Adorado por onde passou, Lucas Leiva encerra carreira aos 36 anos por problemas cardíacos
O volante estava afastado desde dezembro e, se não conquistou tantos títulos, terá o carinho das torcidas de Grêmio, Liverpool e Lazio

Não é que vencer jogos de futebol, ganhar títulos e fazer gols é fácil. Mas passar por clubes importantes e sair de todos eles com o carinho e o respeito da torcida e dos companheiros não é para qualquer um. A prateleira de troféus de Lucas Leiva não está lotada, mas, entre Porto Alegre, Liverpool e Roma, sua caixa postal receberá uma enxurrada de mensagens de carinho e gratidão após anunciar nesta sexta-feira o fim de uma grande carreira, aos 36 anos, por problemas cardíacos.
O volante que retornou ao Grêmio em junho do ano passado e o ajudou a voltar à primeira divisão do futebol brasileiro estava afastado desde dezembro ao ser diagnosticado com uma fibrose cicatrical no miocárdio. Após repetir exames, não houve alterações, e os médicos concluíram que o risco seria alto demais se continuasse praticando esportes de alta intensidade. “Minha saúde vem em primeiro lugar”, disse o jogador que conquistou duas vezes o Campeonato Gaúcho, foi vice-campeão da Libertadores, levou uma Copa da Liga pelo Liverpool e uma Copa da Itália pela Lazio.
“Chegou o dia de dizer adeus aos campos”, escreveu no Instagram. “Confesso que veio por forças maiores, mas olho para trás e só tenho a agradecer pela carreira que construí. Aos 14 anos, saí de casa para ser mais um jovem em busca do sonho de me tornar jogador de futebol. Com 16 anos, chego ao Grêmio e sinto o gostinho do que é estar em um grande clube e também sentir que o sonho estava mais perto de ser realizado. Aos 18, o sonho se realiza e, com ele, o acesso para a Série A de forma inesquecível!”.
“Vem o próximo ano e nele tive dos meus melhores momentos na carreira, inclusive fazendo minha estreia pela seleção brasileira. Em 2007, eu me transfiro para o gigante Liverpool, que fez parte da minha vida por 10 anos e é com muito orgulho que posso dizer que hoje Liverpool é minha casa! Sou orgulhoso de ser cidadão inglês junto com minha família. Sou scouser. E quis o destino me levar para a cidade mais incrível da Europa: Roma. Com todo seu encanto e com a fanática torcida da Lazio, consegui marcar meu nome na história do clube. Foram cinco anos maravilhosos. Como falamos em Roma, SEMPRE FORZA LAZIO”.
“Faltava algo para encerrar com chave de ouro a minha trajetória no futebol: retornar ao meu time do coração. Voltei e tive o privilégio (sim, é um privilégio vestir a camisa do Grêmio, não importa a divisão) de poder contribuir com o acesso novamente”, completou.
A primeira vez que contribuiu para o acesso foi no ano em que chegou ao time profissional. A Batalha dos Aflitos está muito bem registrada na história do futebol brasileiro como um dos jogos mais malucos de todos os tempos. Lucas Leiva recebeu a Bola de Ouro da revista Placar, como o melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 2006, e no ano seguinte liderou o Grêmio ao vice-campeonato da Libertadores. Sucesso demais para continuar passando despercebido, e o Liverpool contratou-o. Na mesma época, chegou à seleção brasileira. Não teve vida muito longa, com 22 jogos até 2013, mas disputou uma Copa América, em 2011, como titular.
A fidelidade ao Liverpool pode tê-lo atrapalhado. Ele chegou no momento em que o clube parecia em um bom caminho, após chegar a duas finais de Champions League com Rafa Benítez. Teve dificuldades para se adaptar no começo e raramente foi titular em seus dois primeiros anos. Decisões erradas e um processo de falência deterioraram as pretensões vermelhas. Lucas teve seus melhores momentos na Inglaterra entre 2009 e 2011 e quase saiu para a Internazionale duas vezes, mas foi ficando, e lesões impediram que contribuísse ainda mais.
No fim, permaneceu uma década prestando serviços ao Liverpool e ganhando o coração das arquibancadas com o seu espírito de luta e qualidade, apesar das dificuldades. Chegou a 346 partidas, o 48º jogador que mais vezes defendeu o clube. Nos tempos modernos, é o nono, atrás de John Arne Riise, Roberto Firmino, Robbie Fowler, Pepe Reina, Sami Hyypia, Jordan Henderson, Steven Gerrard e Jamie Carragher. A grande tragédia de Lucas foi ter se mantido leal ao Liverpool durante os anos mais difíceis e sair justamente quando tudo estava prestes a melhorar.
Em 2017, a um ano de Jürgen Klopp levar os Reds à final da Champions League, foi vendido à Lazio. Na capital italiana, conseguiu reencontrar protagonismo. Cinco temporadas como titular, com direito a gol de calcanhar e um título da Copa da Itália, com assistência na final contra a Atalanta. O diretor de futebol da Lazio, Igli Tare, disse até que foi uma “das melhores contratações” que já fez para o clube. Ele disputou 35 jogos do Campeonato Italiano, mais da metade como titular, antes do seu contrato chegar ao fim. Teria mercado na Europa, mas preferiu terminar a sua carreira onde tudo começou.
Lucas Leiva não quis nem saber se o Grêmio disputaria a primeira divisão, a segunda divisão ou apenas o Municipal de Porto Alegre, mais um pequeno bônus ao carinho que a torcida tricolor sente por ele. “Quando olho para trás, não mudaria nada. Poderia dizer que gostaria de ter conquistado algo a mais e jogado mais, mas foram três clubes com identidade enorme. Somente gratidão e realmente feliz pelo percurso que tive. Sempre fui um cara de raízes, e acho que criei onde passei, acho que vou levar para a vida. Sou de Porto Alegre, Liverpool, Roma, lugares muito importantes em que pude deixar algo de positivo. Estou encerrando onde eu gostaria, não da forma como eu gostaria”, concluiu.