócio irritou torcedores

Em julho, o Bahia anunciou a reformulação do seu plano de sócios e a medida acabou se tornando uma das mais impopulares.

Apesar da inclusão da ferramenta de check-in, já cobrada há tempos pelos torcedores que frequentam a Fonte Nova, a retirada o antes chamado de “acesso garantido” deixou torcedor irritado.

Antes, o torcedor, pagava um valor fixo mensal para ter acesso a todos os jogos do clube na Fonte Nova. Agora, além do valor mensal para se associar, o torcedor ainda vai precisar pagar uma taxa máxima de 15% do valor do ingresso do setor escolhido para fazer o check-in.

— A grande maioria das pessoas que são próximas a mim ou que são próximas ao meu ciclo de amigos não curtiu a ideia que o Bahia SAF teve de implementar o novo sistema de sócios. Principalmente quando o assunto é o Check-in pago — revelou um torcedor em contato com a Trivela.

Na prática, o torcedor perdeu o “acesso garantido”. O valor pago mensalmente, que antes garantia cobertura de 100% no valor dos ingressos em jogos na Fonte Nova, agora cobre apenas 85%. Os outros 15% são cobrados na primeira vez que o fã do tricolor quiser ir ao jogo no mês.

No segundo jogo que o torcedor reservar o seu ingresso, o check-in será cobrado 10% do valor do ingresso e 5% do valor a partir do terceiro jogo. Mensalmente, esse sistema será reiniciado para 15%.

A mudança já vale para o jogo desta terça (5), contra o São Paulo

O plano mais popular em termos de associação custa R$ 119,9 mensal, com o ticket médio do setor correspondente custando R$ 80. Considerando esse plano e a cobrança do check-in para novembro, o torcedor tricolor vai precisar a pagar R$ 143,9 mensais se quiser assistir os três jogos que o time fará na Fonte Nova. Ou seja: um aumento de 20%.

Nos planos mais caros os valores serão ainda maiores. Isso sem contar o reajuste anual do valor base do plano. Vale lembrar também que em abril o clube já havia anunciado uma política de variação nos valores dos ingressos.

Dia, horário, adversário e relevância do confronto poderá variar o valor cobrado pelo ingresso ao torcedor que não é sócio, classificando o duelo em demanda baixa, média ou alta.

Falta de diálogo da diretoria irrita o torcedor

A mudança no plano de sócios trouxe a tona outra preocupação do torcedor: a falta de diálogo entre a diretoria e os adeptos.

Muitos torcedores reclamaram que a diretoria do clube não leva em consideração os anseios e questões culturais dos torcedores, que ocupam, majoritariamente, uma camada mais pobre de Salvador.

Outro ponto em discordância, que também tem a ver com a falta de diálogo, é o fato de que a diretoria pouquíssimas vezes no ano aparece para falar à torcida.

Esse modus operandi, porém, não é uma exclusividade do Bahia. Na verdade, é um padrão do Grupo City não falar tanto à imprensa por meio de membros da diretoria executiva e de futebol dos clubes que ele gerencia.

Geralmente, apenas os treinadores falam em nome do grupo, com aparições raras dos dirigentes do alto escalão.

Os resultados em campo e ‘teimosia' de Rogério Ceni

O amor da torcida do Bahia com Rogério Ceni acabou. Torcedores e técnico romperam de uma vez por todas quando quase 50 mil torcedores chamaram de “burro” o treinador Tricolor na derrota por 1 a 0 contra o Flamengo, no segundo jogo das quartas da Copa do Brasil.

Rogério Ceni até tentou evitar entrar em polêmicas com o torcedor, mas a relação não melhorou.

— Toda derrota incomoda. Gostaria que o torcedor estivesse feliz, mas quando a gente não consegue resultado… O torcedor paga ingresso e isso é inerente ao jogo e ao trabalho. Respeito esse lado do torcedor — disse o treinador, em coletiva após a eliminação da Copa do Brasil.

A principal bronca do torcedor é com a “teimosia” do técnico. Com a montagem do elenco, o treinador elegeu os seus 11 principais jogadores e a escalação ideal para o seu modelo de jogo, que ficou conhecida entre os torcedores como “Bahia Prime”.

Escalação do Bahia. Foto: Reprodução / Tactical Board
“Bahia Prime” de Rogério Ceni não vem dando resultados em campo e torcedores cobram por mudanças. Foto: Reprodução / Tactical Board

O problema é que o esquema do treinador não tem rendido no returno do Brasileirão. Na primeira metade do campeonato, o Bahia somou 31 pontos de 57 disputados. Agora, com os 12 jogos que disputou no returno, somou apenas 15 pontos.

O tricolor desperdiçou algumas chances preciosas para se formar entre os quatro primeiros colocados do campeonato, o que daria uma vaga direta na Libertadores, e agora, na sétima colocação, precisa a todo custo vencer os seus últimos jogos para brigar por uma pré-libertadores.

Mas, ainda assim, o técnico tem insistido em repetir a mesma escalação, deixando de lado nomes como o uruguaio Luciano Rodriguez, contratado por 12 milhões de dólares (cerca de R$ 70 milhões) do Liverpool do Uruguai. “Lucho”, como é conhecido, marcou desde que chegou ao Bahia o mesmo número de gols que Thaciano e Everaldo juntos, mas ainda não ganhou uma chance como titular.

Contra o Cruzeiro, depois da revolta do torcedor, Rogério mexeu na equipe titular, mas de forma obrigatória. Caio Alexandre estava suspenso e não poderia jogar. No jogo seguinte, contra o Vasco, o torcedor, então, esperava a manutenção da mudanças, mas o que viu em campo foram os 11 do “Bahia Prime”, que levou 3 gols em 30 minutos.

Rogério, então, decidiu fazer duas substituições ainda no primeiro tempo – uma delas Lucho Rodriguez, que chegou a fazer um gol -, que surtiram efeito o fez o time reagir, mas não foi o suficiente para evitar a derrota por 3 a 2.

Contra o São Paulo, então, o torcedor vive a expectativa de saber qual equipe Rogério mandará a campo.

Fracasso nas competições

Considerando as competições já disputadas, o Bahia vai terminar 2024 sem levantar nenhum troféu, e isso deixou o torcedor chateado com Rogério Ceni. Alguns, inclusive, consideram a temporada um fracasso.

Apesar da campanha sem sustos no Brasileirão, atualmente na sétima colocação, com possibilidades reais de Libertadores (fato que não acontece há 35 anos), a expectativa criada pelo time e pelo próprio treinador nos vídeos de bastidores deixou os torcedores na bronca.

O Bahia perdeu algumas chances de já garantir uma vaga na competição internacional e se vê, a sete rodadas do fim, obrigado a vencer quase todos os seus jogos se ainda quiser disputar a principal competição do continente.

Rogério Ceni, técnico do Bahia. Foto: Imago
Rogério Ceni chegou a ser chamado de “burro” por torcedores do Bahia após a eliminação para o Flamengo. Foto: Imago

E se olhar para todo o ano, a insatisfação fica ainda maior. A derrota para o rival Vitória na final do Campeonato Baiano, e a eliminação da semifinal da Copa do Nordeste, na Fonte Nova com 50 mil torcedores, contra o CRB, 15º colocado da Série B, além da eliminação para o Flamengo, na Copa do Brasil, deixaram o torcedor com o gosto de fracasso na boca.

Na prática, o Bahia pode terminar 2024 sem nenhum dos objetivos concluídos.

Próximos jogos serão cruciais para o Bahia e Rogério Ceni

Daqui até o fim do Campeonato o Bahia entra em campo sete vezes, quatro delas na Fonte Nova. A primeira justamente nesta terça (5), contra o São Paulo, adversário direto na briga por uma vaga na Libertadores.

O tricolor paulista é o sexto colocado e soma 51 pontos, cinco a mais que o Bahia, sétimo colocado com 46. Vencer o São Paulo significa manter a diferença para Cruzeiro e Vasco, além de encostar o time paulista.

Olhando a tabela, o Bahia enfrentará majoritariamente equipes que brigam na parte de baixo. Juventue, Athletico, Cuiabá, Corinthians e Atlético-GO serão rivais do tricolor.

Foto de Márcio Júnior

Márcio JúniorRedator de esportes

Baiano formado pela Faculdade Regional da Bahia. Cobriu de carnaval a Copa do Mundo na TVE Bahia, onde venceu o prêmio de reportagem do mês. Passou pela ALBA, Rádio Educadora, Superesportes e Quinto Quarto antes de se tornar repórter na Trivela.
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